A total desnecessidade de uma nova constituição brasileira

(*) Gisele Leite

Inspirada no artigo magnífico de Clèmerson Merlin Clève, professor e doutor das faculdades de Direito da UFPR e do UniBrasil Centro Universitário, reforço o óbvio que corresponde à total desnecessidade de nova Constituição Federal brasileira.

Vozes dissonantes foram ouvidas na Câmara dos Deputados que se esforçam em forjar mais uma pérola. A intenção malévola é produzir uma reforma constitucional severa que promova uma lipoaspiração das garantias constitucionais. Aproveitando, recentemente, o sucesso chileno no plebiscito que tinha uma constituição herdada dos tempos ditatoriais, um oportunista do Congresso pátrio veio a defender essa nova histrionice.

Reclamou-se que há “excesso de direitos e escassez de deveres”, o que serve para justificar, o ingovernável país, além de pretender de corrigir o exacerbado ativismo judicial. Mais, uma vez rogo, para os leitores e leitoras, que o Judiciário é instado a manifestar-se, não se imiscuindo, nem sendo “bedelhudo” em questões alheias ao controle constitucional e a sua prévia competência estatuída legalmente.

Tal ideia tem amparo nos anseios dementes do atual Chefe da Nação, que recentemente cometeu mais uma horrorosa gafe, ao comentar sobre o guaraná rosa do Maranhão. Além de grosseiro e infeliz, não obedece a liturgia do cargo que ocupa. É mais autêntica vergonha nacional.

Atentemos que o Chile chegou somente agora ao momento pelo qual o Brasil já passou em 1987 e 1988. E, a Constituição Cidadã como qualquer outra obra humana é resultante de seu tempo histórico e, tem, obviamente, muitas características desse período.

Consagrou-se um texto constitucional onde se proclamou o Estado Democrático de Direito e que aderiu a todas as conquistas civilizatórias da época e, tem vigorado conforme mencionou Clève por mais tempo que as demais Constituições republicanas, particularmente depois da Revolução de 1930.

A Constituição brasileira de 1988 trouxe fartos instrumentos estimulantes ao diálogo e, também, a superação de tensões políticas que aparecem periodicamente. Com razão, Clève salientou que sua maior vantagem é seu desenho institucional, mantendo uma ordem normativa aberta e apta ao diálogo com a realidade social.

Em seu núcleo essencial, tal como escudo, é composto por cláusulas pétreas que são imodificáveis mesmo por meio de maioria qualificada, que são os três quintos dos membros das duas casas do Congresso Nacional.

Ademais, rendemos homenagens honrosas à nossa Suprema Corte que exerce papel crucial para garantir e fazer respeitar o texto constitucional, mesmo assim, já fora modificada cento e sete vezes, a última Emenda Constitucional é datada de 02 de julho de 2020.

Cumpre destacar que igualmente os deveres estão constitucionalmente presentes, mas o desconsolo surge exatamente diante da inaptidão para gestão do atual governo. Não são os direitos sociais (nem os direitos fundamentais) que tornam o país ingovernável, nem a limitação dos Poderes instituídos, nem tampouco, os pretensos excessos do Judiciário. E, sim, as pretensões onipotentes do atual Chefe da Nação que não aceita jamais ser contrariado.

O que parece ser óbvio é desqualificação total do atual governo diante de uma sociedade livre, plural e democrática e, ainda, o fato de não conseguir lidar com a crítica honesta da imprensa livre. Não obstante os impropérios públicos ditos aos jornalistas. Diante, por exemplo, do depósito de oitenta e nove mil reais na conta da primeira-dama que até mereceu uma música popular em sua homenagem.

Alerta-se ainda que os meios de consulta direta ao povo, por meio de plebiscito e referendo não servem para autorizar a extinção da ordem constitucional vigente, além da ordem infraconstitucional que não pode pretender impor seus comandos acima da efetividade da Lei Maior.

Enfim, atual tendência ousa seguir o constitucionalismo abusivo conforme experimentou os regimes liberais da Hungria, Polônia, Turquia, Filipinas, ou mesmo, da Venezuela, onde, aliás, o presidente todo-poderoso manda e os demais apenas obedecem, sem atentar para Constituição ou reformas feitas no sistema político.

Novamente, é curial afirmar o clamor contemporâneo do Chile é em prol da democracia e por uma sociedade livre e igualitária, diferentemente do Chile dos tempos de chumbo.

Portanto, impõe-se uma nova pauta: a preservação veemente de nossa atual Constituição Federal, ainda que façamos ajustes pontuais no intuito saudável de promover-lhe sempre a sua efetividade.

Referência:

CLÈVE, Clèmerson Merlin. O Brasil não precisa de uma nova Constituição. Disponível em: https://www.academia.edu/s/fbc55f2906 Acesso em 31.10.2020.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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