Amargas verdades

(*) Carlos Brickmann

Sergio Moro entra na campanha fazendo barulho: diz que não podia ficar no Governo Bolsonaro porque o presidente não tinha compromisso com o combate à corrupção. Bem, o próprio Moro sabia, antes de tomar posse, que Bolsonaro não queria ver o filho 01 em dificuldades por causa das rachadinhas. Tomou posse, viu seu “projeto anticrime” virar pó no Congresso, enquanto Bolsonaro fingia que não via nada, concordou com a atitude do presidente de mudar o diretor-geral da Polícia Federal (e ainda o ajudou, propondo os nomes que seria mais fácil defender).

Moro só saiu quando Bolsonaro já tinha botado a vassoura atrás da porta e apenas faltava chutá-lo para fora. E Lula, outro adversário? Foi, disse Moro, condenado num processo justíssimo, sem irregularidades. OK, mas não é essa a opinião do Supremo. Nem é isso que transparece das conversas relatadas pela equipe do The Intercept sobre conversas que ele teria tido com os procuradores que cuidavam da acusação.

A propósito dos bilhões de que tanto se falou, devem mesmo existir, tanto que muitos foram devolvidos. Mas o pessoal da República de Curitiba também se preparava para receber alguns bilhões, com os quais, diziam, poderiam enfrentar a corrupção com mais conforto – combater à sombra, já dizia Leônidas, dos 300 de Esparta, é melhor.

Moro acusou adversários, corretamente, de fazer coisas terríveis; mas comete pecados às vezes parecidos. Moro não é Bolsonaro, sabe usar os talheres. Moro não é Lula e não encontrará uma equipe tão boa quanto a do PT para se enturmar com banqueiros, ditadores subdesenvolvidos e empresários dispostos a tudo. Mas não deve se arriscar a, olhando uma foto, perguntar quem é aquele sujeito horroroso no fundo. Pode ser ele.

Por que reclama?

Bolsonaro conversou com bolsominions no cercadinho e falou do sacrifício de ser presidente e não poder nem tomar um caldo de cana na rua. Mas não é o único que tem esse problema. Lula também gosta e não pode.

Educação de novo

Num aspecto, Sergio Moro deu lição de comportamento: civilizadamente, cumprimentou João Doria Jr. pela vitória na prévia do PSDB, e deixou claro que está pronto a conversar com adversários para formar uma chapa forte, que una vários partidos e seja capaz de derrotar tanto Bolsonaro quanto Lula. Simone Tebet, do MDB, e Rodrigo Pacheco, do PSD, também estão na sua agenda de conversas.

Educadamente, cumprimentou também o governador gaúcho Eduardo Leite, que perdeu a prévia para Doria, “pelo bom combate”. Doria tem viagem marcada para Nova York e a conversa com Moro ocorrerá tão logo volte a São Paulo. Ambos querem liderar a chapa de centro; ambos gostariam de ter o outro como vice. Doria também se mostrou civilizado após a vitória: elogiou Eduardo Leite, falou numa “possível aliança” com Moro, declarou sua admiração por Simone Tebet e Rodrigo Pacheco.

É agradável ouvir adversários que lutam pelo mesmo objetivo ser gentis uns com os outros. E já estávamos esquecendo que educação é possível.

Casamento

Ontem a movimentação política foi intensa: Bolsonaro entrou no PL, base do Centrão, pelas mãos do presidente do partido, Valdemar Costa Neto. Sem problemas: todos convenientemente esqueceram a frase famosa do general Augusto Heleno no Congresso (“se gritar Pega, Centrão/não fica um, meu irmão”), houve preces de dois pastores, Marcos Pereira, de outro partido, e Marco Feliciano.

Buscou-se um clima religioso na cerimônia, com pastores evangélicos, abundantes citações (em vão) do Senhor. Não seria necessário: boa parte dos presentes ao “casamento” (palavra usada pelo presidente) entre Valdemar Costa Neto e Bolsonaro é praticante da Oração de São Francisco, “é dando que se recebe”. E, claro, “é perdoando que se é perdoado”.

Os objetivos

Claro que tanto Bolsonaro quanto Valdemar querem ganhar as eleições presidenciais. Mas, se não ganharem, tudo bem: Valdemar quer aumentar as bancadas na Câmara e no Senado, de maneira que, seja qual for o presidente, seja obrigado a negociar com ele para poder governar. Bolsonaro tem como alvo uma grande bancada no Senado, que o proteja de eventuais problemas legais e lhe garanta o comando da direita extremada.

Valdemar parece saber o que faz. Bolsonaro, nem tanto: sem Diário Oficial, sem Ministérios e altos cargos para negociar, corre o risco de logo ficar sem bancada nenhuma, por mais parlamentares que contribua para eleger. Não dá para esquecer que Valdemar Costa Neto apoiou os governos de Lula, Dilma e Temer; e apoiará Moro, sem problemas, desde que não queiram prendê-lo de novo.

Os bolsonaristas

Entre os bolsonaristas que quer eleger para o Senado, Bolsonaro tem especial cuidado com os fiéis entre os fiéis: Luciano Hang, da Havan, e os ministros Tarcísio de Freitas, da Infraestrutura, Tereza Cristina, da Agricultura, Fábio Faria, de Comunicações, Onyx Lorenzoni, do Trabalho, Gilson Machado, do Turismo, e o xodó do presidente, Rogério Marinho, Desenvolvimento Regional.

Pois é: Tarcísio, por exemplo, foi alto funcionário do Governo de Dilma. O pessoal é fiel enquanto sente que vale a pena ser fiel. E o Senado é quem decide processos contra autoridades.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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