No universo político não há momento ruim que não possa piorar. Isso acontece com maior frequência quando o protagonista parece viver em permanente “inferno astral”. É o caso do presidente Jair Messias Bolsonaro, que rompeu esta quinta-feira (18) com a notícia da prisão de Fabrício Queiroz, no meio do dia apareceu constrangido ao lado do agora ex-ministro Abraham Weintraub anunciando sua saída do Ministério da Educação e em seguida foi informado que o Supremo Tribunal Federal (STF), por 10 votos a 1, validou o inquérito das “fake news” e abriu caminho para o compartilhamento de provas com o Tribunal Superior Eleitoral (TSE).
Com a validação do inquérito que apura a disseminação de notícias falsas sobre os ministros do Supremo, além de ataques e ameaças aos magistrados e seus familiares, os filhos de Bolsonaro, Eduardo e Carlos, continuarão no “olho do furacão”, assunto que preocupa sobremaneira o chefe do Executivo.
As investigações no âmbito do referido inquérito chegaram muito perto do chamado “gabinete do ódio”, grupo de servidores que trabalham no Palácio do Planalto e apoiadores do presidente que se dedicam a atacar adversários a partir das redes sociais, normalmente usando notícias e informações falsa ou deturpadas. Esse grupo é comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ).
Se para o presidente o fato de os filhos estarem na berlinda é motivo de preocupação, a situação mais grave e perigosa repousa sobre a possibilidade de as provas serem compartilhadas com o TSE, onde corre oito ações contra a chapa Bolsonaro-Mourão, sendo que quatro delas, as mais complexas, versam sobre disparo em massa de mensagens por aplicativos.
Até recentemente, integrantes do TSE avaliavam que o conjunto probatório apurado no escopo das ações era insuficiente para cassar a chapa liderada por Jair Bolsonaro, mas com descobertas feitas pelos investigadores que atuam no inquérito em tramitação no STF abrem um novo horizonte. Os ministros da Corte Eleitoral afirmam que se as provas obtidas pelo Supremo forem consistentes, e de fato são, as chances de cassação da chapa Bolsonaro-Mourão cresce de forma exponencial.
Relator do inquérito das “fake news” no Supremo, o ministro Alexandre de Moraes, que integra a Corte Eleitoral, ainda precisa analisar o pedido de compartilhamento de provas feito pelo relator dos processos no TSE, ministro Og Fernandes. Além de Moraes, outros dois ministros do STF fazem parte da atual composição do TSE: Luís Roberto Barroso e Luiz Edson Fachin. Em recente entrevista, Barroso disse que no TSE o presidente Bolsonaro não será perseguido, mas também não será protegido.
Como as provas carreadas ao inquérito das “fake news” são sólidas e comprometedoras, a ponto de o STF ter validado as investigações, não será surpresa se a chapa de Bolsonaro seja cassada por financiamento ilegal de campanha, uma vez que os disparos em massa de mensagens pelo WhatsApp foram custeados por apoiadores do presidente da República. Como tais despesas não foram mencionadas na prestação de contas da campanha, isso configura crime eleitoral.
Por decisão do ministro Alexandre de Moraes, no âmbito do inquérito do STF, empresários bolsonaristas tiveram o sigilo bancário e fiscal quebrados no período de julho de 2018 e abril de 2020. Ou seja, o período de quebra de sigilos compreende a última eleição presidencial e os recentes atos antidemocráticos. Moraes já sinalizou que esses empresários têm atuado nos bastidores para suportar financeiramente o discurso de ódio contra a Corte e outras instituições.
Entre os empresários suspeitos de financiar o criminoso grupo de apoiadores de Bolsonaro estão Luciano Hang, dono da rede de lojas de departamento Havan; Edgard Gomes Corona, dono da Smart Fit; Otavio Fakhoury, investidor imobiliário e financiador do site Crítica Nacional; Reynaldo Bianchi Júnior; humorista e coordenador do Bloco Movimento Brasil; e o militar aposentado Winston Rodrigues Lima.
Ao votar no julgamento sobre a validade do inquérito das “fake news”, o ministro Celso de Mello, decano do Supremo, disse que as provas obtidas ao longo das investigações revelaram a existência de “aparato criminoso, uma máquina de fake news que continua a fazer com apoio de diversos núcleos, um deles financeiro”.
“Há um núcleo decisório, político, financeiro e técnico-operacional, à semelhança das organizações criminosa, ofendendo com proposito vil, criminoso. Torna-se necessário deter esses agentes anônimos, independentemente de suas posições na República. Regimes sensíveis a tentações autoritárias convivem bem, muito bem, com práticas de intolerância e de desrespeito aos que a ele se opõem, revelando com tal comportamento perfil incompatível com o Estado democrático de direito, muitas vezes chegando até mesmo a estimular manifestações populares e mensagens que absurdamente qualificam como inimigos aqueles que legitimamente exercem o direito constitucional de oposição”, afirmou Celso de Mello.
“Fake news, muitas emanadas de um suposto ‘gabinete do ódio’, com ofensas às instituições democráticas, não merecem a dignidade da proteção constitucional que assegura a liberdade do pensamento”, acrescentou o decano, responsável pelo nono voto favorável ao prosseguimento do inquérito.
Presidente do STF e responsável pela abertura do inquérito, por ofício, o ministro Dias Toffoli disse que a propagação do discurso de ódio a partir da disseminação de notícias falsas “é um fungo, que cresce e se espalha a partir de si mesmo”, que tem como meta “multiplicar o caos”.
“Não por acaso, temos presenciado: táticas de enfrentamento, ameaças e ataques às instituições; flertes com ruptura da ordem democrática; discursos de incitação ao ódio e à violência; antagonismo exasperado; pedidos de fechamento de instituições democráticas, como o STF e o Congresso Nacional; chamamentos à retomada de atos autoritários fracassados de nossa história. Ou seja, trata-se de lenta e gradual desestabilização das instituições promovida por métodos corrosivos da democracia”, disse Toffoli.
“A instauração deste inquérito se impôs e se impõe não porque o queremos, mas porque não podemos banalizar ataques e ameaças a este Supremo Tribunal Federal, Guardião da Constituição da República”, emendou o presidente da Corte.
O único voto contrário à continuidade do inquérito foi do ministro Marco Aurélio Mello, por considerá-lo “natimorto’ em razão de ter sido aberto por ofício, não a pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR). “No direito, o meio justifica o fim, jamais o fim justifica o meio utilizado. O Judiciário é um órgão inerte, há de ser provocado para poder atuar. Toda concentração de poder é perniciosa”, destacou Marco Aurélio.
Caso a chapa Bolsonaro-Mourão seja cassada ainda neste ano, novas eleições deverão ser convocadas para definir o novo chefe do Executivo federal. Contudo, se a cassação ocorrer depois de 31 de dezembro próximo, ou seja, na segunda metade do atual mandato presidencial, caberá ao Congresso Nacional escolher o substituto do presidente da República.