Bolsonaro recorre ao devaneio jurídico e insiste na nomeação de Ramagem, mas processo já perdeu objeto

 
Causa preocupação o fato de um governo, como o de Jair Bolsonaro, promover um verdadeiro furdunço na seara jurídica, como se o Brasil existisse à imagem e semelhança do lupanar da esquina mais próxima. Afinal, o mínimo que se pode esperar do presidente da República e deus assessores é que eles cumpram e respeitem a legislação vigente no País, sem rapapés e bamboleios interpretativos de ocasião.

Esse introito serve para ilustrar a epopeia envolvendo a anulada nomeação de Alexandre Ramagem para a direção geral da PF, cuja posse foi suspensa por decisão liminar ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que viu no ato presidencial desvio de finalidade. Até porque, Bolsonaro insistiu em nomear ao comando da Polícia Federal alguém da sua confiança e que aceitasse lhe repassar diariamente relatórios de inteligência sobre investigações em curso.

Diante da decisão do ministro do Supremo, que acertadamente impôs limite ao presidente da República dentro do que determina a Constituição de 1988, a nomeação de Ramagem foi anulada em seguida pelo próprio Bolsonaro.

Não é preciso nenhuma dose extra de raciocínio para descobrir que no momento em que Bolsonaro baixou decreto, devidamente publicado no Diário Oficial da União (DOU), anulando a nomeação de Ramagem, o processo que tramitava no STF perdeu objeto. Portanto, não cabe recurso em ação judicial que tornou-se ineficaz pela perda de objeto. Trata-se de um conceito basilar do Direito.

 
Apesar desse cenário, o presidente da República insiste junto ao Supremo para que o ministro Alexandre de Moraes reveja sua decisão, o que faz com que o despacho ganhe doses extras de assertividade. Afinal, a insistência de Bolsonaro em ter Ramagem no comando da PF causa estranheza.

Não obstante, vale ressaltar dois pontos que continuam merecendo atenção nesse imbróglio bolsonaresco. O primeiro deles versa sobre o retorno da Alexandre Ramagem à direção da Agência Brasileira de Inteligência (Abin). Para ser nomeado diretor-geral da PF, Ramagem precisou ser exonerado da Abin. Pois bem, sua recondução ao cargo não poderia se dar da forma como fez o Palácio do Planalto, na base da canetada, pois a aprovação do nome de um indicado ao comando da Abin depende de aprovação do Senado, que atualmente está com as atividades legislativas suspensas em razão da pandemia do novo coronavírus.

Alguém há de dizer que Alexandre Ramagem já ocupava a direção-geral da Abin e que sua recondução exigia apenas um ato de ofício, mas não dessa maneira que a governança deve ser conduzida. Quando em jogo estão interesses do Estado brasileiro é preciso que haja um ato jurídico perfeito, que só passará a existir neste caso quando o nome de Ramagem receber a chancela do Senado.

O segundo ponto que merece atenção é a nomeação do novo diretor-geral da Polícia Federal, Rolando Alexandre de Souza, que já atendeu a um dos pedidos de Bolsonaro: a troca do superintendente da corporação no Rio de Janeiro. Pois bem, ao insistir na nomeação de Ramagem, o presidente da República sinaliza que Rolando Alexandre foi escalado para um mandato-tampão, enquanto o embate no Supremo não termina. Se o novo diretor da PF aceitou esse papel, o mínimo que se pode afirmar é que não está à altura da corporação.