Caso Mariana Ferrer: sociedade precisa reagir à criação de tipificação criminal que inocentou estuprador

 
Quando o UCHO.INFO afirma que a sociedade não deveria compactuar com as arbitrariedades cometidas por integrantes do Judiciário, a exemplo do que aconteceu em alguns casos específicos da Operação Lava-Jato, é porque, como prega a sabedoria popular, “o feitiço pode virar contra o feiticeiro”.

Vivendo sob o manto do radicalismo direitista, O Brasil está assistindo a seguidas investidas contra a democracia e o Estado de Direito. Isso ocorre principalmente a reboque do bamboleio interpretativo da legislação vigente ou da criatividade de alguns membros do Judiciário, que conseguem condenar com base em indícios ou criar crimes que sequer constam do Código Penal Brasileiro.

O mais recente exemplo desse absurdo jurídico que domina o País é o caso envolvendo a blogueira Mariana Ferrer, que durante julgamento do homem que ela acusou de estupro em Santa Catarina recebeu tratamento deplorável por parte da defesa do acusado e do próprio juiz Rudson Marcos, de Florianópolis.

A blogueira acusa o empresário André de Camargo Aranha de tê-la estuprado em dezembro de 2018, durante festa em Jurerê Internacional, em Florianópolis. À época, Mariana Ferrer tinha 21 anos e era virgem.

As únicas imagens recuperadas pela polícia mostram Mariana na companhia do empresário. Ela suspeita que tenha sido drogada e que, por isso, não sabe exatamente o que aconteceu. Nas roupas da blogueira, a perícia encontrou sêmen do empresário e sangue dela. O exame toxicológico da blogueira não constatou consumo de álcool ou drogas.

O inquérito policial concluiu que Aranha cometeu estupro de vulnerável, quando a vítima não tem condições de oferecer resistência. O Ministério Público denunciou o empresário à Justiça. Em depoimento, André Aranha disse que fez sexo oral, enquanto seu advogado afirmou que não houve estupro.

Durante o processo, um novo promotor assumiu o caso e, com entendimento diversos, afirmou que o empresário não teria como saber que Mariana estava sem condições de consentir com relação sexual, não existindo dolo, ou seja, a intenção de estuprar. Essa conclusão do promotor está sendo chamada de “estupro culposo”, tipificação criminal inventada de última hora e que sequer consta do Código Penal.

Não obstante, o juiz Rudson Marcos não interveio quando o advogado do empresário disse, durante julgamento, que a blogueira tinha como “ganha pão” a “desgraça dos outros”. O magistrado calou-se quando o advogado exibiu fotos de Mariana em poses sensuais e afirmou que não teria uma filha do seu “nível”. “Não adianta vir com esse teu choro dissimulado, falso e essa lábia de crocodilo”, disse o advogado Cláudio Gastão da Rosa Filho, sem ser admoestado pelo juiz.

As imagens da audiência foram reveladas nesta terça-feira (3) pelo site The Intercept Brasil. Na gravação, Rosa Filho dispara várias acusações contra Mariana, que em lágrimas pede ao juiz: “Excelentíssimo, eu estou implorando por respeito, nem os acusados são tratados do jeito que estou sendo tratada. Pelo amor de Deus, gente. O que é isso?”.

A Corregedoria do Conselho Nacional de Justiça analisará pedido do conselheiro Henrique Ávila para que o juiz do caso seja investigado por ter consentido com os ataques do advogado do empresário. O pedido de investigação será apreciado pelo plenário do CNJ. “As chocantes imagens do vídeo mostram o que equivale a uma sessão de tortura psicológica no curso de uma solenidade processual”, escreveu Ávila no pedido.

 
O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), afirmou que as cenas “são estarrecedoras”. “O sistema de Justiça deve ser instrumento de acolhimento, jamais de tortura e humilhação. Os órgãos de correição devem apurar a responsabilidade dos agentes envolvidos, inclusive daqueles que se omitiram”, destacou o ministro do STF nas redes sociais.

O vídeo da fatídica audiência causou estupefação no Congresso Nacional. Os senadores Fabiano Contarato (Rede-ES) e Alessandro Vieira (Cidadania-SE) entraram com representação no CNJ sobre o caso.

A senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou em rede social que houve “humilhação”. “Advogado e juiz rasgaram lei e desonraram Justiça. MP alegou estupro culposo, tipificação inexistente. Réu absolvido. Cuspida na cara das brasileiras, que exigem respostas”.

O senador Alvaro Dias (Podemos-PR) afirmou que “causou revolta nas redes sociais o julgamento em que o acusado de estupro de uma moça em Santa Catarina foi inocentado sob alegação de que teria cometido um ‘estupro culposo’, uma aberração que sequer existe no ordenamento jurídico. E pior: na audiência, a vítima do estupro foi humilhada, assediada moralmente e tratada pior do que um assassino por um advogado que agiu de forma inescrupulosa, sexista e misógina”.

A deputada federal Mara Gabrilli (PSDB-SP) escreveu em rede social: “Envergonha-me viver em um país onde inventam até crimes para proteger criminosos. Estupro culposo é uma aberração jurídica que só alimenta a impunidade. É a covardia e o machismo prosperando no Brasil dos perversos poderosos”.

A deputada federal Sâmia Bomfim (PSOL-SP) afirmou: “As recentes revelações do caso Mari Ferrer mostram o quanto o machismo e a misoginia estão impregnados nas instituições, sobretudo no Judiciário”.

O deputado Paulo Ganime (Novo-RJ) disse que “o caso da Mari Ferrer é uma soma de absurdos. Desde a conduta dos 4 sujeitos presentes na cena que assistimos no vídeo até a sentença que absolveu o réu ‘criando’ a aberração do ‘estupro culposo’. Estupro é estupro. E não existe argumento que justifique tal crime”.

A Corregedoria Nacional do Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) apura desde o início de outubro, em caráter sigiloso, a conduta do promotor Thiago Carriço de Oliveira, que atuou no caso do estupro da blogueira. O mínimo que se espera do CNMP é que o promotor seja punido não apenas pela criação de tipificação criminal absurda, mas por ter decidido em favor de um estuprador, apesar das incontestáveis provas periciais.

O UCHO.INFO espera que o CNJ, assim como o CNMP, aja com o máximo rigor ao julgar Rudson Marcos, magistrado que, ao ignorar provas incontestáveis, mostra-se desprovido de condições para aplicar a lei e presidir audiências.

A sociedade brasileira precisa reagir com firmeza e veemência a esse absurdo jurídico que contou com a aquiescência torpe de um juiz que, por sua frouxidão na audiência, parece endossar o machismo e a misoginia reinantes no País. É inaceitável o fato de um estuprador ter sido absolvido no vácuo do absurdo que configura a tipificação criminal inédita.

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