Tempo urge

(*) Gisele Leite

Diante de fatos, não há argumentos. A gravação da reunião ministerial com o Presidente da República demonstrou inequivocamente que este associou a troca da chefe da Polícia Federal no Rio de Janeiro aos interesses de sua própria família, a gravação se deu em 22 de abril do corrente ano. Quando citou explicitamente a perseguição à sua família que seria o motivo para substituir o comando da unidade. A gravação igualmente confirmou a ameaça de substituição do ministro Moro e do diretor da Polícia da época.

Registrou-se passagens constrangedores em face do vocabulário pouco polido do Presidente, por essa razão, requereu-se que a dita gravação não venha a público. Mas, o que certamente o decano ilustre da Suprema Corte Federal, Celso de Mello já sabe que além da crise sanitária promovida pelo Covid-19, temos igualmente a crise institucional, pela péssima convivência dos poderes da república e, ainda, a crise política que demonstra claramente o total desgoverno que reina livre no país.

Atenta-se explicitamente contra à Constituição Federal brasileira vigente, com ameaças de Golpe de Estado e de indevida Intervenção das Forças Armadas e promoção de fechamento do Congresso Nacional e o STF.

Até um dos membros da Suprema Corte sofrera ameaças e importunações irrazoáveis, por simplesmente, atuar em seu dever, como é o caso do Ministro Alexandre de Moraes que deferiu liminar impedindo a nomeação de Ramagem para a direção da Polícia Federal, por ser amigo íntimo do Presidente e de sua família, por configurar desvio de finalidade da referida nomeação bem como a inobservância de princípios da impessoalidade, da moralidade e do interesse público.

Na mesma sinistra reunião, outro Ministro, o da Educação, dirigiu palavras de baixo calão para se referir aos ministros do STF e ainda sugeriu a prisão dos onze membros da Suprema Corte brasileira. Mais uma ameaça vigorosa ao Estado Democrático de Direito.

Realmente, estamos vivenciando uma democracia falha, pois ora, há os impropérios e a indiferença diante dos expressivos números de óbitos e de doentes infectados com a Covid-19, ao lado da colapsada saúde pública que não consegue atender aos necessitados.

E, de outro lado, as questões que vieram à baila com a saída de Mandetta e depois de Sergio Moro. Ambos substituídos por pessoas nitidamente despreparadas para o cargo, além de demonstrarem natural pendor à subserviência ao então Chefe da Nação.

Nesse particular, é irresistível comentar que o atual ministro da Saúde parece mesmo ser uma versão tupiniquim do protagonista do seriado “The Good Doctor”, que é representado por um cirurgião autista. Evidentemente que o personagem em questão é excelente médico apesar de todas suas dificuldades de convivência social, o mesmo não se dá com o referido ministro brasileiro. O que só confirma plenamente a eficácia da educação inclusiva, o que entre nós, corresponde a enorme e difícil desafio da educação brasileira.

Em meio ao profundo caos, o Presidente convoca ministros para churrasco e, depois, desmente, e vai passear de jet-ski no lago Paranoá. Além de acumular escândalo sobre os gastos nos cartões de crédito corporativos. Perpetuando ainda, em manter condutas não recomendáveis pela OMS em face da presente pandemia.

A “CBN Pelo Mundo” identifica que Bolsonaro se destaca no exterior como o pior líder do mundo no combate à pandemia. Mesmo outros governantes de direita, ainda que inicialmente refratários ao isolamento social se renderam às orientações da OMS após o agravamento da crise sanitária.

A propósito, não obstante, regras recentemente editadas ampliando a permissão de funcionamento de atividades e serviços não-essenciais (tais como salões de beleza e academia de ginástica), os governadores e prefeitos não estão vinculados à acatá-las, conforme já confirmou o STF em atenção a competência federativa constitucionalmente estatuída.

Não precisamos acumular nesse momento três crises: a crise sanitária, a crise institucional e a crise política. Que os procedimentos sejam céleres para enfocarmos os devidos esforços para salvar vidas e cumprir o dever do Estado quanto ao direito à vida, à saúde e, principalmente, ratificar maior respeito à dignidade da pessoa humana.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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