O Sérgio Moro que condenou na Lava-Jato e o Sérgio Moro que depôs à Polícia Federal em Curitiba

 
O embate entre Sérgio Moro e o presidente Jair Bolsonaro está longe do fim e deve durar muito tempo, talvez até a corrida presidencial de 2022. Isso porque o ex-juiz da Operação Lava-Jato, em Curitiba, deixou à beira do caminho 22 anos de magistratura em nome de um projeto político que até hoje não foi assumido publicamente.

Ao deixar o governo Bolsonaro, Moro alegou tentativas de interferência na Polícia Federal por parte do presidente da República, o que exigiu a abertura de um inquérito para apurar as graves acusações. Em seu depoimento à PF, no último sábado (2), Sérgio Moro mostrou um lado diferente do magistrado que atropelou a legislação vigente para condenar os envolvidos em casos de corrupção no escopo da Lava-Jato. Ou seja, na condição de depoente Moro apresentou poucas provas e deixou muitas pistas para os investigadores avançarem.

No meio da advocacia criminal, o depoimento de Sérgio Moro foi um fracasso por não estar acompanhado de provas, ao mesmo tempo foi comemorado por advogados que ainda defendem clientes fisgados pela Lava-Jato. O UCHO.INFO mantém sua opinião sobre Moro no tocante ao desrespeito inequívoco da legislação vigente no País ao julgar acusados de corrupção, mas reconhece que Moro foi cauteloso ao depor, evitando ser acusado de crimes como denunciação caluniosa, por exemplo.

 
Diferentemente do que ocorreu na Lava-Jato, que teve condenações com base em indícios e cumprimento de pena antes do trânsito em julgado da sentença, a acusação de Moro contra Bolsonaro tem ao menos uma prova capaz de levar o presidente da República ao olho do furacão de um processo de impeachment: a mensagem trocada entre ambos em que o chefe do Executivo afirma que a substituição do diretor-geral da PF é necessária porque parlamentares bolsonaristas estão sob investigação do Supremo.

Em qualquer país minimamente sério e com autoridades com doses rasas de coragem, Bolsonaro já estaria respondendo por crime de responsabilidade, pois sempre foi inequívoco seu desejo de interferir na PF como forma de blindar pessoas próximas, a começar pelos filhos, contra investigações graves e que podem levar ao desmoronamento de um governo que ainda não mostrou a que veio e continua flertando com o autoritarismo.

A escalada autoritária do governo é algo que vem desde os primeiros dias do mandato de Jair Bolsonaro, algo que ficou patente durante a campanha presidencial e para o qual o UCHO.INFO alertou diversas vezes. Muitos estão a questionar o depoimento de Sérgio Moro em termos jurídicos, mas é preciso ressaltar que no âmbito político o estrago está consumado, cabendo ao Congresso Nacional tomar a decisão de iniciar o processo de impeachment, que deve ser inicialmente submetido ao crivo dos deputados federais. Como Bolsonaro comprou o apoio do chamado “Centrão”, a chance de o processo de impeachment prosperar foi reduzida, mas não anulada.

O erro de Sérgio Moro, além dos cometidos na Lava-Jato, não foi o depoimento carente da “bala de prata”, que poderia mandar Bolsonaro pelos ares, mas ter ingressado em um governo órfão de propostas e que busca o tempo todo atentar contra a democracia e o Estado de Direito. Como operador do Direito, Moro tinha o dever de perceber esse desvio do governo, mas seu silêncio obsequioso, emoldurado por aquiescência tosca e interesseira, acabou endossando o movimento truculento liderado por Bolsonaro e pelos filhos do presidente. Com o leite derramado, não há do que reclamar. Só resta virar a mesa!