Bolsonaro perdeu o “compasso moral” em meio à pandemia, afirma a conceituada revista “The Lancet”

(Sérgio Lima – AFP)

 
Em contundente editorial intitulado “Covid-19 no Brasil: ‘E daí?’”, em que critica a gestão da pandemia do coronavírus Sars-Cov-2, a revista científica britânica “The Lancet” escreveu que “talvez a maior ameaça à resposta do país à covid-19 seja seu presidente, Jair Bolsonaro”.

O título do texto, publicado nesta quinta-feira (7), destacou a declaração pronunciada por Bolsonaro depois que o Brasil ultrapassou 5 mil óbitos em consequência da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus. “E daí, quer que eu faça o quê? Sou Messias, não faço milagres”, disse a repórteres, após ser questionado sobre o veloz aumento das mortes no País.

A publicação destaca que Bolsonaro “não só semeia confusão ao escarnecer e desencorajar medidas sensatas de distanciamento social e lockdown (bloqueio total)” adotadas por governados estaduais e cidades em todo o Brasil, mas que também perdeu “dois importantes e influentes” ministros nas últimas três semanas: o da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, e o da Justiça e Segurança Pública, Sérgio Moro.

“Tal desordem no coração do governo é uma distração fatal em meio a uma emergência de saúde pública e também um sinal forte de que a liderança do Brasil perdeu seu compasso moral – se é que jamais teve algum”, destaca o editorial.

A “The Lancet” afirmou ainda que combater a pandemia de Covid-19 no Brasil já seria difícil mesmo sem “vácuo de ações políticas”, devido ao fato de cerca de 13 milhões de pessoas viverem em favelas, onde a alta densidade populacional torna difícil a implementação de medidas de distanciamento.

O texto também enfatiza o alto número de pessoas com ocupações informais no País e a eliminação de fontes de renda em consequência da pandemia. “A população indígena já vivia sob severas ameaças mesmo antes do surto de covid-19, porque o governo vem ignorando ou até encorajando a mineração e o desmatamento ilegais na Floresta Amazônica”, escreve a conceituada revista britância, que alerta para o risco de madeireiros e mineiros ilegais contagiarem populações indígenas.

 
A revista destacou ainda que o Brasil concentra o maior número de infecções e de mortes pelo novo coronavírus na América Latina, afirmando que “o mais preocupante é que estima-se que a taxa de mortalidade dobre em apenas cinco dias”, e que um estudo recente do Imperial College de Londres, que analisou a taxa de transmissão em 48 países, coloca o Brasil como país com a maior taxa de transmissão, de 2,81.

Isso significa que uma pessoa infectada pode contaminar quase três. Na Alemanha, por exemplo, a taxa de reprodução do vírus caiu para 0,65 nesta quinta-feira, o que significa que um paciente infectado pelo vírus contagia menos de uma pessoa.

“O próximo a sair”

A publicação exemplificou também ações tomadas pelas comunidades científicas e de saúde e pela sociedade civil “num país conhecido por seu ativismo e sua oposição clara a injustiças e desigualdades, e onde a saúde é um direito constitucional”.

O texto menciona organizações como a Academia Brasileira de Ciências e a Associação Brasileira de Saúde Coletiva (Abrasco) como oponentes de longa data de Bolsonaro “por causa de cortes drásticos no orçamento para ciência e uma demolição geral da seguridade social e dos serviços públicos”.

“Há muita pesquisa acontecendo, de ciência básica a epidemiologia, e há produção rápida de equipamentos de proteção individual [EPIs], respiradores e kits de testes”, elogia a “The Lancet”.

Por outro lado, “liderança no mais alto nível governamental é crucial para evitar rapidamente o pior desfecho desta pandemia, como ficou evidente em outros países”. “Como país, o Brasil precisa se unir para dar uma resposta clara ao ‘E daí?’ de seu presidente. Ele precisa mudar drasticamente de curso ou terá que ser o próximo a sair.” (Com agências de notícias)