(*) Ucho Haddad
Muito tem se falado sobre a necessidade de renovação na política, algo importante por diversos aspectos, mas a mesmice dos discursos para atacar adversários eleitorais chega a ser nauseante e aponta na direção de uma reposição de peças em cenário randômico movido pela engrenagem do vale tudo.
Muitos tentam se eleger apostando em propostas impossíveis, mesmo que conceitualmente corretas. Entre a promessa de campanha e o possível há uma enorme distância, assunto que os elegíveis preferem não abordar e os eleitores insistem em não saber. Esse cenário de omissão bilateral colabora para a fermentar um coquetel perigoso, que permite o acesso de um grupo ou outro ao poder, sem que a esperada solução dê o ar da graça.
Quando candidatos optam pela polarização ideológica, como acontece no Brasil há longas décadas, o resultado, conhecido de todos, tende a se repetir, não importando quem saia vitorioso das urnas. O País viu nessas eleições municipais mais um enfrentamento entre esquerda e direita, que abriu caminho para o fortalecimento de candidaturas de centro. Tal resultado mostra que a população começa a se cansar dessa briga entre radicais, que no momento de cooptar o eleitor adoçam o discurso e prometem aos incautos, sem qualquer dose de vergonha, um “País de Alice”.
Governar não é brincadeira, exige responsabilidade e preparo. O que aconteceu nos últimos anos no Brasil foi um avanço desmedido dos políticos na seara da corrupção. Quando a promessa de campanha passa a flertar com o inviável, na sequência surgem ações mirabolantes no meio do picadeiro para distrair a atenção dos enganados. Ato contínuo, ou o eleitor identifica a farsa ou o governante ingressa no campo das ilegalidades e das abstrações.
Há muito alerto para a necessidade de o brasileiro se interessar cada vez mais pelas coisas da política, pela “rés pública”, algo que não pode acontecer a cada dois anos, nas eleições, ou quando surge um escândalo novo capaz de incendiar as redes sociais. Os problemas do Brasil são muitos, em sua maioria estruturais, e não serão solucionados no curto prazo nem com vara de condão. O que enfrentamos, não é de hoje, exige competência, determinação, cautela, planejamento e paciência por longo período, sem contar a importância da continuidade das ações, independentemente de quem esteja no leme político. Ouso falar em 100 anos para chegarmos a um cenário de solução sustentável.
O brasileiro, como sabem, é preguiçoso em termos políticos e fã incondicional da coisa pronta. Por isso aceita o discurso de quem promete absurdos. As recentes eleições municipais, que chegarão ao fim após algumas disputas em segundo turno, parecem ter acionado o interruptor da luz no fim do túnel, mas não é essa a realidade dos fatos. O Brasil é um túnel abarrotado de problemas e repleto de lanternas queimadas. E não se resolve esse impasse em quatro anos nem com discurso fácil e visguento.
As quizilas ideológicas que marcaram as eleições, mais uma vez, serviram para que parte do eleitorado abrisse os olhos para o possível. De nada adianta o embate entre esquerda e direita, se os problemas continuarão onde e como estão ou, na melhor das hipóteses, serão alvo de rápida demão de tinta para ficar com a falsa aparência de solucionado.
Quando o então presidente Lula decidiu impulsionar o consumo a partir do crédito fácil, afirmei, sem medo de errar, ser a medida uma irresponsabilidade, pois criava cenário ilusório que ao final transformaria o sonho repentino e curto em pesadelo quase permanente. O ex-metalúrgico deixou o poder central em 2010, sendo que até hoje sofremos as consequências de uma patacoada oficial, embalada pela fanfarronice típica do populismo barato. A retomada da economia se dá com redistribuição de renda, não com crédito fácil. E para que essa retomada seja sustentável, é obrigatória a geração de renda e de riqueza individual, sem ater-nos a valores.
Tenho afirmado ao longo dos anos que, não importando a corrente ideológica de um governante, é preciso que nas decisões de Estado o olhar para o social tenha lugar de destaque. A pandemia do novo coronavírus colocou uma enorme e potente lupa sobre a tragédia que persiste no País, sendo que a solução para isso não surgirá de propostas embusteiras e ideias mirabolantes que sequer têm força para descer do palanque.
Candidatos ao comando da Pauliceia Desvairada prometeram de tudo, alguns foram telúricos. De redução do IPTU ao pagamento do chamado “auxílio paulistano”, sem mostrar como isso seria colocado em prática ou de onde sairiam os recursos para custear tais propostas. Prometeram ao léu, aos bolhões, sem a mais rasa dose de coerência, sempre de olho nas urnas. Vencida a eleição, depois vê-se como fazer para cumprir o prometido. Sempre foi assim, continua assim, infelizmente.
Causou-me espécie a declaração de Guilherme Boulos, candidato do PSOL à Prefeitura de São Paulo, ao rebater fala do tucano Bruno Covas, de que radicalismo é a maior e mais rica cidade do País conviver com pessoas revirando o lixo para saciar a fome. Disse Boulos que radicalismo é a cidade ter hospitais fechados, enquanto as filas por atendimento médico só crescem. Essa é uma realidade cada vez mais presente na capital paulista, mas não se pode responsabilizar isoladamente o gestor municipal pela tragédia. A responsabilidade é do Estado, como um todo, é de cada cidadão, que só pensa em solidariedade quando convém.
Os brasileiros deveriam aprender como se escolhe um candidato, algo que normalmente acontece horas antes da eleição ou por indicação de terceiros. Não é assim que se faz uma democracia, não será assim que resolveremos os problemas nacionais. A imprensa, por sua vez, deveria fazer o papel que lhe cabe, esclarecendo fatos e expondo a realidade de maneira nua e crua, não jogando para a plateia como forma de garantir audiência e lucros. Não “passando pano” em algumas situações ou colocando fogo no circo em outras. É preciso parcimônia e compromisso com a verdade dos fatos. Esse é o compromisso do bom jornalismo.
O caos nas grandes cidades do País começou a crescer a partir do momento em que a omissão do governo federal avançou sem cerimônia. Como um objeto metálico diante de material imantado, o desvalido sai de seu rincão em direção ao lugar onde a esperança de sobrevivência ainda existe. Isso explica a realidade de uma cidade cuja população é equivalente à de Portugal, por exemplo.
Em visão análoga, não se pode colocar trinta pessoas dentro de um pequeno Gordini – esse modelo de carro por certo é desconhecido dos mais jovens – e depois reclamar que de dentro do veículo todos saíram amassados, esbaforidos e esfolados. É o que acontece na cidade de São Paulo, para onde correm todos os abandonados por um Estado obsoleto, incompetente, paquidérmico e aparelhado. Quem flerta com a miséria tenta a sorte em São Paulo. Quem não encontra atendimento médico na própria cidade ruma para São Paulo. É assim que se faz um caos.
Não estou a condenar o direito constitucional de ir e vir do cidadão, pelo contrário, mas não consigo deixar de ser realista diante dos fatos. São Paulo, tudo indica, continuará sendo o sonho de muitos, mas não pode ser punida com discursos oportunistas que fogem à realidade.
Combater a corrupção é mister para remover o entulho que impede enxergar o final do túnel. Em relação à lanterna, primeiro é preciso encontrá-la e depois conseguir recursos para comprar a indispensável bateria. A partir de então pode-se sonhar com um feixe de luz, mesmo que esmaecido no começo.
Cansei do discurso fácil e matreiro dos políticos em geral, por isso tenho pensado com certa insistência em abandonar a pena de uma vez por todas. Esse país não tem solução e o povo não demonstra interesse em mudar o status quo, que, diga-se de passagem, não significa alternância no poder. Até porque, alternância no poder no Brasil muitas vezes não passa de manter o cenário atual com o fio trocado.
Alguém há de dizer que sou pessimista, mas se há um realista nessa epopeia, esse certamente sou eu. É preciso coerência no campo da política, mercadoria que está em falta não é de hoje – talvez tenha saído de linha. O melhor exemplo da atualidade dessa incoerência ultrajante é o candidato Guilherme Boulos, que por enquanto desponta como o grande vencedor dessas eleições, mesmo se derrotado no segundo turno.
Boulos criticou duramente seus adversários – também foi criticado – e apresentou propostas que, por tudo que conheço de política, são inexequíveis. Ou seja, diz ser a renovação, mas faz o mesmo que os velhacos sempre fizeram. Para tentar chegar ao trono paulistano, Boulos já cabalou o apoio do PT, partido que chafurdou no cocho da corrupção e por isso vem perdendo seguidamente o esplendor político e enfrenta sérias dificuldades para se reinventar.
O candidato do PSOL pode alegar que buscou o apoio de um partido de esquerda, alinhado ideologicamente. O brasileiro, é bom lembrar, não se importa com questões ideológicas, exceto os radicais de plantão. O brasileiro quer saber de soluções para a usina de problemas em que se transformou o País. Em suma, como dizem os italianos, “siamo tutti buona gente”.
(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.
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