“Rachadinhas”: MP denuncia Flávio Bolsonaro, Queiroz e mais 15; ex-assessora confirmou esquema

 
O Ministério Público do Rio de Janeiro (MP-RJ) denunciou à Justiça o senador Flávio Bolsonaro, o ex-assessor parlamentar Fabrício Queiroz e mais 15 pessoas por organização criminosa, peculato, lavagem de dinheiro e apropriação indébita entre os anos de 2007 e 2018, no âmbito do caso conhecido como “esquema das rachadinhas”.

O inquérito corre desde 2018 e investiga uma trama de corrupção que, segundo o MP fluminense, era liderada por Flávio quando o filho do presidente da República exercia mandato de deputado estadual na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro.

A denúncia contra o filho mais velho do presidente Jair Bolsonaro foi ajuizada em 19 de outubro e encaminhada na terça-feira (3) ao Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ).

Os investigadores sustentam que o atual senador recolhia parte do salário de seus então funcionários no gabinete da Assembleia Legislativa. A prática é conhecida como “rachadinha”.

A investigação teve início após um relatório do Controle de Atividades Financeiras (Coaf) ter indicado movimentação atípica numa conta corrente de Queiroz, que assessorava Flávio e seria o responsável por recolher o dinheiro junto aos servidores do gabinete e aos “funcionários-fantasma”. Flávio Bolsonaro e Fabrício (preso em junho passado) ainda não se manifestaram após a denúncia.

Ex-assessora confirma esquema

Considerada peça-chave da investigação contra Flávio Bolsonaro, a ex-assessora Luiza Souza Paes confirmou ao MP fluminense que repassava seus rendimentos para Fabrício Queiroz. Luiz é uma das denunciadas pelo Ministério Público.

No depoimento prestado em setembro deste ano, Luiza confessou aos investigadores que jamais trabalhou de fato para Flávio, apesar de ter passado cerca de seis anos nomeada como servidora do gabinete do então deputado estadual e em outros cargos na Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj).

Segundo relato, Luiza Souza Paes era obrigada a repassar mais de 90% do salário a Queiroz. Para comprovar a denúncia, a ex-assessora apresentou extratos bancários que demonstram transferências de R$ 160 mil a Fabrício Queiroz, entre 2011 e 2017.

O interrogatório de Luiza Paes foi preponderante para o MP decidir denunciar Flávio Bolsonaro e seus ex-assessores. Foi a primeira vez que um ex-funcionário do filho do presidente Jair Bolsonaro assumiu diante da Promotoria que era “fantasma”. Com os repasses, Luiza ficava apenas com cerca de R$ 700 por mês. Ela precisava transferir para Queiroz até valores referentes a 13º salário, férias e vale-alimentação, por exemplo.

No depoimento, a ex-assessora revelou que outros colegas de gabinete também participariam do esquema: as filhas mais velhas de Queiroz (Nathália e Evelyn), além de Sheila Vasconcellos, amiga da família do ex-assessor parlamentar.

No interrogatório, Luiza Paes disse que aos 19 anos, quando cursava a faculdade, passou a se envolver na prática criminosa operada por Queiroz, a quem pediu estágio. Na ocasião, o ex-assessor de Flávio Bolsonaro inseriu a jovem no “esquema das rachadinhas”. Sobre o fato de não ter de dar expediente no gabinete, Luiz disse aos investigadores que somente no dia da nomeação ficou sabendo que não precisaria trabalhar, mas deveria repassar a maior parte do salário.

 
Entenda o caso

De acordo com o relatório do Coaf, Queiroz, que morava em apartamento simples de um bairro de classe média baixa do Rio de Janeiro, movimentou R$ 1,2 milhão ao longo de doze meses – entre 2016 e 2017 –, época em que estava lotado no gabinete de Flávio. O documento apontou que as movimentações eram “incompatíveis com o patrimônio, a atividade econômica ou ocupação profissional” de Queiroz.

O mesmo relatório detalhou as operações bancárias realizadas pelo ex-assessor. Entre elas estava o depósito de um cheque de R$ 24 mil na conta da esposa do então presidente eleito, Michelle Bolsonaro. No total, Queiroz sacou dinheiro em 176 oportunidades, em 14 bairros da capital fluminense. Vários dos saques eram idênticos e fracionados, o que levantou suspeitas de tentativa de ocultação.

O relatório também citou a filha de Queiroz, Nathalia Melo de Queiroz, beneficiada pelos recursos movimentados pelo pai. Nathalia foi funcionária do gabinete do então deputado federal Jair Bolsonaro entre dezembro de 2016 e outubro de 2018, mas nesse período atuava como “personal trainer” no Rio de Janeiro.

Em março de 2019, Queiroz quebrou o silêncio, oferecendo à Justiça pela primeira vez explicações sobre as suspeitas de corrupção que pairavam sobre ele. O ex-assessor disse ao Ministério Público que recolhia parte dos salários de servidores do gabinete, mas negou ter se apropriado dos valores.

Segundo a explicação que Queiroz prestou por escrito ao Ministério Público, o dinheiro recolhido dos funcionários do gabinete era usado para contratar assessores informais e “expandir a atuação parlamentar” de Flávio nas bases eleitorais. O ex-assessor também afirmou que Flávio não sabia do esquema.

Contudo, investigações do Ministério Público indicam que Flávio teve mensalidades das escolas de suas filhas e do plano de saúde de sua família pagas em dinheiro vivo. Ao menos uma parte desses pagamentos teria sido feita por Queiroz.

O MP afirma que 70% dos valores pagos para ambos os serviços entre 2013 e 2018 foram quitados em espécie. A suspeita dos promotores é que o dinheiro utilizado para esses pagamentos tenha resultado da “rachadinha”.

A revista “Crusoé” noticiou em agosto que Queiroz depositou ao menos 21 cheques na conta de Michelle entre 2011 e 2018, em valores que somam R$ 72 mil. Até então era conhecido apenas o repasse de R$ 24 mil do ex-assessor para a esposa do presidente da República. Os repasses foram descobertos com a quebra de sigilo bancário do ex-policial militar e contrariaram a versão sobre o caso apresentada pelo presidente.

Quando o caso veio à tona, no final de 2018, Bolsonaro afirmou que os repasses feitos por Queiroz a Michelle eram referentes ao pagamento de parte de uma dívida de R$ 40 mil que o ex-assessor teria com o presidente. Bolsonaro alegou que os valores haviam sido depositados na conta de sua esposa por ele não ter tempo de ir ao banco, o que não condiz com a verdade.

Os depósitos de Queiroz a Michelle divulgados pela “Crusoé” foram confirmados pelo jornal “Folha de S.Paul”, que noticiou ainda que a esposa de Queiroz, Marcia Aguiar, também repassou dinheiro em 2011 para a primeira-dama, por meio de seis cheques que somaram R$ 17 mil.

Com isso, os valores repassados para a primeira-dama somam R$ 89 mil, bem acima do suposto empréstimo de R$ 40 mil que Bolsonaro mencionou.

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