Fecha a caixa, Pandora!

(*) Gisele Leite

Com razão, Mike Davis afirmou que a caixa de Pandora está aberta e o implacável sistema econômico faz cada vez mais vítimas. O monstruoso coronavírus tornou difícil tudo, informação, circulação de mercadorias, de pessoas e o funcionamento de comércios, serviços e até indústrias, além de outros setores públicos ou privados.

Muitos trabalham para caracterizar o surto pandêmico e logo apontam três grandes desafios, a saber: a fata de kits de teste, especialmente nos EUA e África, tem impedido as necessárias e precisas estimativas para estabelecer os parâmetros de reprodução, o tamanho da população infectada e, ainda, o número de infecções benignas. O que gerou um caos numérico e uma dificuldade de gestão.

Os chineses, com base nos testes, elaboraram um aplicativo que aponta as regiões onde há alto índice de infecção. O que orienta muito o deslocamento das pessoas a fim de evitarem tais áreas insalubres.

Em segundo lugar, assim como as influenzas anuais, este vírus em constante mutação e, à medida que circula, aumenta-se as composições etárias e condições de saúde. Já se constatou cientificamente que a variação virótica experimentada pelos norte-americanos é ligeiramente diferente do surto original ocorrido em Wuhan, na China.

As mutações adicionais podem ser benignas ou até podem alterar a difusão atual do vírus, que aumenta drasticamente após os cinquenta anos de idade. O coronavírus é, no mínimo, um perigo letal para os idosos que têm imunidades fracas ou problemas respiratórios crônicos ou outras comorbidades oportunistas.

Em terceiro lugar, mesmo que o vírus permaneça estável ou pouco mutável, seu impacto sobre os grupos etários mais jovens pode ser diferente nos países e grupos mais pobres. E, Tendo em vista a gripe espanhola ocorrida em 1918 a 1919, que se estima ter causado o óbito em certa de 3% da humanidade.

Já nos EUA e na Europa Ocidental, o H1N1 foi mais mortal para os jovens adultos e tem sido explicado como resultado do seu sistema imunológico relativamente mais forte, que reagiu exageradamente à infecção, atacando as células pulmonares, acarretando pneumonia e até choque séptico.

Na época da gripe espanhola, a doença encontrou o lugar favorável nos acampamentos do exército e nas trincheiras do campo de batalha onde atingiu os jovens soldados em números expressivos. O colapso da ofensiva da Primavera alemã de 1918, e, portanto, o resultado da guerra, foi atribuído ao fato de os Aliados, em contraste com seu inimigo, poderem reabastecer os seus exércitos doentes com tropas norte-americanas recém-chegadas.

Porém, a gripe espanhola nos países mais pobres tinha um perfil diferente, pois, a alta mortalidade ocorrida em Punjab, Bombaim e outras partes da Índia Ocidental, onde as exportações de cereais para o Reino Unido e as práticas de exportações coincidiram com a grande seca.

A escassez de alimentos resultante levou a dezenas de pobres à beira de inanição. E, se vitimaram de forma cruel, pois a desnutrição suprimia a resposta imunológica à infecção e, produção inflamação bacteriana, bem como a pneumonia viral.

Há quem olhe com admiração o sucesso da China em conter a pandemia e no atendimento das medidas sanitárias, mas com horror o grotesco fracasso dos EUA. E, ainda, a total incapacidade das instituições brasileiras em manter a caixa de Pandora fechada.

Infelizmente, o surto pandêmico aguçou as desigualdades antes existentes e, mesmo os bons planos de saúde podem ensinar como trabalhar confortavelmente os isolados, desde que sigam as salvaguardas recomendáveis.

Porém, cerca de 45% da força de trabalho não tem o direito ao teletrabalho, sendo praticamente obrigada a transmitir a infecção ou morrer de fome. O Estado neoliberal não tem sido eficiente em promover a adequada gestão da economia diante da pandemia de coronavírus.

Importante é a missão das políticas públicas que viabilizam o acesso aos medicamentos e, incluindo as vacinas que é um direito humano universal e que deve estar disponível e sem custos.

Outro debate importante é sobre o retorno às aulas presenciais e, a necessidade premente de se respeitar as regras sanitárias. Sob pena de construir-se um novo polo irradiador da doença, agravando um cenário que já se apresenta dantesco.

A pandemia de Covid-19 resulta em crise política, sanitária, humanitária e econômica o que faz nosso país passar por agruras que devem ser observadas, ciosamente, para se extrair alguma aprendizagem.

Referências:

DAVIS, Mike. A crise do coronavírus é um monstro alimentado pelo capitalismo. In: DAVIS, Mike. et al: Coronavírus e a luta de classes. Terra sem Amos: Brasil, 2020. Disponível em: errasemamos.files.wordpress.com/2020/03/coronavc3adrus-e-a-luta-de-classes-tsa.pdf In: https://journals.openedition.org/espacoeconomia/12379 Acesso em 14.3.2021.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

As informações e opiniões contidas no texto são de responsabilidade exclusiva do autor, não refletindo obrigatoriamente o pensamento e a linha editorial deste site de notícias.

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