Nosso mundo como ele é

(*) Carlos Brickmann

Uma pequena paradinha: a Covid incomoda, a política incomoda, mas é também difícil tolerar a idiotice e a chatice. Os insuportáveis call centers, por exemplo, que transformam o telefone fixo em instrumento de suplício. Não, não quero conversar com correspondente bancário, seja isso o que for.

Está difícil ler os jornais. Aquela tarefa básica do jornalista, de traduzir para a linguagem corrente o jargão do especialista, está em baixa: hoje é top de chic ser tão incompreensível quanto o especialista. E em inglês. Veja se é para entender “(…) a rodada seed liderada pelo XXX, o veículo de venture capital, provocou um earn-out (…)” ou “XXX compra YYY e sofre com short na ‘cesta da bolha’”. Este leitor aqui adoraria saber do que estão falando.

Duas insuportáveis novidades em nossa inculta e bela: um anúncio, seja qual for, segundo o qual “segundou”, ou “terçou”, ou “quartou”, não importa o produto; e o outro é uma oferta que, segundo anúncio, é fantástica, muito vantajosa, “retirar na loja com frete grátis”. Bom, se você vai pegar a compra na loja, qual é o frete? Indo mais fundo, que é que oferecem de graça?

E há a incessante propaganda do Governo, em todas as mídias, tentando provar que ali se trabalha. A Portaria 3.290 criou um Comitê Técnico “para acompanhar as ações” relativas à vacina de Oxford. Esse tal comitê se reunirá de 15 em 15 dias. Ponhamos em ação nosso macabro relógio: entre uma reunião e outra dos técnicos, morrem umas 10 mil vítimas da Covid.

Velhos tempos

Neste fim de semana, entrou em Paranaguá um carregamento de soja dos EUA, segundo maior produtor mundial. Motivo: o Brasil, maior produtor mundial, exportou toda a produção e precisa importar, pagando mais caro, para abastecer o mercado interno. Lembrando o Fausto Silva, este colunista é do tempo em que havia estoques estratégicos para evitar esse tipo de coisa.

A guerra da vacina

O general Cloroquina, que comanda o Ministério da Saúde, disse a Doria que a vacina Coronavac não é de São Paulo, é do Instituto Butantan. E tem toda a razão. Só que quem a chamou de “vacina chinesa do Doria” foi o chefe do Cloroca, o presidente Bolsonaro. Na ocasião, o general se manteve em obsequioso silêncio.

A guerra está declarada: Doria marcou o início da vacinação para 25 de janeiro e o Ministério da Saúde fala em março, alguns milhares de mortos mais tarde. A Lei 14.006, de 28 de maio de 2020, aliás assinada pelo presidente Bolsonaro, diz que medicamentos podem ser importados e usados antes do parecer da Anvisa caso tenham a aprovação de uma de quatro agências internacionais: a FDA americana, a EMA europeia, a PMDA japonesa e a NPMA chinesa. A NPMA já a aprovou.

É devagar, é devagar…

O general da Saúde quer 60 dias para que a Anvisa dê parecer – uns 50 ou 60 mil mortos a mais. Os governadores que participaram da reunião com Doria e Pazuello acharam Doria imperial demais, por abrir portas para que municípios de outros Estados se inscrevam em São Paulo para ter a vacina; e saíram irritadíssimos com a pouca pressa de Pazuello em enfrentar a pandemia.

Um detalhe: desde setembro não há reuniões entre o Governo e os fabricantes de seringas. A partir da encomenda de 300 milhões de seringas, são mais 60 dias para a entrega – mais 60 dias de mortes.

…é devagar, é devagar, devagarinho

E o presidente da República, que deveria estar coordenando a luta contra a pandemia? Está brigando com a Organização Mundial da Saúde. A OMS é contrária (como ele) à obrigatoriedade da vacina, e Bolsonaro diz que “até que enfim a OMS começa a acertar”. Enquanto isso, o Imperial College de Oxford prevê que nos próximos sete dias o Brasil terá mais 4.600 mortes.

De remotos cambucais

Quanto mais se vive, mais se aprende: e o presidente da Caixa Econômica Federal, Pedro Guimarães, economista com diploma da Universidade de Rochester, Nova York, já às vésperas de completar seu primeiro meio século de vida, conta algo que aprendeu recentemente. Ele, diz, “nunca tinha pensado” que no Brasil há pessoas que moram em lixões.

A montanha, o sol, o mar

Informa a boa coluna de Aziz Ahmed, A Voz do Povo, que o governador em exercício do Rio, Cláudio Castro, pretende entregar parte do Palácio Guanabara, sede do Governo do Estado, a uma fundação. As outras partes do Palácio continuam destinadas a seu trabalho atual, a afundação.

Beleza é essencial

Uma boa sugestão para quem está em São Paulo: um grupo de artistas plásticos de primeira linha promove a Terceira Edição de Arte na Praça, com o tema Sentar, Ler, Escrever. São 14 artistas, entre eles o mexicano Jorge Méndez Blake e a esplêndida brasileira Renata Barros. Das 11 às 17h, até o dia 31 de janeiro.

Vale a pena. E é ótimo ter contato com arte para espairecer.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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