(*) Waldir Maranhão
Um povo só passa a existir como nação quando aceita viver debaixo de um regramento legal. Sem isso, a democracia desmorona logo nos primeiros passos.
O Brasil experimenta há alguns anos uma polarização política sem precedentes, como se opiniões e ideologias divergentes abrissem caminho para o desmando e a transgressão recorrente da lei.
Preocupa-me o fato de cidadãos defenderem o “vale tudo” como forma de eliminar do cenário político aqueles que carregam bandeiras ideológicas distintas. Não é assim que se faz política, não é dessa maneira que se mantém a democracia, que existe acima de tudo como ponto de equilíbrio de polos opostos. Democracia é arte da conciliação, não senha para a beligerância.
Os que cultuam a transgressão legal como uma espada de Dâmocles – bajulador na corte do tirano Dionísio, de Siracusa – a balançar somente sobre a cabeça dos adversários políticos e ideológicos não têm moral para falar em democracia.
Reza a nossa Constituição em seu artigo 5º (caput) que “todos são iguais perante a lei sem distinção de qualquer natureza”. Em outras palavras, como prega a sabedoria popular, “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”.
A Carta Magna é imperiosa ao definir o conceito de isonomia no âmbito da legalidade, mas em nenhum momento ousa estabelecer que todos os cidadãos devem ser absolutamente iguais entre si. Tanto é assim, que a Carta abriga o direito à livre manifestação do pensamento, que não fosse divergente faria dessa prerrogativa uma letra morta.
Contudo, os moralistas de ocasião não aceitam o reverso da medalha, pois creem estar acima de tudo e de todos, inclusive da lei.
O melhor exemplo desse entendimento distorcido da lei, e sua aplicação, é a decisão do Supremo Tribunal Feral que acabou por anular a condenação do ex-presidente Lula no âmbito do caso do triplex do Guarujá. No entendimento do ministro Luiz Edson Fachin, a 13ª Vara Federal de Curitiba não era o foro adequado para processar o ex-presidente, uma vez que foi declarada a universalidade daquele juízo para questões envolvendo a Petrobras.
A Corte, por meio da Segunda Turma, também considerou parcial o ex-juiz Sérgio Moro nos casos envolvendo o petista.
A corrupção, chaga maior do Brasil desde os tempos cabralinos, deve ser combatida com o devido rigor, até porque tal conduta criminosa mata lenta e continuamente a população, mas isso deve acontecer respeitando-se as fronteiras do conjunto legal vigente no País.
Ao ignorar os limites legais, os agentes do Estado acabam por impor à população um Estado de exceção, que atenta de forma flagrante contra o ambiente democrático.
A Carta Magna, no artigo 5º, inciso LV, estabelece que todo cidadão alvo de ação judicial tem garantido o direito à ampla defesa e ao contraditório, assim como ao devido processo legal.
No momento em que o ex-juiz Sérgio Moro passou pautar o trabalho da força-tarefa da Operação Lava-Jato em Curitiba, esvaíram-se as garantias constitucionais a que Lula tem direito, assim como qualquer brasileiro, seja influente ou não.
Tudo aconteceu em nome de um projeto político escuso e que tinha como timoneiro um suposto e repentino herói, que abriu caminho para um cenário caótico em termos de país.
Como mencionei anteriormente, a corrupção deve ser combatida com perseverança e tenacidade, mas o desrespeito à lei transforma um eventual culpado em vítima do Estado. Dessa maneira a corrupção perpetua-se incólume. Resumindo, a melhor arma contra a corrupção é o respeito à lei e ao Estado de Direito.
Não importa a ideologia política, as crenças, o status social e a condição econômica de cada cidadão, todos somos iguais, mesmo que diferentes entre si.
Essa diversidade me leva a defender cada vez mais a democracia, pois na ponta do processo político estão dezenas de milhões de brasileiros que creem nos representantes que escolhem a cada dois anos nas urnas.
O momento pandêmico que vive o planeta e tem devastado o Brasil é preocupante e de se lamentar. Enquanto, na última semana, países como Reino Unido, Estados Unidos, Argentina e México queda no número de mortes (por milhão de habitantes) por Covid-19, o Brasil segue com impressionante aumento de óbitos – média móvel nos últimos sete dias foi de 2.598. Contudo, no contraponto, a pandemia do desrespeito à lei e ao Estado de Direito mata lenta e implacavelmente. Pense nisso!
Sou Waldir, meu sobrenome e minha alma são Maranhão. Democracia é minha busca constante!
(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA) onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados
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