Prende-se o Pinóquio, mas Gepeto permanece livre

(*) Gisele Leite

Seria curioso, se não fosse antes engraçado. Pois, ante a um mentiroso liliputiano, empregado já exonerado recentemente em razão dos fatos relatados e fartamente provados, o Presidente da CPI da Pandemia, Senador Omar Aziz decreta-lhe a prisão em flagrante devida à prática de falso testemunho do depoente Roberto Dias.

Quanto à prisão preventiva de investigado ou testemunha é sabido que a CPI não tem poder de decretar a prisão, mesmo em flagrância delito de falso testemunho, apesar ainda tenha poderes peculiares de autoridades judiciais. Cumpre esclarecer que existem jurisprudências do STJ e STF que impede uma testemunha de não comparecer a uma CPI ainda que tenha sido convocada. Já quanto os investigados também podem escolher em comparecer ou não a CPI.

Pedro Lenza ao tratar sobre o tema, esclareceu com fulcro no voto do Ministro Paulo Brossard no HC 71.039, DJ 6.12.1996, j. 07.04.1994, Tribunal Pleno do STF, para quem são amplos os poderes da Comissão Parlamentar de Inquérito, pois são os necessários e úteis para o cabal desempenho de suas atribuições. Porém, frise-se, não são ilimitados.

Lembremos que a CPI se situa na jurisdição constitucional do Congresso nacional seus limites. Por uma necessidade funcional, a CPI não tem poderes universais, mas limitados aos fatos determinados, o que não quer dizer não possa haver tantas CPIs quantas as necessárias para realizar as investigações recomendáveis, e que outros fatos, inicialmente imprevistos, não possam ser aditados aos objetivos da Comissão de Inquérito, já em ação.

Afinal, o poder de investigar não se revela um fim em si mesmo, mas tão-somente um poder instrumental, relacionado com as atribuições do Poder Legislativo. De onde se conclui, que o objeto da CPI deve ser precisamente delimitado.

A bem do princípio da separação dos poderes, as CPIs não podem desempenhar os atos de competência exclusiva do Judiciário, principalmente, tangente aos atos precipuamente jurisdicionais.

Aliás, o poder de investigação judicial que o legislador pátrio estendeu às CPIs não se confunde com os poderes gerais de cautela que dispõe os magistrados nos processos judiciais. E, tais poderes não foram atribuídos às CPIs.

Em verdade, a CPI materializa a investigação política e, não investigação criminal, já que não processo seus investigados.

Não tem a CPI o poder de julgar, em punir seja os investigados ou testemunhas. E, não processo, nem tampouco julga, apenas traz esclarecimentos de fatos determinados. E, assim, não pode determinar medidas cautelares, como prisões provisórias, indisponibilidade de bens, arresto e sequestro de bens.

Não foi privilégio de Roberto Dias exprimir mentiras, outros depoentes o fizeram ostensivamente, sem que fosse aplicado a sanção pedagógica como mencionaram. Recorde-se que a CPI não tem a competência de aplicar sanções apesar de dispor de certos poderes especiais de investigação semelhantes ao de uma autoridade judicial, podendo inclusive, solicitar a quebra de diversos sigilos, como bancário, telemático, de documentos, bem como produzir a oitiva de testemunhas mesmo mediante a condução coercitiva.

Portanto os poderes da CPI não são idênticos aos poderes dos magistrados e nem ordenar, por exemplo, busca domiciliar.

Vige ainda controvérsia doutrinária a respeito dos limites dos poderes investigatórios e instrutórios da CPI. Pois, para Luís Roberto Barroso não há a possibilidade de equiparação de poderes investigatórios da CPI com os poderes investigatórios típicos da atividade judiciária com base no princípio da separação dos poderes. Restringe-se o poder semelhante aos dos magistrados no tocante as testemunhas, pois pode produzir a condução coercitiva e impor-lhes a obrigatoriedade de dizer a verdade.

Em outra doutrina da lavra de Luiz Carlos dos Santos Gonçalves há a defesa da amplitude dos poderes investigatórios das CPIs e ainda, aponta a impossibilidade de delimitação por normas infraconstitucionais daquilo que a própria Constituição Federal brasileira vigente não limitou.

Caso se desse o cometimento em flagrante e explícito de delito perante o Presidente da CPI, o que lhe cabe fazer, seria reunir todo o material da investigação, e, in continenti, enviar ao Ministério Público a fim de tomar as devidas providências, entre estas, a denúncia, e eventual requisição de prisão desde que preenchidos todos os requisitos legais. Não observando o devido processo legal, ter-se-ia, por sua vez, a concretização de improbidade administrativa.

O crime de falso testemunho está previsto no artigo 342 do Código Penal brasileiro. Tem pena mínima de um ano. Cabe sursis processual por conta da Lei nº 10.268/01 que modificou o artigo 342, tornando a punição mais branda. Raramente as pessoas presas em flagrante respondem criminalmente, pois são soltas após pagamento de fiança e, se retratam no processo, admitindo a mentira. Mas ele alerta que a mentira em juízo é crime e deve ser tratada como tal.

Cumpre, em tempo, relembrar que outros depoentes anteriores, sejam munidos ou não do HC que lhes credenciavam o direito ao silêncio e a não autoincriminação, igualmente, mentiram explicitamente, porém, não foram punidos tão severamente… é aquela velha história prende-se Pinóquio, mas Gepeto permanece livre.

Referência:

LEITE, Gisele. Pode ou não pode? Os poderes das CPIs. Disponível em: https://www.jornaljurid.com.br/colunas/gisele-leite/pode-ou-nao-pode-os-poderes-das-cpis Acesso em 07.07.2021.

(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.

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