Não se pode falar em país do futuro sem antes se preocupar com o Brasil do presente

 
(*) Waldir Maranhão

Há muito tempo, pelo menos cinco décadas, ouço que o Brasil é o país do futuro. Para minha infelicidade e de todos os brasileiros, o tal futuro jamais se fez presente.

Nesse período, meio século, o Brasil viveu na gangorra do desenvolvimento, com direito a alguns espasmos de melhoria na vida do cidadão. Mesmo assim, a pobreza e a miséria sempre marcaram presença no cotidiano, como ainda marcam, sem que a sociedade voltasse seus olhos com a máxima atenção a uma tragédia que só cresce.

Com o advento da pandemia do novo coronavírus, o flagelo social que domina o país mostrou suas entranhas, cobrando de cada brasileiro uma reação imediata, rápida e certeira.

Filosofar sobre a miséria no máximo agrada a uma minoria intelectualizada, mas leva a nada em termos práticos e do agora. Enquanto isso, centenas de pessoas perdem a vida diariamente para a fome, ao mesmo tempo em que as sobreviventes assistem à constante dilapidação da dignidade humana.

Como já citei em artigo anterior, a opinião pública está atenta aos desdobramentos da CPI da Covid, como se isso mudasse o quadro da tragédia.

Não se pode dar as costas ao caos que avança covardemente sobre a vida dos excluídos. Não se pode ficar calado e de braços cruzados diante da inoperância de um governo que desde os primeiros passos acenou como solução para os problemas nacionais.

Aprovado com mais de três meses de atraso, o Orçamento da União para 2021 é uma mal cheirosa colcha de retalhos, costurada às pressas para afagar a volúpia dos políticos apoiadores do governo federal.

Não quero criticar situacionistas e oposicionistas, pelo contrário, pois cada um sabe qual caminho escolher, mas cobro responsabilidade dos agentes públicos para as questões que afetam diretamente a população sempre desassistida.

O Orçamento atual não prevê recursos suficientes para a realização do Censo, do IBGE, adiado por causa da pandemia. Com isso a formulação de políticas públicas será seriamente comprometida. No momento em que a sociedade é impedida de detalhar dura realidade que enfrenta e de apontar as maiores e mais urgentes necessidades, só nos resta uma conclusão: a tragédia social há de aumentar.

Recente levantamento do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV) mostra que o endividamento dos mais pobres cresceu e alcançou patamar recorde.

De acordo com o instituto, em abril, 22,3% da população com renda de até R$ 2.100 está com “a corda no pescoço”. A disparidade social surge em outro dado do levantamento: apenas 3,9% dos brasileiros com renda superior a R$ 9.600 afirmam estar se endividando.

Para desatar esse nó é necessário, antes de tudo, reconhecer que o país enfrenta uma tragédia e que até agora nada foi feito para minimizar o calvário dos mais pobres.

A solução está em investimentos na educação, que, como sempre afirmo, é a única cadeia que liberta. Por infortúnio, mais uma vez, o Exame Nacional do Ensono Médio (Enem) corre o risco de ser cancelado ou adiado por falta de recursos. Isso significa que cai por terra a tentativa de buscar um nivelamento entre pobres e ricos no campo educacional. Sem um processo que mire a isonomia na educação não se pode falar em retomada da economia nem em democracia.

A pauta política da semana acende os holofotes para a reforma tributária. Como sempre os mais ricos serão poupados da taxação sobre grandes fortunas, algo que se levado adiante poderia custear fundos de combate à pobreza. Ao contrário, os pobres continuarão pagando mais impostos que os ricos.

Apesar de a reforma em discussão apresentar avanços, a tragédia social brasileira não terá solução imediata. Na verdade, a reforma proporcionará a simplificação tributária, algo positivo, mas não produzirá justiça tributária, o que preocupa.

Um artigo publicado na segunda-feira, 3 de maio, no respeitado jornal “The New York Times traz à discussão tema interessante e igualmente importante. O texto trata da do interesse dos neurocientistas em avaliar os efeitos da pobreza no cérebro infantil.

O artigo em questão aborda estudo científico iniciado em 2018 – “Babys’s First Years” (Os primeiros anos das crianças, em tradução livre) – que busca determinar se a redução da pobreza promoveria um desenvolvimento do cérebro mais saudável.

O pesquisador Kimberly Noble, neurocientista e pediatra na renomada Universidade de Columbia, diz que “com o projeto Baby’s First Years, estamos deixando de lado a correlação para testar se uma redução da pobreza diretamente causa mudanças no desenvolvimento cerebral, cognitivo e emocional das crianças”.

Independentemente do resultado da pesquisa, afirmo, sem medo de errar, que a miséria prolongada causa sérios danos cognitivos, impedindo as crianças de hoje de estarem prontas para o amanhã.

Como disse o pensador chinês Confúcio (552 A.C – 489 A.C), “se queres prever o futuro, estuda o passado”.

Longe da pretensão de desautorizar Confúcio, vou além nesse pensamento. O nosso passado reflete na corda bamba sobre a qual o país se equilibra. Em relação ao tão falado futuro, é preciso saber quem será o homem público a aliviar, no presente, o calvário dos Josés, das Marias, dos Ribamares, das Franciscas e de outros milhões de brasileiros que diariamente lutam contra o cotidiano. Resumindo, se quisermos insistir na tese de que o Brasil é o país do futuro, o melhor a fazer é eliminar a tragédia do presente.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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