CPI da Covid: em depoimento, diretora da Precisa Medicamentos nega irregularidades e cai em contradição

 
Em depoimento à CPI da Covid, nesta quarta-feira (14), a diretora técnica da Precisa Medicamentos, Emanuela Medrades, contradisse a versão do governo de que a vacina Covaxin havia sido oferecida ao Ministério da Saúde por US$ 10 a dose, em reunião no dia 20 de dezembro, meses antes da assinatura do contrato, fechado com o valor de US$ 15 por dose.

Por outro lado, Medrades alinhou suas falas ao governo Jair Bolsonaro em um momento-chave da sessão, que abordou o imbróglio das invoices (fatura internacional de importação) da vacinas, contrariando a denúncia dos irmãos Luís Cláudio Miranda (deputado federal) e Luís Ricardo Miranda (servidor público federal) e o depoimento do consultor técnico da pasta William Amorim Santana.

A Precisa atuou como atravessadora na venda da vacina indiana Covaxin para o Ministério da Saúde. Suspeitas de superfaturamento, favorecimento e outras irregularidades em relação ao contrato estão no centro de um escândalo que envolve o presidente Jair Bolsonaro, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), o ex-diretor de logística do Ministério da Saúde Roberto Dias, o ex-secretário-executivo da pasta coronel Élcio Franco, entre outros personagens.

“Existia a expectativa de que o valor da vacina chegasse a US$ 10. Não sei porque colocaram que custava US$ 10, porque não foi ofertado este valor. Existia expectativa. É mentira [a ata da reunião]”, disse Medrades, que afirmou que o preço de US$ 15 foi determinado pelo laboratório indiano Bharat Biotech, não pela Precisa, que intermediou o negócio.

O preço da Covaxin é um dos principais pontos investigados pela CPI, já que o imunizante foi comprado por um preço bem acima do de outras vacinas adquiridas pelo ministério e sequer havia concluído os estudos de fase 3 à época das negociações, tampouco sido aprovado pela Anvisa. Medrades classificou a versão do Ministério da Saúde como “equivocada”.

Imbróglio das invoices

Apesar de ter desmentido a ata da reunião elaborada pelo Ministério da Saúde, tentando proteger a Precisa, Medrades alinhou algumas de suas falas à versão do governo no caso das invoices, contando uma versão alinhada a versões do Planalto sobre o caso.

Emanuela Medrades disse que a primeira versão da invoice da Covaxin foi enviada ao Ministério da Saúde no dia 22 de março, não em 18 de março, como afirmaram o consultor técnico da pasta William Santana e o servidor Luís Ricardo Miranda. Diante da contradição, os senadores discutiram a possibilidade de acareação entre a diretora e Santana.

“Provei e provo mais uma vez que essa invoice só foi enviada no dia 22 [de março]. Desafio William Amorim e Luís Ricardo Miranda a provarem que receberam dia 18, porque eles não vão conseguir. Estou disposta inclusive a fazer uma acareação”, disse a diretora da Precisa.

No entanto, declaração da própria Emanuela, proferida em 23 de março, contraria tal versão. Em imagens gravadas durante audiência virtual com senadores, Medrades afirmou que o envio da invoice aconteceu “na última quinta-feira”, data que corresponde ao dia 18 de março.

Ao ser questionada sobre essa contradição, a diretora da Precisa disse que “não estava sendo detalhista” na fala e reafirmou que encaminhou a primeira invoice no dia 22 de março.

A nova versão de Medrades também está mais alinhada à fala do secretário-geral da Presidência, Onyx Lorenzoni, que afirmou serem falsos os documentos apresentados pelos irmãos Miranda e que a primeira fatura foi enviada pela empresa em 22 de março.

A primeira invoice foi emitida pela Madison Biotech, empresa com sede em Cingapura e que não aparecia no contrato do ministério com a Precisa. O documento, segundo Miranda e Santana, também apresentava outras irregularidades, como números contraditórios e vagos, erros de inglês e um pedido de pagamento antecipado para a Madison Biotech, que estava sediada em um paraíso fiscal. Os erros seriam indícios de um esquema de corrupção no negócio.

 
As datas das invoices são consideradas cruciais, já que a natureza desse documento foi citada pelos irmãos Miranda para embasar a denúncia que eles alegam ter apresentado ao presidente Jair Bolsonaro em 20 de março sobre problemas no contrato para a compra da Covaxin. Os irmãos Miranda afirmam que Bolsonaro prometeu investigar o caso, mas nada foi feito. A denúncia acabou servindo de base para um inquérito por suspeita de prevaricação contra Bolsonaro.

Em depoimento à CPI da Pandemia, os irmãos Miranda também afirmaram que houve “pressão atípica” de altos membros do Ministério da Saúde para acelerar a liberação da compra da vacina.

Mais suspeitas

A diretora também foi questionada pelos senadores sobre repasse de R$ 1 milhão, feito em duas etapas, em 17 e 23 de fevereiro, pela Precisa para a Câmara de Comércio Índia-Brasil, às vésperas da assinatura do contrato para a venda da Covaxin. As transferências foram realizadas pouco antes de o negócio com o Ministério da Saúde ser concluído, em 25 de fevereiro. Medrades afirmou desconhecer as transações financeiras.

Em momento da sessão da CPI, Emanuela Medrades confirmou que o Ministério da Saúde não questionou a Precisa sobre as relações da empresa com a Global, companhia que faz parte do grupo societário da Precisa. A Global é acusada de ter dado um calote no ministério em 2017, em negócio envolvendo o recebimento antecipado de R$ 20 milhões por medicamentos não entregues.

A diretora também se negou a informar à CPI qual seria a margem de lucro destinada à Precisa na intermediação da venda de vacinas ao governo brasileiro. A transação envolvia 20 milhões de doses, com custo final de R$ 1,6 bilhão.

Originalmente, o depoimento de Emanuela Medrades estava marcado para terça-feira (13), mas diante de sua insistência em permanecer calada a sessão serviu para os parlamentares tentarem esclarecer os limites do direito do inquirido ao silêncio.

Na noite de terça-feira, após o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Luiz Fux, afirmar que os senadores são livres para avaliar se o depoente abusa do direito de permanecer em silêncio, a sessão foi retomada, mas por poucos minutos. Desta vez, Medrades alegou que estava “exausta”. O presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), decidiu retomar a sessão nesta quarta-feira.

O nome de Medrades aparece em várias trocas de e-mails entre a Precisa e o Ministério da Saúde. A CPI já aprovou a quebra dos sigilos telefônico e telemático da diretora.

Nesta quarta, um dia após alegar “exaustão” e evitar responder a todas as perguntas, Emanuela Medrades adotou tom combativo e por vezes incisivo com os senadores, semelhante ao usado pelo general Eduardo Pazuello em maio passado.

A CPI pretendia tomar o depoimento do sócio-diretor da Precisa Medicamentos, Francisco Maximiano, logo após o depoimento de Emanuela Medrades, mas o presidente do colegiado disse não haver tempo para ouvir ambos no mesmo dia. De tal modo, o depoimento de Maximiano acontecerá em agosto. (Com agências de notícias)


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