Quem nunca foi quer voltar

(*) Carlos Brickmann

Tanto Sergio Moro quanto os militares que acreditavam que derrotar o PT era o caminho para eliminar a corrupção no Brasil ouviram a mesma história: venha com Bolsonaro e terá carta branca para fazer o que for necessário. Eles acreditaram, coitados. O general Santos Cruz, com aquela imutável cara de bravo, revelou-se tão ingênuo quanto o sorridente Mandetta, ambos convencidos de que ser amigos de Bolsonaro há décadas era garantia de que as promessas seriam cumpridas. Mandetta, médico, tropeçou num problema ideológico: a cloroquina. Moro, juiz com fama de justiceiro, e os militares que achavam que corrupção era coisa só do PT, escorregaram na mesma casca de banana: a rachadinha. Caíram. Sobraram os generais tipo Pazuello (“meu gordinho”, como o definia Bolsonaro) e um superministro beeeem flexível, Paulo Guedes. Bolsonaro só precisa tomar um cuidado com o Posto Ipiranga: se disser “vamos juntos”, Guedes senta-se e aguarda novas ordens.

Boa parte do pessoal que o presidente descartou se junta agora em torno de Moro, tentando vender na campanha um bolsonarismo sem Bolsonaro. Os fardados e os sem farda acreditam que com Moro poderão agir livremente. E se enganam de novo: um juiz tão cheio de si que orientava promotores só vai permitir a seus auxiliares que optem entre o “sim, senhor” e o “é para já, Excelência”. Cada um fará aquilo que tiver vontade de fazer, desde que seja autorizado pelo presidente Moro. Haverá mais compostura, claro. E só.

O que dizem

E ninguém imagine que a linguagem de hoje vá melhorar muito. Quem é capaz de chamar “cônjuge” de “conge” ainda pode piorar muito.

Tempo, tempo

Moro tem chances? As pesquisas de hoje dizem que sim. Mas as eleições não serão realizadas hoje. Teremos um bom tempo de campanha. O Auxílio Brasil começa a entrar no bolso de alguns milhões de eleitores, beneficiando Bolsonaro; Lula tem muito a explicar aos eleitores – e, embora não haja nada de novo, e muita gente ache que as acusações perderam o efeito, é preciso esperar para saber se relembrar histórias mal contadas vai ou não tirar alguns de seus votos. Moro também vai achar dificuldades no caminho. Há diversas coisas que podem acontecer: Alckmin, por exemplo, tem seus votos. Se sair como vice de Moro ou de Lula, pode desequilibrar uma campanha empatada. É preciso esperar. Fernando Henrique, que pensava em desistir da política por achar que não tinha votos nem para ser deputado federal, ganhou de Lula no primeiro turno. Quércia, que teria sido um candidato forte em 1989, esperou a eleição seguinte, e não teve votos nem para ameaçar os favoritos.

A hora do Brasil

Olaf Scholz, do Partido Social-Democrata, é o novo primeiro-ministro da Alemanha, no lugar que por 16 anos foi de Angela Merkel. A coligação que comanda tem forte presença do Partido Verde. E, não por acaso, um dos primeiros comentários oficiais após a posse se referiu ao Brasil. O sempre discreto embaixador alemão em Brasília, Heiko Thoms, avisou que irão aumentar as pressões para que o Brasil combata o desmatamento. Não pede muito: apenas que o país cumpra sua própria legislação em vigor, que proíbe o desmatamento ilegal. Thoms diz que ouviu de gente do Governo que haveria neste ano queda de 5% no desmatamento, “e de repente ficamos sabendo que em vez de queda houve um crescimento de 22%”.

Lembrança: o novo Governo alemão informou que só ratificará o acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia “se os países sul-americanos adotarem compromissos efetivos e verificáveis para proteger o meio-ambiente e os direitos humanos”. Que diz Bolsonaro sobre os temas citados?

As palavras do presidente

Bolsonaro, em sua live semanal, disse que a história do desmatamento da Amazônia “é a mesma xaropada de sempre”. Há anos, conta, leu que em 2010 a Amazônia seria uma imensidão de areia. “Em 2010 não aconteceu nada disso. Em 2021 não aconteceu nada disso também. Mas olha a matéria de agora: ‘Amazônia está perto de ponto irreversível e pode virar deserto’”. Bolsonaro admite práticas irregulares na Amazônia. Que é que propõe para que sejam combatidas? “Tem desmatamento ilegal? Tem. É só outros países não comprarem madeira nossa, é simples. Tem queimada ilegal? Tem, mas não é nessa proporção toda que dizem aí”.

Nosso orgulho

O jurista José Paulo Cavalcanti Filho, o maior conhecedor mundial da vida e obra do poeta Fernando Pessoa (a quem biografou), colaborador de nosso site Chumbo Gordo, foi eleito para a Academia Brasileira de Letras. Dá um tremendo orgulho escrever a seu lado. Parabéns ao Zé Paulo pela eleição. E parabéns à Academia Brasileira de Letras por ter alguém como ele ocupando uma de suas cadeiras.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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