Caso realmente seja um poço de inocência e retidão, como alega, e tenha doses rasas de responsabilidade e bom-senso, o presidente Jair Bolsonaro deve distanciar-se imediatamente do advogado Frederick Wassef, do filho Flávio Bolsonaro, senador pelo Rio de Janeiro, e do escândalo que tem na proa o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz, preso na manhã desta quinta-feira (18) em Atibaia, cidade do interior paulista.
Ao tomar conhecimento da prisão de Queiroz, o presidente da República reagiu de forma inadequada, convocando para reunião de emergência ministros da cúpula do governo, principalmente os militares palacianos, e o titular da Justiça, André Mendonça. O objetivo do encontro era discutir uma resposta à altura da decisão da Justiça, que a pedido do Ministério Público fluminense expediu mandado de prisão.
Em entrevista à jornalista Andreia Sadi, da GloboNews e do G1, Wassef disse desconhecer o paradeiro de Queiroz porque não era advogado do ex-assessor parlamentar de Flávio Bolsonaro. Apesar dessa declaração, Fabrício foi preso em um imóvel de propriedade de Frederick Wassef, o que deixa o advogado em situação desconfortável. Queiroz não era considerado foragido em razão de inexistir mandado de prisão contra ele, mas o fato de estar há aproximadamente um ano na casa do advogado da família Bolsonaro no mínimo soa estranho.
O novo advogado de Queiroz, o criminalista Paulo Emílio Catta Preta, disse aos jornalistas que após o também advogado Paulo Klein ter deixado o caso, em dezembro de 2019, por razões de “foro íntimo”, seu cliente ficou sem defensor. Ora, se o operador das “rachadinhas” estava na casa de Wassef há um ano, Klein sabia do paradeiro do seu então cliente. E deveria ter estranhado o fato de Queiroz estar escondido na casa do advogado de Flávio Bolsonaro, que também á alvo de inquérito do MP fluminense. Mesmo assim, é possível que Paulo Klein desconhecesse esse detalhe.
Se desde dezembro de 2019 o ex-assessor parlamentar estava acéfalo em termos de defesa, não havia razão para Frederick Wassef mantê-lo em sua casa no município de Atibaia, em situação questionável. Segundo os policiais que participaram da operação que cumpriu o mandado de prisão, a primeira impressão é que Fabrício Queiroz estava sendo mantido contra sua vontade no local, comparado pelos agentes como um quase cativeiro.
É importante ressaltar que a prisão de Queiroz, pedida pelo MP-RJ e autorizada pelo juiz Flávio Itabaiana Nicolau, da 27ª Vara Criminal do Tribunal de Justiça fluminense, baseou-se também em mensagens da mulher do ex-assessor parlamentar, Márcia Oliveira de Aguiar, obtidas em ação anterior de busca e apreensão.
E uma das mensagens, Márcia afirma que o marido [Fabrício Queiroz], mesmo escondido, continuava dando ordens para constranger testemunhas. Também alvo de mandado de prisão e considerada foragida da Justiça, afirmou na referida mensagem que Queiroz era um bandido “que tá preso dando ordens aqui fora, resolvendo tudo”.
Considerando a possibilidade de a comparação acima significar que Márcia de Aguiar tinha conhecimento do paradeiro do marido e das condições em que ele se encontrava, não é errado pensar que algo estranho aconteceu nos bastidores dessa epopeia criminosa para que ele permanecesse em silêncio. Não se deve descartar a hipótese de a família Queiroz ter sofrido ameaças diante da iminência de a verdade dos fatos vir à tona.
Outro ponto causa estranheza é a situação de saúde de Fabrício Queiroz, que em janeiro de 2019 passou por cirurgia no caríssimo Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo, para a retirada de um tumor no intestino. Em maio do mesmo ano, Queiroz pagou as despesas cirúrgicas e de internação hospitalar (R$ 133 mil) em dinheiro vivo, o que foge da prática habitual do hospital. Na sequência, o ex-assessor parlamentar passou a fazer tratamento quimioterápico com a mesma equipe médica que o acompanhou no procedimento cirúrgico.
Logo em seguida surgiu a informação de que Queiroz havia se mudado do Rio de Janeiro para a capital paulista com toda a família, mais precisamente para um apartamento no bairro do Morumbi, próximo ao hospital. Quem mora na maior cidade brasileira sabe que para manter uma família com cinco pessoas, vivendo em bairro de classe média-alta, é preciso desembolsar mensalmente perto de R$ 8 mil ou mais. Para quem está sem trabalhar desde que foi demitido do gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj e conta apenas com os recursos da aposentadoria que recebe da PM fluminense, essa informação é de certa forma duvidosa.
Segundo relato dos caseiros do imóvel em que se deu a prisão, Queiroz estava no local há pelo menos um ano, ou seja, desde maio ou junho de 2019. Tomando por base que o pagamento da conta hospitalar aconteceu dentro do primeiro trimestre do ano passado, Queiroz não teve muito tempo para cuidar da saúde e ficar com a família. Isso significa que o anunciado tratamento quimioterápico pode não ter ocorrido ou o ex-assessor era levado às sessões de quimioterapia e imediatamente retornava ao imóvel de Wassef.
Usando como referência a informação de que Queiroz estava na casa de Wassef há pelo menos um ano, alguém nesse enredo agiu com irresponsabilidade, pois, de acordo com a revista Veja, com base em exames laboratoriais, a doença do ex-assessor parlamentar voltou a se manifestar no final de 2019. Situação que demanda acompanhamento médico, já que em casos de recidiva tumoral as consequências nem sempre são favoráveis ao paciente.
Ávidos por dinheiro vivo
Os escândalos e seus respectivos detalhes que emolduram a epopeia da família Bolsonaro é repleta de questionamentos, a começar pelo quesito financeiro. Flávio Bolsonaro e Fabrício Queiroz são investigados no âmbito do caso das “rachadinhas”, que consiste na retenção de parte dos salários de servidores de gabinete. Queiroz contraiu empréstimo de R$ 40 mil junto ao presidente Jair Bolsonaro, quitando parte da dívida com depósito de R$ 24 mil na conta bancária da primeira-dama Michelle Bolsonaro.
Como já citado nesta matéria, Fabrício Queiroz pagou as despesas médico-hospitalares em dinheiro vivo, prática pouco usual nos dias atuais. Além disso, uma pessoa minimamente responsável não costuma carregar elevadas somas em dinheiro. É preciso saber a origem desses recursos.
Ao tentar justificar o depósito feito por Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro, o presidente da República limitou-se a dizer que se tratava de pagamento parcial da dívida, mas não esclareceu a origem do dinheiro nem se a operação foi declarada à Receita Federal.
Citado em relatório do Ministério Público do Rio de Janeiro, o policial militar Diego Sodré de Castro Ambrósio pagou, em outubro de 2016, parcela no valor de R$ 16,5 mil do financiamento de apartamento pertencente a Flávio Bolsonaro. O documento de cobrança (boleto) estava no nome da esposa de Flávio, Fernanda Bolsonaro.
O Ministério Público encontrou nas contas bancárias de Diego Ambrósio movimentações “de quantias em espécie incompatíveis com o cargo que ocupa”. Para piorar a situação da família presidencial, Ambrósio afirmou que o senador devolveu o valor em espécie.
Certa feita, Flávio Bolsonaro usou um caixa eletrônico bancário existente na Alerj para depositar R$ 96 mil em dinheiro vivo. Na condição de parlamentar – à época era deputado estadual -, Flávio poderia usar a agência que existe no Legislativo fluminense, onde tem atendimento diferenciado, sem ter de enfrentar fila no caixa eletrônico. Contudo, o depósito foi feito em 48 envelopes distintos. O agora senador alegou que o dinheiro era proveniente da venda de um apartamento.
Flávio Bolsonaro e o irmão Carlos, vereador no Rio de Janeiro, movimentaram juntos R$ 31 mil em dinheiro vivo para quitar dívidas com duas corretoras de valores. A informação consta em dois processos movidos por Flávio e Carlos contra duas corretoras de valores. Ambos alegaram que foram vítimas de agentes de investimentos que teriam praticado operações ilegais no mercado acionário, o que teria gerado prejuízo e o referido débito.
As movimentações em espécie ocorreram entre 2007 e 2009, período investigado pelo Ministério Público do Rio de Janeiro pela prática de “rachadinha” no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj.
Na ação judicial movida contra a Citigroup Global Markets Brasil, Flávio Bolsonaro alegou ter transferido R$ 90 mil entre os anos 2007 e 2008 para a corretora de valores. No processo, o senador alegou que o débito (R$ 15,5 mil) foi decorrente de operações ilegais feitas e sem o seu conhecimento por um representante da empresa.
O processo judicial mostra que Flávio Bolsonaro alegou que à época não tinha o valor em sua conta corrente, por isso quitou o débito em dinheiro vivo. Nenhuma empresa do mercado financeiro aceita pagamento em espécie, exceto se há consenso entre os envolvidos para participar de ilícito.
A Justiça paulista julgou improcedente, em novembro de 2019, o pedido de Flávio Bolsonaro. De acordo com a decisão, Flávio acessou 66 vezes o sistema de movimentação de investimentos e recebeu extratos mensais de forma regular, no período em que disse que as operações ilegais foram realizadas sem sua autorização. Resumindo, a família de Jair Bolsonaro incondicional e dinheiro vivo.