A arte de exibir o inútil

(*) Carlos Brickmann

Sempre é hora de admitir o erro: passei a vida acreditando que, de eleição em eleição, os eleitores aprenderiam a separar os enganadores e, aos poucos, iriam reduzir seu número. Não seria questão ideológica: ficaria óbvio que, não importa o que o candidato prometesse, isso teria de estar a seu alcance.

Bobagem: nesta eleição, temos candidatos a prefeito propondo medidas que não estão ao alcance das prefeituras, e só poderiam ser realizadas pelo Governo Federal, ouvido o Banco Central. Em compensação, aquilo que é da competência das prefeituras, como cuidar dos problemas da cidade, está sendo solenemente esquecido. Coisas básicas, como garantir as verbas de manutenção para as obras municipais – quem, em que cidade, ousou propor?

Mas, com dezenas de partidos e bilhões de reais em dinheiro público para financiar as campanhas, os candidatos a vereador transformam os colegas prefeituráveis em estadistas. Há candidatos que se orgulham de ser donos de prostíbulos, ou de ter sobrenomes, reais ou não, que evocam aquilo que têm dentro da cabeça, ou que, lembrando atividades que desempenharam ou desempenham, ameaçam o eleitor com um “vote em mim senão eu conto”.

Uma pena: aquela que deveria ser uma festa democrática virou proibidão e, se há algo que ensina, é a tratar como piada a escolha dos dirigentes das cidades. Claro que em seguida todos vão criticar as atitudes e as despesas dos vereadores e a incompetência do prefeito que elegeram. Como sair disso?

Os maus e os bons

Claro que, nessa mixórdia de dezenas de partidos, centenas de candidatos, verba pública à vontade nas mãos dos donos das legendas, há gente boa. Só que a gente boa, com competência, capaz de viver com o salário público sem buscar fontes ilegais de renda, é ocultada pela massa de pessoas que não têm a menor ideia do que faz um vereador, ou de quais prioridades urbanas que um prefeito tem de tratar.

Essa massa de candidatos aumenta muito se fizermos a conta dos que sabem o que querem fazer – enfiar a mão no pudim. Eleger alguém exige de cada eleitor muita dedicação: ouvir amigos confiáveis, nem pensar em eleger alguém só porque “é celebridade”, dar uma pequena vista de olhos nas atividades de quem já exerce algum cargo e pretende voltar a ele. Dá trabalho, mas pode resultar numa cidade melhor.

Acredite se quiser

Houve casos em que fui pesquisar, saber se o que estava vendo como propaganda eleitoral não era apenas piada. Não, não era: vi gravações reais de candidatos que não sabiam o nome da cidade em que queriam eleger-se, e encontravam enormes dificuldades para dizer que, uma vez eleitos, iriam dar força à saúde, educação e segurança. O eleitor jamais o escolheria para qualquer emprego; mas alguns serão escolhidos para governar sua cidade.

Tudo tem saída

De qualquer forma, não perca a esperança: hoje é Dia de Todos os Santos, dia propício a milagres. O Dia das Bruxas foi ontem. É festa americana, mas como Trump comemora Bolsonaro também deve tê-lo comemorado. E soube escapar das travessuras, oferecendo gostosuras ao Centrão.

Atenção: é agora

Depois de amanhã, os Estados Unidos elegem seu presidente. A eleição americana pode ter mais repercussão no Brasil que a brasileira. Se Trump for derrotado por Joe Biden, a diplomacia brasileira vai ter de trabalhar, já que o presidente e seus filhos deram apoio total a Trump. Depois de brigar com a União Europeia e a China, perder o apoio americano deixa o país isolado.

Inacreditável 1

Celso Russomano, candidato bolsonarista à Prefeitura de São Paulo, hoje em segundo lugar nas pesquisas (embora em queda), disse com todas as letras que o candidato favorito, Bruno Covas, pode morrer – é fato que vem há tempos se tratando de câncer. E, morrendo Covas, seu eleitor teria dado o voto não a ele, mas ao vice. Russomano tem razão: todos – todos- podem morrer de uma hora para outra. A doença de Tancredo, bem na véspera de tomar posse, foi inesperada, como inesperada foi a morte de Faria Lima, ex-prefeito de São Paulo, no momento em que os militares se uniam a seu redor para levá-lo à Presidência, no lugar do marechal Costa e Silva.

Inacreditável 2

Piadinha do presidente Bolsonaro, ao provar o Guaraná Jesus, um popular refrigerante maranhense: como o Guaraná Jesus (pronuncia-se Jésus) é cor de rosa, disse que ia ficar boiola como os maranhenses. Os bolsonaristas já lembraram que Lula fez algo semelhante numa conversa com o prefeito de Pelotas, ao dizer que a cidade era um polo exportador de veados. Isso quer dizer que, para Bolsonaro, Lula é um exemplo?

Bem, a neta do criador do Guaraná Jesus ficou furiosa. Contou que seu avô, lá pelos idos de 1920, era simpático ao comunismo. Errou o alvo: em 1920, o comunismo era coisa da União Soviética. Bolsonaro só ficaria com enjoo se fosse comunismo chinês.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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