(*) Carlos Brickmann
É preciso entender o presidente Bolsonaro. Na ONU, ele não mentiu, só disse a verdade como ele a vê. Por exemplo, floresta úmida não pega fogo. Os índios e os caboclos, explorados por comunistas maconheiros do Exterior e ONGs de maconheiros (como cantou seu filho Flávio, “todo maconheiro dá o toba”), forçados a trocar o precioso nióbio amazonense pela maconha à qual se afeiçoaram, jogam guimbas acesas de maconha no mato e pimba! – começa a fogueira. Não é só isso: o índio não entende direito o sotaque de um norueguês comunista. Quando o norueguês pergunta “onde terr a fumo da bom?”, o índio taca fogo no mato e mostra uma enorme fumaceira da boa.
Os mil dólares de auxílio a 65 milhões de carentes? Tá bom, só alguns vão pegar mil dólares, isso até dezembro. Para a maior parte dos ajudados, a quantia não chegou a mil dólares. Mas, convenhamos, também os carentes não eram 65 milhões – ou eram, um dia talvez saibamos o número certo. Mas só um dos agentes da distribuição de renda, um certo Queiroz, ajudou dona Michele com uns 20 mil dólares à cotação da época, ou 89 mil reais, talkey?
Propôs na ONU o combate à cristofobia. Cristãos não sofrem de cristofobia. Os islâmicos têm Cristo entre os profetas. Jesus era judeu, Israel cuida dos santuários cristãos. Mas Bolsonaro deve ter pensado no Brasil, onde Jesus é unanimidade. Mas colocar Seus símbolos nos palácios do Governo e Sua estátua sobre as milícias do Rio – isto é ou não é perseguição?
É dando que se recebe
Outros pontos criticados do discurso de Bolsonaro também devem ser entendidos a partir de seu ponto de vista. Elogiar publicamente um chefe de outro Estado a poucas semanas da eleição, como fez com Trump, não tem nada a ver com aquele cordão que cada vez aumenta mais. Trump retribui um a um os elogios de Bolsonaro. Lembre-se do I love you. Em troca, Trump reduziu a quantidade de aço brasileiro que pode entrar nos EUA sem tarifas. Bolsonaro escancarou boa parte do mercado nacional para o álcool de milho dos Estados Unidos. Em troca, Trump elogiou Eduardo “Bananinha”, que queria virar embaixador em Washington. A Sig-Sauer americana foi trazida ao Brasil por Eduardo, o filho 03. Em troca, o embaixador americano disse que se o Brasil negociar a 5G com os chineses terá problemas com os EUA.
Não é puxa-saquismo: é, como acredita Bolsonaro, um toma-lá-dá-cá.
A grande dúvida
E não é só Bolsonaro que pensa assim: há uma boa parcela do eleitorado que o chama de Mito e está disposta a trabalhar por sua reeleição. Acreditam nele. A dúvida é outra: para raciocinar assim, qual será a cloroquina que Bolsonaro e seus assessores andam tomando?
Chove, chuva
Um bom exemplo de como estão as coisas foi a visita de Bolsonaro ao Pantanal. O ministro-chefe da Secretaria de Governo, general Luiz Ramos, que deixou o comando militar do Sudeste ao ser chamado para o Governo, foi iluminado pela Verdade: Bolsonaro visitou a região no dia 18, no dia 19 choveu. “Deus está com nosso Pres”, disse no Twitter, “e continuará a abençoar o Brasil, em que pese todas as campanhas contra esse governo!”
Sou caipira. Sei que nos meses com “r” é mais provável que chova, nos meses sem “r” é mais provável que não chova. Estamos em setembro, que tem “r”. O general não tem nada de caipira: é carioca. Mas bem que podia saber, como general, que chover em setembro não é milagre, já que é época de chuva. Milagre seria se do céu viesse o maná, alimentando os mais pobres.
O tempo voa
Luciano Huck finalmente assumiu (mais ou menos). Embora não o tenha dito diretamente, quando lhe perguntaram se participaria da eleição de 2022, respondeu: “Estou aqui”. Huck participava da reunião do Cops, Conselho Político e Social da Associação Comercial de São Paulo. Mas sua ambição no momento, disse, é “mobilizar, liderar e fomentar uma geração”, de tal maneira que pessoas mais qualificadas e interessadas entrem na política. Seu país dos sonhos é o que consiga o desenvolvimento sustentável, uma nação agroindustrial verde. A seu ver, esse objetivo já atrai investimentos.
Guerra à cultura
O cineasta sudanês Hajooj Kuka e quatro outros artistas foram presos no Sudão, por “causar incômodo público”. Kuka é membro da Academia de Artes e Ciências Cinematográficas e seu trabalho é internacionalmente elogiado. O Festival de Berlim (Berlinale) pediu ao Sudão que liberte os artistas. Kuka nasceu no Sudão, estudou no Líbano e nos EUA; mora no Sudão. Seu filme “Beats of the Antonov” sobre guerra, música e a resiliência do povo do Nilo Azul e das Montanhas Nuba ganhou o People’s Choice Award no Festival de Toronto em 2014, mais seis outros prêmios em festivais. Seu primeiro filme narrativo de longa metragem, AKasha, foi financiado pelo Fundo de Cinema da Berlinale e participou do Festival de Veneza de 2018. Em 20 anos, foi o primeiro filme a ser feito no Sudão.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.
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