Enredo que antecedeu a prisão de Fabrício Queiroz não deixa dúvidas de que Bolsonaro é “mais do mesmo”

 
São imprevisíveis os efeitos colaterais da prisão do ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz em imóvel de propriedade do advogado Frederick Wassef, que até recentemente respondia pela defesa do senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ) no escândalo das “rachadinhas”.

No Palácio do Planalto, onde Wassef circulava com desenvoltura, a ordem é manter cautela em relação ao advogado e evitar um rompimento radical. Esse cuidado decorre da possibilidade de o advogado ser alvo de mandado de prisão por causa de eventuais crimes no âmbito da relação com Queiroz, que por enquanto continua sem explicação.

Até deixar a defesa do senador fluminense, Frederick Wasseff se apresentava como advogado da família do presidente da República, o que foi confirmado pelo próprio Jair Bolsonaro e pelo porta-voz da Presidência. Como os desdobramentos do caso surgiram de forma repentina e envolvem situações pouco republicanas, o medo de uma retaliação por parte de Wassef é real.

Horas após a prisão de Fabrício Queiroz em Atibaia, cidade do interior paulista, o presidente Bolsonaro tentou se distanciar do advogado e do novo escândalo. Para tal, escalou a advogada Karina Kufa para, em nota à imprensa, informar que Wassef jamais defendeu o presidente da República. A atitude foi considerada antiética pelo outrora advogado de Flávio Bolsonaro, que anunciou que deixava o caso para proteger a imagem do senador e do presidente. Contudo, informações de bastidores dão conta que Wassef deixou o caso por decisão da família Bolsonaro.

Na esteira desse imbróglio que tem ingredientes de sobra para provocar estragos nos domínios de Jair Bolsonaro, o advogado viu os negócios de sua ex-mulher com o governo federal serem expostos da noite para o dia, com direito a suspeitas por parte do Ministério Público federal (MPF). O subprocurador-geral junto ao Tribunal de Contas da União (TCU), Lucas Rocha Furtado, quer saber se Wassef exerceu alguma influência na renovação dos contratos com a empresa de Maria Cristina Boner Leo.

Somente nos 18 primeiros meses do governo Bolsonaro, a Globalweb Outsourcing recebeu quase o mesmo valor pago à empresa durante o segundo governo de Dilma Rousseff e a gestão de Michel Temer. Além disso, os contratos com a Globalweb receberam aditivos, o que fez com que o valor total da contratação saltasse para R$ 250 milhões.

Como se não bastasse, o governo Bolsonaro suspendeu multa no valor de R$ 27 milhões imposta pela Dataprev à empresa fundada por Maria Cristina, que em razão de condenação no escopo do “Mensalão do DEM” foi transferida para a filha, Bruna Boner, que é dona de outra empresa de tecnologia da informação que tem contrato com o Banco Central.

Outro detalhe que ajuda a fermentar o episódio Queiroz-Flávio é dois contratos firmados pelo Ministério da Educação com a Globalweb Outsourcing no total de R$ 12,6 milhões. Autorizados pelo então ministro Abraham Weintraub, o primeiro contrato (R$ 8,7 milhões) prevê a prestação de serviços especializados de “gerenciamento técnico, operação e sustentação de infraestrutura de Tecnologia da Informação e Comunicação”, enquanto o segundo (R$ 3,9 milhões) é destinado à Fundação Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE).

 
Por decisão da Justiça, Maria Cristina Boner Leo está proibida de realizar negócios com o governo até 2022, em virtude de crimes como pagamento de propina, evasão de divisas, corrupção ativa e passiva e associação criminosa no “Mensalão do DEM”, escândalo que veio a pública no vácuo da Operação Caixa de Pandora, da Polícia Federal.

Não obstante, a relação de Jair Bolsonaro com a fundadora da Globalweb vem desde 2015, quando o presidente, à época deputado federal, comprou um carro da ex-mulher de Wassef. A transação envolveu um veículo da marca Land Rover, modelo 2009/2010, de propriedade da empresa Compusoftware, com sede em São Paulo e na ocasião comandada por Cristina Boner. O veículo estava avaliado em R$ 77 mil, mas Bolsonaro comprou-o por R$ 50 mil, sendo que o pagamento se deu por meio de transferência eletrônica de fundos.

Mas a epopeia bolsonarista é receada de capítulo intrigantes. Novo responsável pela defesa de Fabrício Queiroz e da mulher do operador das “rachadinhas”, Márcia Aguiar, o criminalista Paulo Emílio Catta Preta aprece como representante de Cristina Boner em uma ação judicial, além de ter defendido a empresária no caso do “Mensalão do DEM”.

Apesar de estarem separados, como alega o outrora advogado do senador fluminense mantém relação de amizade com a ex-mulher. Wassef estava na casa de Cristina Boner, em Brasília, no momento da prisão de Queiroz em Atibaia. O imóvel de Boner na capital dos brasileiros é uma mansão no Lago Sul, área nobre de Brasília, e até março passado estava penhorada para pagamento de dívida no valor de R$ 35 milhões. A penhora foi suspensa em maio.

Além de defender Fabrício Queiroz e representar Cristina Boner perante a Justiça, o criminalista Catta Preta advogou até fevereiro passado para Adriano da Nóbrega, o miliciano que abasteceu as contas bancárias do operador das “rachadinhas” com R$ 400 mil e emplacou a mãe e a ex-mulher como funcionárias-fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj). Adriano foi assassinado em fevereiro no interior da Bahia, após meses de fuga.

Operação Caixa de Pandora

Maria Cristina Boner Leo e outras sete pessoas constam como réus em ação penal que tramita na Justiça do Distrito Federal que trata do caso em que o ex-governador do DF, Joé Roberto Arruda, aparece em vídeo embolsando R$ 50 mil em propina. O dinheiro entregue a Arruda saiu da empresa B2BR, de Cristina Boner, e era parte da compensação por contratos com o governo local, de acordo com relato do delator Durval Barbosa, então secretário de Assuntos Institucionais do DF.

De acordo com a denúncia do Ministério Público do DF, com base nos vídeos e na delação de Durval Barbosa, a propina entregue a José Roberto Arruda era parte de um acordo para direcionamento à B2BR de contrato emergencial de R$ 9,8 milhões, que tinha contra partida pedágio de 10%. O contrato acabou anulado pelo Tribunal de Contas do DF e Cristina Boner foi condenada por improbidade administrativa, ficando impedida de firmar contratos com entes públicos até 2022.

Na fatídica reunião ministerial de 22 de abril, quando externou seu desejo de interferir politicamente na Polícia Federal, Jair Bolsonaro, em tom exaltado, disse que os serviços de inteligência oficiais não funcionavam, ao contrário do sistema particular de informações que diz ter. Ao que parece, até mesmo o serviço particular de informações sigilosas mantido por Bolsonaro deixa a desejar. Afinal, se funcionasse como anunciado, nem Wassef teria se aproximado da família presidencial nem a empresa de Cristina Boner teria conseguido renovar seus milionários contratos com o governo. Resumindo, Jair Bolsonaro é o que se conhece na política como “mais do mesmo”.