Ciente de que a situação piora com o passar dos dias, em especial a dos filhos, Bolsonaro “adoça” o discurso

 
Com o cerco se fechando cada vez mais em torno dos filhos e dos radicais apoiadores, o presidente Jair Bolsonaro começa a amainar o discurso beligerante, como forma de eventualmente evitar o pior. No domingo (21), durante velório de um militar paraquedista, no Rio de Janeiro, Bolsonaro disse que a missão das Forças Armadas é defender a democracia.

“A nossa missão, a missão das Forças Armadas, é defender a pátria, é defender a democracia. E como dizia (aquele) que se tornou um grande amigo, o ex-ministro Leônidas Pires Gonçalves (ministro do Exército no governo Sarney e morto em 2015), nós estamos a serviço da vontade da população brasileira”, disse o presidente durante a cerimônia fúnebre.

Contundo, não recomendável confiar nesse recuo do chefe do Executivo, pois tal manobra não passa de uma artimanha para eventualmente anestesiar a consciência da opinião pública em relação às suas constantes investidas contra os Poderes constituídos, a democracia e o Estado de Direito.

Nesta segunda-feira (22), em entrevista ao canal Agro+, do grupo Bandeirantes, Bolsonaro falou em “paz e harmonia” entre os Poderes e foco no “bem-estar” da população. “E nós, em paz e harmonia, com bom entendimento entre os Poderes, todos focados realmente no bem-estar da nossa população e nos anseios da mesma temos certeza que colocaremos o Brasil no local de destaque que ele bem merece”, declarou o presidente.

Trata-se de mais um discurso embusteiro e vociferado por conta de interesses familiares, já que a situação dos filhos de Bolsonaro no âmbito do Judiciário começa a piorar sobremaneira. Além disso, o cenário político que se coloca diante do Palácio do Planalto não é dos melhores.

A prisão de Fabrício Queiroz em imóvel de propriedade do advogado Frederick Wassef, em Atibaia, impôs ao presidente da República seríssimas dificuldades, pois ele próprio disse que o operador das “rachadinhas” e ex-assessor do primogênito estava na cidade do interior paulista pela proximidade com o local do tratamento médico.

É preciso considerar alguns pontos nesse intricado quebra-cabeças envolvendo o escândalo das “rachadinhas”. Se Wassef afirmou, no final de semana, que o presidente e o filho desconheciam o fato de que Queiroz estava hospedado no imóvel de Atibaia, Jair Bolsonaro não poderia dizer em sua transmissão semanal pela internet que o ex-assessor de Flávio estava na cidade por causa de tratamento médico. Essa é uma das muitas contradições que emolduram o caso.

 
Outro detalhe importante é a relação da empresa Globalweb Outsourcing com o governo de Jair Bolsonaro, que venceu a corrida presidencial de 2018 à sombra do discurso da ética e da moralidade. Fundada por Cristina Boner Leo, ex-mulher de Wassef, a Globalweb presta serviços ao governo federal, mais precisamente ao Ministério da Educação e ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), desde os tempos da então presidente Dilma Rousseff.

Durante as gestões de Dilma e de Michel Temer, a Globalweb Outsourcing recebeu, ao longo de quatro anos, R$ 42 milhões pelos serviços prestados. Com a chegada de Bolsonaro ao Palácio do Planalto, os contratos do governo com a Globalweb foram renovados, sendo que a empresa recebeu R$ 41 milhões nos 18 primeiros meses da gestão Bolsonaro.

Como mencionado, os contratos firmados pela Globalweb com governos anteriores foram prorrogados, mas sob a batuta de Jair Bolsonaro receberam aditivos no valor de R$ 165 milhões. Além disso, o governo atual firmou novos contratos com a empresa de Cristina Boner Leo no valor de R$ 53 milhões. Ou seja, o governo desembolsará R$ 218 milhões para pagar, nos próximos dois anos, pelos serviços da empresa pertencente à ex-mulher de Frederick Wassef.

Em junho de 2019, a empresária foi condenada por improbidade administrativa no âmbito do escândalo que ficou conhecido como “Mensalão do DEM”, sendo que sentença condenatória, proferida pelo juiz Mário Henrique Silveira, da 2ª Vara de Fazenda Pública do Distrito Federal, proibiu-a de fechar contratos com a administração pública até 2022.

Bolsonaro, durante a campanha presidencial, afirmou que, se eleito, acabaria com as mamatas e os favorecimentos, mas, como sempre afirmamos, o atual chefe do Executivo não deixa de ser digno (sic) representante do que se conhece na polítia como “mais do mesmo”.

Esse episódio envolvendo a empresa da ex-mulher de Wassef caiu como verdadeira bomba nos meios políticos e judiciais, passando a ser considerado como possível ponto de partida para um rumoroso e difícil processo de impeachment.

Depois de desfiar constantemente os Poderes constituídos, com direito a ameaças das mais variadas, Bolsonaro agora ressurge em cena a bordo de um falso bom-mocismo que não convence. É difícil e temeroso afirmar que a estratégia do presidente produzirá resultados positivos, até porque a crise institucional é grave e sem previsão para acabar, mas não custa ressaltar que os alvos dos ataques sabem quem de fato está no outro lado do “tiroteio”.