Parecer Jurídico sobre os direitos de crianças e adolescentes portadores de Transtorno de Espectro Autista (TEA) no direito brasileiro vigente

 
Autores:

Gisele Leite Professora universitária há três décadas. Mestre em Direito. Mestre em Filosofia. Doutora em Direito. Pesquisadora – Chefe do Instituto Nacional de Pesquisas Jurídicas. Presidente da Seccional Rio de Janeiro, ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional. Vinte e nove obras jurídicas publicadas. Articulistas dos sites JURID, Lex Magister. Portal Investidura, Letras Jurídicas. Membro do ABDPC – Associação Brasileira do Direito Processual Civil. Pedagoga. Conselheira das Revistas de Direito Civil e Processual Civil, Trabalhista e Previdenciária, da Paixão Editores – POA -RS.

Ramiro Luiz Pereira da Cruz. Advogado, Pós-Graduado em Direito Processual Civil. Articulista de várias revistas e sites jurídicos renomados. Vice-Presidente da Seccional Rio de Janeiro da ABRADE – Associação Brasileira de Direito Educacional.

Do Relatório

O presente parecer aborda o caso concreto noticiado por Ucho.Info. postada em 18.02.2022 que noticia maus-tratos a criança com deficiência em escola no Maranhão, ocorrido na cidade de São Luís, onde a criança passou a apresentar resistência em ir às aulas que frequentava na Escola Crescimento. A criança frequentava a referida escola desde os dois anos e sete meses de idade. Trata-se de instituição de ensino particular, mas, que tem o dever de respeitar integralmente todas as normativas existentes particularmente as do Direito Educacional vigentes no país.
Convém ressaltar que em face da federação brasileira, os Estados e os Municípios não dispõem de plena autonomia para dispor sobre sua organização, inexistindo, portanto, liberdade absoluta nem plenitude legislativa no tocante a matéria.

De fato, a Constituição Federal Brasileira é a sede de normas centrais que confere homogeneidade aos ordenamentos parciais constitutivos do Estado federal, quer seja no plano constitucional, no domínio das Constituições Estaduais, seja na área subordinada à legislação ordinária.
Assim, com fulcro na Lei 12.764/2012 que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista, e que estabeleceu diretrizes para sua concretização, em seus dispositivos, a saber: art.3º São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I. a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer. (…)

Art. 4º A pessoa com transtorno do espectro autista não será submetida a tratamento desumano ou degradante, não será privada de sua liberdade ou do convívio familiar nem sofrerá discriminação por motivo de deficiência. (grifo nosso).
Conclui-se, ipso facto, que cabe ao Poder Público assegurar efetivamente o direito à saúde e ao bem-estar de todos os portadores desse transtorno, como garantia de direito à vida.

Convém, ressaltar que se trata de Parecer jurídico opinativo, tecendo considerações de ordem técnico-opinativo. Nesse sentido, o Supremo Tribunal Federal que, de forma específica, já expôs seu entendimento, in verbis:

“O parecer emitido por procurador ou advogado de órgão de Administração Pública não é ato administrativo. Nada mais é do que opinião emitida pelo operador do direito, opinião técnico-jurídica, que orientará o administrador na tomada da decisão, na prática do ato administrativo, que se constitui na execução ex officio da lei. Na oportunidade do julgamento, porquanto envolvido na espécie simples parecer, isto é, ato opinativo que poderia ser, ou não considerado pelo administrador”.(Mandado de Segurança 24.584-1. Distrito Federal. Relator Ministro Marco Aurélio de Mello – STF).

As crianças com TEA apresentam alterações na comunicação, interação social e comportamental e, assim, existem diversos desafios para sua inclusão em diferentes espaços sociais. Passaremos analisar as leis que garantem a educação e a inclusão das crianças portadoras de TEA no ensino regular. Aliás, é previsto no texto constitucional vigente e também em normas infraconstitucionais, que a educação é direito de todos, sem distinções, como garantia de concretização do princípio da dignidade da pessoa humana que é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, conforme artigo 1º, II da CFRB/1988, inerente à República Federativa do Brasil.

O brilhante doutrinador Ingo Wolfgang Sarlet (2001) bem define a dignidade humana, in litteris:

“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.”

Frise-se que a dignidade da pessoa humana, em sendo um fundamento da República, a essa categoria erigido por ser um valor central do direito ocidental que preserva a liberdade individual e a personalidade, portanto, um princípio fundamental, alicerce de todo o ordenamento jurídico pátrio, não há como ser mitigado ou relativizado, sob pena de gerar a instabilidade do regime democrático, o que confere ao dito fundamento caráter absoluto.

Infelizmente, em nosso país, é sabido que o acesso à educação inclusiva e de qualidade aos portadores de TEA é tarefa hercúlea, tendo em vista os inúmeros obstáculos para sua consumação e, somente através da luta de familiares dessas crianças, que esses direitos se tornam possíveis.

No Brasil, existem várias leis que protegem as pessoas com deficiências tal como a Lei 12.764/2012, Lei 7.85/1989, Lei 8.899/1994. Além da Lei de Inclusão, a Convenção de Direitos da Pessoa com Deficiência e a Carta dos Direitos para pessoas com autismo de 1992.

É primordial entender que a escola inclusiva é aquela que abre espaço para todas as crianças, incluindo as que apresentam necessidades especiais. É um direito do autista e de seus familiares e um dever da escola, a qual a família busca matricular essa criança. Infelizmente, ainda existe grande resistência na inclusão de autistas nas escolas de ensino regular, apesar da garantia à lei, à igualdade e à inclusão escolar sejam patentes e positivadas, mas, não são suficientes.

Pois, faltam condições estruturais que se referem tanto aos aspectos físicos (equipamentos e materiais pedagógicos, por exemplo) como os recursos humanos (acesso aos programas de formação continuada e o apoio de profissionais de educação especializados).

Mas, repise-se que a educação é um direito de todos, sem distinção. Afinal, a inclusão de pessoas com autismo, partindo de uma justificativa jurídica de políticas de inclusão, na qual a Constituição da República Federal do Brasil de 1988 buscou alcançar a universalização do ensino, conforme define o seu artigo 6º, que aponta que a educação como direito fundamental social, reconhecido também no artigo 205 do mesmo diploma legal como um direito de todos e dever do Estado e da família que tenciona o pleno desenvolvimento da pessoa seu preparo para exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

A escola deve ser inclusiva além de aperfeiçoar a convivência em comunidade, de forma que seja livre de preconceitos, discriminações e rejeições. À luz do princípio da igualdade material, onde se trata de forma desigual pessoas que se encontram em condições desiguais e, em conformidade de suas desigualdades, também da dignidade da pessoa humana que é algo pertencente ao ser humano, algo atrelado a este, que ninguém pode subtrair, bem como, do princípio da inclusão que parte do direito de todos à educação, independentemente das diferenças individuais.

O autismo é conhecido como uma alteração que provoca um distanciamento da criança do mundo exterior, ficando sempre centrado em si mesmo, o que indica sérias perturbações nas relações afetivas. É uma síndrome que causa alterações na capacidade de interação social, no qual provocam sinais e sintomas como desarmonia na fala, prejuízo na forma de expressar ideias e sentimentos, e ainda apresentam comportamentos incomuns como não gostar de interagir, ficar agitado ou repetir movimentos incessantemente.

Sendo um Transtorno do Neurodesenvolvimento, sendo o Transtorno do Espectro Autista (TEA) uma categoria diagnóstica que pode ser definida em leve, moderada ou severa.

O termo ‘‘autismo’’ deriva do grego “autos”, que significa “por si mesmo”. Essa palavra foi usada pela primeira vez pelo psiquiatra Eugen Bleuler em 1908, para descrever um paciente esquizofrênico que se isolava em seu próprio mundo.

Embora o autismo tenha um número relativamente grandioso de ocorrência, somente no ano de 1993 foi inserido na Classificação Internacional de Doenças da Organização Mundial da Saúde. Já em 2008, no dia 2 de Abril foi instituído pela ONU como o Dia Mundial de Conscientização do Autismo.

Atualmente, acredita-se que o causador do autismo é uma base genética, hereditária, em que os pais passam para os filhos uma mutação nova, em que aparece somente na criança.

O artigo 1° da Declaração Universal da ONU, de 1948 diz que “todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. Dotados de razão e consciência, devem agir uns para com os outros em espírito e fraternidade”. Já a Constituição Federal de 1988 consagrou a dignidade humana como princípio fundamental da República Federativa do Brasil.

Deste modo, exige-se que todas as instituições públicas e privadas, devam observar esse princípio no qual é uma qualidade intrínseca ao ser humano, algo inseparável que ninguém nunca pode retirar. Então, se conclui que as pessoas com espectro autista têm o direito de uma vida com dignidade, que é inerente a eles. Conforme o magistério de Moraes (2005, p. 129):

“A dignidade da pessoa humana é um valor espiritual e moral inerente à pessoa, que se manifesta, singularmente, na autodeterminação consciente e responsável da própria vida e que traz consigo a pretensão ao respeito por parte das demais pessoas, constituindo-se um mínimo invulnerável que todo estatuto jurídico deve assegurar, de modo que, somente excepcionalmente, possam ser feitas limitações ao exercício dos direitos fundamentais, mas sempre sem menosprezar a necessária estima que merecem todas as pessoas enquanto seres humanos”.
As pessoas com autismo têm os mesmos direitos, previstos na Constituição Federal de 1988 e outras leis do país, que são garantidos a todas as pessoas, também tem todos os direitos previstos em leis específicas para pessoas com deficiência (Leis 7.853/89, 8.742/93, 8.899/94, 10.048/2000, 10.098/2000, entre outras) e bem como em normas internacionais assinadas pelo Brasil.

A Lei nº 12.764 de dezembro de 2012, foi sancionada pela presidente Dilma Rousseff e institui a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro Autista (TEA) e as garantias, de configuração própria para a sua efetivação. Foi, sem dúvida, um marco decisivo em relação aos direitos do autista.

O dispositivo legal vai além de meramente estabelecer diretrizes para a proteção dessas pessoas, em seu parágrafo segundo ele determina que a pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência para todos os efeitos legais, tendo direito a todas as políticas de inclusão do país – entre elas, as de Educação: “§ 2ºA pessoa com transtorno do espectro autista é considerada pessoa com deficiência, para todos os efeitos legais”.

A Lei 12.764, a partir do seu artigo 3°, especifica uma série de direitos que são inerentes às pessoas com transtorno de espectro autista, importante salientar que muito destes já estavam elencados na Constituição da República e na legislação constitucional e agora na Lei 12.764 e na Lei 13.146/2015 (Estatuto da pessoa com deficiência).

In litteris:

Art. 3° São direitos da pessoa com transtorno do espectro autista:

I – a vida digna, a integridade física e moral, o livre desenvolvimento da personalidade, a segurança e o lazer;

II – a proteção contra qualquer forma de abuso e exploração;

III – o acesso a ações e serviços de saúde, com vistas à atenção integral às suas necessidades de saúde, incluindo:

a) o diagnóstico precoce, ainda que não definitivo;

b) o atendimento multiprofissional;

c) a nutrição adequada e a terapia nutricional;

d) os medicamentos;

e) informações que auxiliem no diagnóstico e no tratamento;

IV – o acesso:

a) à educação e ao ensino profissionalizante; […]

A vigente Constituição Federal brasileira, já alcunhada de Redentora, deixa patente em suas disposições a proteção das pessoas com deficiência seja no sistema de educação, no mercado de trabalho, na garantia de direitos previdenciários, dentre outros, e nesse sentido há o artigo 208, e seus incisos III e IV, in litteris:

Art. 208. O dever do estado com a educação será efetivado mediante a garantia de: […]

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino;

IV – acesso aos níveis mais elevados de ensino, da pesquisa e da criação artística, segundo a capacidade de cada um.

A Constituição vigente trata também sobre a educação no artigo 227, § 1º, inciso II, dispõe que:

Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.[…]

II-criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços coletivos, com a eliminação de obstáculos arquitetônicos e de todas as formas de discriminação.

A Constituição Federal também garante no seu artigo 203 a habilitação, a reabilitação e a integração de pessoas deficientes, e ainda garante um salário-mínimo mensal para quem não tiver como se manter ou ser mantido pela família.

O assunto educação também é abordado no Estatuto da Criança e do Adolescente – Lei 8.069/90 (ECA). O artigo 54, diz que:

É dever do Estado assegurar à criança e ao adolescente:

I – ensino fundamental, obrigatório e gratuito, inclusive para os que a ele não tiveram acesso na idade própria;

II – progressiva extensão da obrigatoriedade e gratuidade ao ensino médio;

III – atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Foram definidos na Resolução do Conselho Nacional de Educação. CNE nº4/2009 nesses termos:

“Alunos com deficiência são aqueles que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, intelectual, mental ou sensorial [já os] alunos com transtornos globais do desenvolvimento [são os que] apresentam um quadro de alterações no desenvolvimento neuropsicomotor, comprometimento nas relações sociais, na comunicação ou estereotipias motoras. Incluem-se nessa definição alunos com autismo clássico, síndrome de Asperger, síndrome de Ret, transtorno desintegrativo da infância (psicoses) e transtornos invasivos sem outra especificação [e,os] alunos com altas habilidades/superdotação [são] aqueles que apresentam um potencial elevado e grande envolvimento com áreas de conhecimento humano, isoladas ou combinadas: intelectual, liderança, psicomotora, artes e criatividade” (CNE, 2009, p. 1).

Convém, indicar que é cabível a punição administrativa para gestor escolar pelo descumprimento da lei.

O art. 7º da Lei 12.764 prevê punições de caráter administrativo para o gestor escolar ou autoridade competente que desaprova a matrícula de aluno com transtorno do espectro autista, ou qualquer outro tipo de deficiência e poderá ser punido por multa de 3 (três) a 20 (vinte) salários-mínimos.

O desacordo do gestor escolar ou autoridade competente à matrícula de pessoa com transtorno do espectro autista não pode se consistir no simples fato da falta de vagas ou até mesmo na falta de atendimento especializado, pois a jurisprudência tem entendido que os motivos acima não são suficientes para os entes públicos se furtarem a responsabilidade da educação inclusiva.

As escolas costumam afirmar que existe um limite de vagas para alunos especiais em cada turma, porém, não há fundamento legal que justifique tal afirmação. De fato, a lei não impõe esse limite e a jurisprudência também não o aceita. É o que se extrai de interessante julgado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, proferido em 08 de novembro de 2017:

APELAÇÃO – AÇÃO INDENIZATÓRIA – RECUSA NA MATRÍCULA DE CRIANÇA COM NECESSIDADES ESPECIAIS – NÚMERO MÁXIMO DE ALUNOS POR SALA –DANOS MORAIS VERIFICADOS – O Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/15) estabelece que a matrícula de pessoas com deficiência é obrigatória pelas escolas particulares e não limita o número de alunos nessas condições por sala de aula; – As provas dos autos denotam que havia vaga na turma de interesse da autora, mas não para uma criança especial, pois já teriam atingido o número máximo de 2 alunos por turma; – Em que pese a discricionariedade administrativa que a escola tem para pautar os seus trabalhos, a recusa em matricular a criança especial na sua turma não pode se pautar por um critério que não está previsto legalmente. A Constituição Federal e as leis de proteção à pessoa com deficiência são claras no sentido de inclusão para garantir o direito básico de todos, a educação; –

Não há na lei em vigor qualquer limitação do número de crianças com deficiência por sala de aula, a Escola ré sequer comprovou nos autos que na turma de interesse da autora havia outras duas crianças com deficiência – e também o grau e tipo de deficiência – já matriculadas, – Dano Moral configurado – R$20.000,00. RECURSO PROVIDO (TJSP – 30ª Câmara de Direito Privado. Processo: Apelação 1016037-91.2014.8.26.0100. Relatora: Maria Lúcia Pizzotti. Julgado em 08/11/2017) (Grifo nosso)

A Suprema Corte brasileira abordou sobre pessoas com deficiência no ensino regular no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 5357. Dessa forma, julgou constitucionais as normas do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146/2015), no que discorre de a exigência das escolas privadas acolherem pessoas com deficiência no ensino regular, bem como a adaptação destes no ambiente escolar e prover as medidas de adaptação necessárias sem que o ônus financeiro seja repassado às mensalidades, anuidades e matrículas.

Com a promulgação da Lei 12.764/2012 em 27 de dezembro, foi a primeira lei a considerar o autista como uma pessoa com deficiência e, entre os direitos alcançados está o de ter acompanhante especializado em sala de aula, conforme aduz o seu artigo 3º: “em casos de comprovada necessidade, a pessoa com transtorno do espectro autista incluída nas classes comuns de ensino regular, nos termos do inciso IV do art. 2°, terá direito a acompanhante especializado.”

Este dispositivo, em destaque, certamente é um grandioso passo para a educação inclusiva. Antes dessa lei, as pessoas com autismo não dispunham de legislação específica para que tivessem os seus direitos de acesso à educação assegurados.

A Lei 13.146/2015 que garante que os discentes com autismo, ou outro transtorno que exija tratamento especial, tenham acesso à escola. E, portanto, a instituição escolar deverá prover as adaptações que favoreçam o desenvolvimento da criança ao espaço em questão. E, também o fornecimento de material gratuito, caso necessário.

Lembremos que o ser humano enquanto ser social se desenvolve em contato com outras pessoas, e dessa forma, vai colaborando para o adequado desenvolvimento do autista bem como a superação de suas dificuldades.

Portanto, a existência do acompanhante faz-se essencial dentro do contexto escolar posto que atuará como facilitador de relações entre o discente e os demais alunos, não retirando o papel do professor, que deve atuar junto com acompanhante, desempenhando suas funções no procedimento de desenvolvimento do aluno.

O acompanhante não pode ser visto como babá, pois seu labor está voltado a prover independência do discente portador de TEA, para que ela, consequentemente, no futuro, alcance controlar suas emoções e realizar de forma mais fácil as atividades cotidianas.

A jurisprudência brasileira provê e reconhece plenamente o direito a não efetivação do direito à educação inclusiva, conforme abaixo:

EMENTA: DIREITO CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. REEXAME NECESSÁRIO. MENOR PORTADOR DE TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA. DIREITO A ACOMPANHAMENTO

ESPECIALIZADO NO HORÁRIO ESCOLAR. LEI 12.764/2012.I – O acesso à educação especificamente dos portadores de deficiência física, o inciso III do art.208 da CFRB/88 estabeleceu que é dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino. II – Dever do Estado de assegurar à pessoa com transtorno do espectro autista a frequência a sistema educacional inclusivo, com a presença de mediador, ou seja, será assegurado o acompanhamento especializado visando facilitar o acesso à educação, na forma do art. 3º, parágrafo único, da Lei 12.764/2012, que instituiu a Política Nacional de Proteção dos Direitos da Pessoa com Transtorno do Espectro. III – Sentença confirmada em sede de reexame necessário.

Conforme a decisão acima, que o acesso à educação especificamente dos portadores de deficiência física, conforme estabelece o inciso III do art. 208 da CFRB/88 é de dever do Estado fornecer atendimento especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino.

Apresentam-se casos reais e julgados no ordenamento jurídico brasileiro a respeito do tema, de maneira à desta forma efetivar os direitos e garantias fundamentais aos seres humanos, especialmente, aqueles que possuem uma necessidade maior.

TJ-BA – Agravo de Instrumento AI 00075487120178050000 (TJ-BA) Data de publicação: 26/02/2018. Ementa: AGRAVO DE INSTRUMENTO. PROCESSO CIVIL. PLANO DE SAÚDE. AUTORA PORTADORA TRANSTORNO DO ESPECTRO AUTISTA – TEA. NECESSIDADE DE TRATAMENTO CONTÍNUO. POSSIBILIDADE. DIREITO À SAÚDE. PREVISÃO CONSTITUCIONAL. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. RECURSO CONHECIDO E PROVIDO. O direito à saúde – objeto dos contratos de plano de saúde – foi erigido pela Constituição Federal à condição de direito fundamental, possuindo previsão constitucional nos seus arts. 6º e 196 . Não há de se olvidar que o princípio da dignidade da pessoa humana pode, e deve, diante do caso concreto, se sobrepor a qualquer norma jurídica, seja de natureza legal, seja de natureza contratual, quando restarem ameaçados direitos fundamentais, principalmente aqueles inerentes à saúde e, consequentemente, à vida, essenciais ao exercício dos demais direitos e garantias, assegurados no ordenamento jurídico pátrio. Nesse contexto, o Superior Tribunal de Justiça já consolidou o entendimento no sentido de ser plenamente possível o ajuizamento de demandas pleiteando todo o tratamento da enfermidade que acomete a autora, de forma a abarcar também os tratamentos futuros que o requerente vier a necessitar. (Classe: Agravo de Instrumento, Número do Processo: 0007548-71.2017.8.05.0000, Relator (a): Mário Augusto Albiani Alves Junior, Primeira Câmara Cível, Publicado em: 26/02/2018 ) (grifo nosso)

Há, portanto, garantias que possibilitam um acompanhamento e ao mesmo tempo uma melhora de vida, porém, para que um indivíduo portador do transtorno espectro autista consiga que seja efetivado há um desgaste familiar elevado, pois é sábio que a realidade não condiz com as normas dispostas que dão direitos aos portadores.

A Lei 8.069 – Estatuto da Criança e do Adolescente em seu artigo 54 menciona os deveres do Estado frente à educação das crianças e adolescentes, especificando em seu inciso III, o “atendimento educacional especializado aos portadores de deficiência, preferencialmente na rede regular de ensino”.

Em todas as etapas e modalidades da educação básica, o atendimento educacional especializado é organizado para apoiar o desenvolvimento dos alunos, constituindo oferta obrigatória dos sistemas de ensino. Deve ser realizado no turno inverso ao da classe comum, na própria escola ou centro especializado que realize esse serviço educacional.

A Lei nº 9.394/96 de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN) em seu Artigo 4º, no inciso III, diz que, a inclusão dos educandos com necessidades educacionais especiais sempre que possível deve ser na escola de ensino regular e ainda de forma gratuita. “Nesse processo, tem-se na rede pública a provisão do direito ao acesso ao ensino público, preferencialmente na rede regular de ensino, a toda e qualquer criança com necessidades educacionais especiais” (FONSECA, 2014, p. 26).

Corroborando no artigo 60 da Lei 9.394/96 em seu parágrafo único, fala sobre a importância do atendimento educacional especializado em parceria com o ensino regular, em que o mesmo vem a contribuir para melhor atender o sistema educacional dos indivíduos com necessidades educacionais especiais.

In litteris:

Art.60. Os órgãos normativos dos sistemas de ensino estabelecerão critérios de caracterização das instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em Educação Especial, para fins de apoio técnico e financeiro pelo Poder Público. Parágrafo único. O poder Público adotará, como alternativa preferencial, a ampliação do atendimento aos educandos com necessidades especiais na própria rede pública regular de ensino, independente do apoio às instituições previstas neste artigo”.

Então, o Poder Público oferece o atendimento aos educandos com necessidades especiais na rede pública para assim, garantir sua gratuidade e maior abrangência, de forma preferencial, mesmo apoiando as demais instituições que trabalham de forma exclusiva com a educação especial.

O MEC implementou o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade visando apoiar o trabalho inclusivo nas escolas, possibilitando a formação de gestores e professores para atuação inclusiva em todos os municípios brasileiros, para que assim, seja garantido a todos a escolarização, bem como, oferta do atendimento especializado e a acessibilidade garantida (BRASIL, 2001).

É possível perceber que o Programa Educação Inclusiva: direito à diversidade não só apoia a inclusão, mas atua intimamente com o trabalho pedagógico, apoiando a formação dos gestores atuantes nas escolas e professores, para que a inclusão seja efetivada e uma realidade plena.

Logo, a inclusão dos autistas nas escolas públicas é necessária, pois despertar nos educandos atitudes de solidariedade, pois tal “acordar” começa na escola, onde o indivíduo é orientado a trabalhar suas atitudes diante da sociedade.

Incluir não é só integrar […] Não é estar dentro de uma sala onde a inexistência de consciencialização de valores e a aceitação não existem. É aceitar integralmente e incondicionalmente as diferenças de todos, em uma valorização do ser enquanto semelhante a nós com igualdade de direitos e oportunidades. É mais do que desenvolver comportamentos, é uma questão de consciencialização e de atitudes (CAVACO, 2014, p. 31).

Diante de tal afirmação do que é o ato de incluir, é possível perceber que a inclusão envolve todo um processo, desde aceitar a matrícula até o desenvolvimento da consciência da importância da inclusão, sendo de conhecimento de todos. Para que haja a inclusão eficiente e não o simples inserir, deve-se estar preparado para receber e trabalhar com os autistas, para que não haja desrespeito no ambiente em que vive.

O trabalho escolar inclusivo não deve focar-se nas dificuldades apresentadas pelo indivíduo autista, mas em suas potencialidades, visto que estas proporcionam maior impacto para o trabalho de seu desenvolvimento.

A relação família-escola é de grande importância para o trabalho inclusivo, pois através de tal relacionamento é possível promover qualidade na inclusão, pois a comunicação da família junto à escola vem só a contribuir, contribuindo assim para o processo social dentro desses dois ambientes conjuntamente.

Embora os docentes sejam especializados na área, é de fundamental importância que a escola proporcione a capacitação dos mesmos, com formações continuadas adequadas às necessidades, pois o papel do professor é primordial para o processo de inclusão escolar. Logo, é necessário que os docentes se proponham a assumir tal desafio, pois todos são beneficiados com a inclusão.

A Lei 13.146 de 06/07/2015 foi criada para promover em igualdade de condições todos os direitos e liberdades fundamentais da pessoa com deficiência.

Não estamos cogitando, somente, de agressões, conforme está descrito nos artigos 4º e 5º desta mesma lei, a saber:

§ 2º Se qualquer dos crimes previstos no caput deste artigo é cometido por intermédio de meios de comunicação social ou de publicação de qualquer natureza: Pena – reclusão, de 2 (dois) a 5 (cinco) anos, e multa. (grifo nosso)

O crime de discriminação, físico, individual, virtual ou coletivo, pode e deve ser denunciado e punido para haver o desestímulo social na prática e proteger adequadamente a criança que é um ser humano em desenvolvimento.

Cabe ressaltar que essa sanção, apesar de ter caráter pedagógico-punitiva, deve ser efetiva, ou seja, fazer com que o agressor realmente reveja seus valores individuais, identifique suas as falhas de caráter e as corrija. Caso assim não seja, não passará de uma repreensão inodora, sem atingir os efeitos desejados, voltando tudo ao status quo… pura perda de precioso tempo.

É o parecer, diante do caso concreto noticiado por UCHO.INFO, disponível em: https://ucho.info/2022/02/18/caso-de-maus-tratos-a-crianca-com-deficiencia-em-escola-do-maranhao-precisa-ser-apurado-pelas-autoridades Acesso em 18.02.2022 que diante da materialidade delitiva, com comprovação pericial das lesões corporais sofridas pela criança, bem como prova testemunhal e, avaliação psicológica feita da criança, deverá a referida escola ser investigada e a punição será seu fechamento (pela crassa violação de todos os dispositivos legais vigentes que regulam a Educação no país), sem prejuízo dos demais discentes, que devem ser encaminhados aos serviços de amparo psicológico e social e, ainda, a outras instituições para não haver prejuízo na aprendizagem e em seu direito à educação.

Compete ao Ministério Público, ao Conselho Tutelar e a Justiça brasileira combater e coibir, com rigor, tais práticas lesivas à educação e à inclusão de pessoas portadoras de transtorno de espectro autista.

Alertamos que as consequências da violência escolar sofrida são muitas e profundas. Para a vítima da violência, se traduzem em evidente baixa autoestima, atitudes passivas, transtornos emocionais, problemas psicossomáticos, depressão, ansiedade, pensamentos suicidas etc., resultando em danos extrapatrimoniais e materiais sérios e, até de difícil reparação.

É necessário combater, com veemência, toda sorte de violência principalmente em ambiente escolar, que deve ser o propícia a inclusão dos discentes e à formação da cidadania brasileira.

Referências

ASSIS, Simone Gonçalves de. (Org.) Impactos da violência na escola: um diálogo com professores. Rio de Janeiro: Ministério da Educação/Editora FIOCRUZ, 2010. Disponível em: http://www.educadores.diaadia.pr.gov.br/arquivos/File/pdf/impactos_violencia_escola.pdf Acesso em 18.02.2022.

CNE. Conselho Nacional de Educação. Resolução nº. 04, de 02 de outubro de 2009. Institui as Diretrizes Operacionais para o atendimento educacional especializado na Educação Básica, modalidade Educação Especial. Diário Oficial da União, Brasília, 5 out. 2009.

CAVACO, N. Minha criança é diferente? Diagnóstico, prevenção e estratégia de intervenção e inclusão das crianças autistas e com necessidades educacionais especiais. Rio de Janeiro: Wak Editora, 2014.

CID-10 – Organização Mundial de Saúde; tradução Centro Colaborador da OMS para a Classificação de Doenças (em português). 8ª.ed – São Paulo: Editora da USP, 2000.

COSTA, Jéssica Cirqueira. A inclusão da criança com autismo na escola: a garantia de um direito fundamental. Disponível em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/53837/a-incluso-da-criana-com-autismo-na-escola-a-garantia-de-um-direito-fundamental Acesso em 19.02.2022.

FONSECA, B. Mediação escolar e autismo: a prática pedagógica intermediada na sala de aula. RJ: Wak Editora, 2014.

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