Só Deus. Por uma consciência democrática

(*) Gisele Leite

Com um vocabulário no mínimo exótico e grotesco, mais uma frase impactante do atual Comandante da Nação entra para a história histriônica do Brasil: “Só Deus me tira daqui!”. Eis a exclamação realizada diante de sua tradicional aglomeração de apoiadores, situados à porta do Palácio da Alvorada, para comemorar seus sessenta e seis anos.

De forma inovadora, apresentou-se de máscara e, voltou a crítica aguda as medidas de restrição adotadas por governadores e prefeitos em face da pandemia de Covid-19 e, brandiu em tom ameaçador: – Estão esticando a corda. Afirmou, ainda, que faz qualquer coisa pelo meu povo. Está na nossa Constituição, nosso direito de ir e vir. E, sacou outra velha ameaça: “Contem com as Forças Armadas pela democracia e pela liberdade”. Detalhe: se precisa estar vivo para exercer a liberdade. A propósito, já que confessa que está fazendo qualquer coisa, exceto administrar adequadamente o país em tempo de pandemia. Infelizmente.

Assevera-se a preocupação sobre a permanência no cargo, pois segundo o Estadão, os líderes em Brasília já discutem, se diante tamanho descontrole na gestão da Covid e, ainda, da crise econômica, o impedimento do Presidente paralisaria mais o país ou o faria avançar. Parece uma dúvida de Hamlet. E, com isso, o Centrão cioso está avaliando os riscos de continuar com apoio a Bolsonaro em 2022.

O fato é que a crise da Covid, auxílio emergencial restrito e de valor mais baixo e, ainda, o efeito da reaparição de Lula dentro do cenário eleitoral, ameaçam efetivamente a base do governo no Congresso Nacional. A sequência de más notícias para Bolsonaro é simbolizada pela pesquisa do Datafolha segundo a qual 54% dos brasileiros consideram sua gestão da pandemia considerada ruim ou péssima. E, continua caindo a popularidade de Bolsonaro.

Infelizmente, nem mesmo a tragédia diária de tantos óbitos e o colapso nacional da saúde pública e privada, faz Bolsonaro cogitar em mudar de postura. E, recentemente, telefonou para um rádio de Camaquã, no interior do Rio Grande do Sul, para defender ao vivo a nebulização com hidroxicloroquina em pacientes com a doença. Já houve até condenação de paciente que exigiu do médico a receita de cloroquina, em 10 salários-mínimos. Em tempo, o uso da cloroquina não tem base científica conforme já informou a OMS.

Por outro lado, nove advogados propuseram no STF um pedido de habeas corpus coletivo para impedir que os cidadãos sejam investigados com base na Lei na Segurança Nacional por se referirem a Bolsonaro como genocida. Segundo os proponentes, o termo usado como crítica política se enquadra na liberdade de expressão, o que é entendimento endossado pela Defensoria Pública da União.

De acordo com a Professora Fabiana Santiago, especializada em LSN, a aplicação dessa lei para enquadrar protestos contra o presidente da República representa como mais uma tentativa de impedir o jogo democrático. Defende a professora que a lei pode ser mantida, mas, mediante os devidos recortes suprimindo o que remonta ao tempo de exceção.

O presidente do STF, Ministro Luiz Fux telefonou para Bolsonaro pedindo explicações sobre as referências deste ao estado de sítio, ao criticar as medidas de isolamento social e toque de recolher nos Estados. O presidente, por sua vez, negou que cogite adotar alguma medida do tipo.

Conveniente recordar que em abril de 2020, o STF confirmou competência concorrente de Estados, Distrito Federal, Municípios e União em ações para combater pandemia da Covid-19. Governadores e prefeitos estão livres para estabelecer medidas como o isolamento social e o fechamento do comércio.

A maioria dos ministros reconhece também que a União pode legislar sobre o tema, mas garantindo a autonomia dos demais entes. Em seu voto, o ministro Marco Aurélio reafirmou seu entendimento de que não há na norma transgressão a preceito da Constituição Federal.

Para o ministro, a MP não afasta os atos a serem praticados pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos municípios, que têm competência concorrente para legislar sobre saúde pública (artigo 23, inciso II, da Constituição). A seu ver, a norma apenas trata das atribuições das autoridades em relação às medidas a serem implementadas em razão da pandemia. Vide o julgado na Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 6341.

Mesmo assim, insistem de “vilanizar” o STF, pela má gestão da situação de calamidade pública. O STF tem o dever institucional de zelar pelo cumprimento da Constituição Federal vigente, não inventou as competências e suas divisões e concorrências. Mas, não pode permitir que quem jurou obedecer a Constituição, simplesmente, a ignore ou viole por ímpetos autoritários e bizarros.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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