Para reforçar a cascata de derrotas que o presidente Jair Bolsonaro vem enfrentando, a Justiça Federal em São Paulo proibiu na quinta-feira (29) que o governo faça campanhas, em qualquer meio de comunicação, para promover o chamado “tratamento precoce” contra a Covid-19, com medicamentos sem eficácia comprovada contra a doença.
Na decisão em primeira instância, divulgada nesta sexta-feira (30), a juíza Ana Lúcia Petri Betto, da 6ª Vara Cível Federal de São Paulo, ordenou que a Secretaria de Comunicação da Presidência da República (Secom) se abstenha de patrocinar propaganda que “contenha referências” a fármacos de eficácia duvidosa no combate ao novo coronavírus, como a cloroquina, defendida publicamente por Bolsonaro inúmeras vezes.
Na decisão, que é passível de recurso, a juíza também exigiu que os influenciadores digitais contratados pelo governo Bolsonaro para promover o tratamento precoce se retratem nas suas redes sociais. A magistrada atendeu a um pedido apresentado em Ação Civil Pública.
A juíza também impediu que o executivo utilize em suas peças publicitárias expressões como “tratamento precoce” e “kit covid”, que abrange uma série de medicamentos anunciados pelo executivo federal como uma espécie de cura para a doença.
Além da cloroquina, também figura nessa lista de medicamentos promovidos pelo governo o vermífugo ivermectina, cuja venda disparou durante a pandemia.
Medicamentos ineficazes contra Covid-19
A Organização Mundial da Saúde (OMS) já recomendou que a ivermectina e a hidroxicloroquina não sejam utilizados no tratamento de pacientes com covid-19. Além disso, a própria empresa que desenvolveu a ivermectina nos anos 1980 afirmou que não existem evidências sobre a eficácia do medicamento contra Covid-19.
Uma metanálise assinada por quase 100 cientistas e publicada na revista “Nature” concluiu que a hidroxicloroquina está associada a uma maior mortalidade de pacientes com Covid-19, e que a cloroquina não apresentou nenhum benefício contra a doença causada pelo coronavírus. Mesmo assim, o governo brasileiro continua a promover tais medicamentos.
O incentivo de Bolsonaro e do Ministério da Saúde levou a uma explosão do consumo de ivermectina e outros medicamentos sem eficácia contra Covid-19. Levantamento do Conselho Federal de Farmácia (CFF) mostrou em janeiro que as vendas de hidroxicloroquina duplicaram de 963.596 unidades em 2019 para 2,02 milhões em 2020. Já as vendas da ivermectina cresceram 557%.
De acordo com levantamento da BBC Brasil. o governo já gastou quase R$ 90 milhões para adquirir carregamentos de cloroquina, hidroxicloroquina e ivermectina, entre outros medicamentos sem efeito comprovado contra Covid-19.
A bula da hidroxicloroquina lista uma série de possíveis efeitos colaterais, como diarreia, náusea, dor abdominal, falta de apetite, constipação, vertigem, tremor, febre, coceira, lesões de pele, entre outros. A fabricante do medicamento adverte, ainda, que a droga deve ser usada com cautela em pacientes com doenças hepáticas ou renais e com problemas cardíacos. Além disso, ele é contraindicado para crianças com menos de seis anos. Mesmo assim, o Ministério da Saúde promoveu seu uso até mesmo em bebês por meio de um aplicativo.
AMB é contra o “kit covid”
O jornal “O Estado de S. Paulo” apurou no mês de março cinco casos de pacientes que terão de fazer transplante de fígado e pelo menos três mortes por hepatites causadas, aparentemente, pelo uso sem necessidade desses fármacos.
Recentemente, a Associação Médica Brasileira (AMB) pediu que seja banida a utilização de ivermectina e outros fármacos sem eficácia comprovada cientificamente contra Covid-19, em posicionamento contrário ao defendido por Bolsonaro.
“Reafirmamos que, infelizmente, medicações como hidroxicloroquina/cloroquina, ivermectina, nitazoxanida, azitromicina e colchicina, entre outras drogas, não possuem eficácia científica comprovada de benefício no tratamento ou prevenção da covid-19, quer seja na prevenção, na fase inicial ou nas fases avançadas dessa doença, sendo que, portanto, a utilização desses fármacos deve ser banida”, defendeu a AMB em comunicado.
O Tribunal de Contas da União já pediu explicações ao Governo sobre sua decisão de investir em cloroquina e distribuí-la em massa entre os estados do país.
Essa e outras questões, como o atraso na compra das vacinas, serão alguns dos pontos a serem analisados na CPI da Covid, instalada há dias no Senado para investigar “omissões” do governo no enfrentamento da pandemia.
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