O Brasil precisa ter olhos para a pandemia que afeta a educação e evitar o apagão profissional, por Waldir Maranhão

 
(*) Waldir Maranhão

Não há como mudar a realidade de um país como o Brasil sem priorizar a educação. Por mais que os discursos políticos sempre contemplem temas educacionais, a realidade brasileira nesse setor é trágica, mesmo considerando alguns modestos avanços ocorridos na última década. Além disso, os avanços na educação ocorrem em velocidade muito aquém das necessidades do País.

Pesquisa realizada pela ONG Ação Educativa e pelo Instituto Paulo Montenegro, com base em dados de 2018, mostra que 73% dos brasileiros estão plenamente alfabetizados, enquanto 29% são considerados analfabetos funcionais. Além disso, o levantamento revelou aumento de 2% do analfabetismo funcional na comparação com 2015.

Destaco que entre estar alfabetizado e ter capacidade de compreender um texto qualquer há uma enorme diferença. E muitos brasileiros enfrentam dificuldade para compreender textos considerados simples e corriqueiros.

Esse quadro não deixa dúvidas a respeito do avanço da marginalização social provocada pela baixa qualidade do ensino público, o que por sua vez impede o cidadão de se qualificar para buscar um emprego melhor e com salário condizente com suas necessidades.

A pandemia do novo coronavírus revelou a extensão da tragédia social que existe no Brasil, sendo que parte desse cenário de caos advém do pífio nível de aprendizado dos cidadãos. Não estou a desdenhar o brasileiro que luta corajosamente todos os dias para sobreviver, mas cobrando das autoridades ações que garantam condições mínimas para que cada um consiga evoluir.

Com o advento da pandemia, o ensino na rede pública foi duramente atingido, com suspensão das aulas presenciais, muitas das quais não foram substituídas por aulas remotas por questões tecnológicas e falta de recursos financeiros para que os alunos pudessem acessar o chamado ensino à distância. Na verdade, o que aconteceu e continua acontecendo é o que conhecemos não é de hoje: educação com doses mínimas de qualidade é privilégio de uma minoria. Como se ainda vivêssemos nos tempos da “casa grande e senzala”.

Não consigo fechar os olhos e cruzar os braços diante de realidade tão assustadora no campo da educação. No momento em que o Estado, como um todo, deveria incentivar a permanência dos alunos mais pobres nas escolas, inclusive com o pagamento de algum benefício financeiro que garantisse isso, o governo federal decidiu vetar o uso de recursos do Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações (FUST) para disponibilizar a escolas, alunos e professores acesso à rede mundial de computadores. Ou seja, há pelo menos doze meses os estudantes mais vulneráveis estão sem contato com o ambiente escolar.

Há mais de cinquenta anos o Brasil alimenta-se da mentirosa profecia do “país do futuro”, mas no campo da educação os inúmeros retrocessos dos últimos tempos me levam a questionar que país teremos no futuro próximo. Pouco importam as conquistas que tivemos, pois as perdas educacionais são muito maiores e preocupantes.

Um bom e triste exemplo desse cenário de desmoronamento da educação é a precarização do trabalho que invadiu as ruas e avenidas das principais cidades brasileiras nos últimos meses. Montados em bicicletas e motocicletas, jovens optaram pelo extenuante trabalho de entrega por aplicativos por falta de opção. Trabalham de sol a sol, muitas vezes avançam pelas madrugadas, correndo riscos em meio ao trânsito, para conseguir o mínimo em termos financeiros que impeça o próprio desparecimento. Sem direito a vínculo empregatício e aos benefícios previstos em lei.

Como se esse desolador quadro não fosse suficiente, o governo federal, por meio da Receita, pretende acabar com a isenção tributária no segmento de livros, com a justificativa que apenas 10% da população, os mais ricos, se dedicam à leitura. O que é uma enorme inverdade.

Em vez de incentivar a leitura em todo o País e ampliar os horizontes do cidadão, o governo prefere piorar o que há muito é ruim. Além disso, caso leve adiante a retomada da tributação sobre os livros, o governo precisa assumir a responsabilidade pelo encarecimento dos livros didáticos. Em outras palavras, a educação brasileira corre o risco de ganhar em breve um novo inimigo: o imposto. Sem contar que o acesso à cultura será de novo penalizado.

Em outra ponta do universo da educação está a fuga de alunos das escolas, que aumentou de maneira considerável com o fim do pagamento do auxílio emergencial.

O impacto do fim do benefício foi sentido no ensino superior, onde muitos estudantes adiaram ou deixaram para trás o sonho da graduação. É o que mostra a pesquisa “Observatório da educação superior – análise dos desafios para 2021”, da Associação Brasileira de Mantenedoras de Ensino Superior (ABNS) e da Educa Insights.

De acordo com a pesquisa, 56% dos alunos do ensino médio não querem entrar na universidade neste momento.

Dos 1.112 alunos aptos a entrar em universidades e que foram ouvidos pela pesquisa, dois terços confirmaram ter recebido ao menos uma parcela do auxílio emergencial em 2020.

Alguém pode perguntar como esse quadro interfere no cotidiano. Não é preciso muito esforço para perceber que quanto menor for o número de alunos nas universidades, maior serão as dificuldades enfrentadas pela sociedade. E para chegar à universidade é primordial um ensino básico de qualidade.

Não é preciso deixar a pandemia para compreender que ora exponho. Muitos governadores e prefeitos Brasil afora tiveram a intenção de abrir novos leitos de UTI e hospitais de campanha para atender pacientes de Covid-19. Isso não foi possível por falta de mão de obra especializada, como médicos e profissionais de enfermagem.

Ou o Brasil para e revê suas políticas educacionais, proporcionando a todos os cidadãos acesso ao ensino de qualidade, ou em pouco tempo o País viverá um apagão profissional. Os passos iniciais na direção da tragédia já foram dados. Traduzindo, o apagão educacional já é uma realidade, o apagão profissional começa a surgir no horizonte.

(*) Waldir Maranhão – médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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