Adeus a um amigo querido, a um ser humano especial, a um profissional extraordinário

 
(*) Ucho Haddad

Brasília, 2003. Depois de vários anos longe do País, voltei à capital dos brasileiros. Iniciava uma nova etapa no jornalismo. Passei a viver em uma ponte-aérea entre Brasília e a cidade de São Paulo. Passava quatro dias lá, três aqui.

Meses depois, cansado do ir e vir, decidi mudar para Brasília mais uma vez. No Congresso Nacional, cobrindo política, logo fui recepcionado por um ser humano inenarrável, alma pura, bondade sem limite. Atencioso, prestativo, companheiro, comunicativo, elegante no trato com as pessoas. Era Dida Sampaio, fotógrafo dos bons – dos ótimos – e com um olhar apurado de fazer inveja. Nosso convívio quase diário foi um enorme privilégio.

Dida começou abrir espaço para que eu pudesse me enturmar de novo. Fez isso sem me conhecer. Esse era o Dida, Francisco de Assis Sampaio. Com nome de santo, Dida não poderia ser diferente. Era um franciscano de fato e de direito, como pessoa, como profissional.

No Congresso, correndo atrás de informações para alimentar o site, eu tinha jornada tripla: apurava os fatos, escrevia a matéria e fotografava. Na verdade, voltei a fazer o que me foi imposto no começo da carreira – imagem e texto –, no final da década de 70.

Em CPIs, nos plenários do Congresso, no Palácio do Planalto, em ministérios, Dida sempre tinha uma palavra de acolhimento, algo que transcendia o mero e formal cumprimento. Certa vez, no plenário de uma das muitas CPIs que cobrimos, Dida disse em tom de brincadeira que ao fotografar eu estava fazendo concorrência desleal. Respondi que suas palavras eram uma lisonja, especialmente para quem, naquele momento, dava os primeiros passos para retornar ao ofício de origem.

Dividimos espaços apertados nos “cercadinhos” das CPIs, dividimos bancadas no comitê de imprensa da Câmara dos Deputados. Nos encontrávamos várias vezes ao dia nos corredores e nos plenários da Câmara e do Senado. Dida sempre receptivo. Anos mais tarde, em 2009, voltei de vez para São Paulo, mas continuei indo a Brasília com frequência. Dida Sampaio estava lá, pronto para um abraço, para uma palavra gentil, para uma boa conversa.

Quando não estava em Brasília, costumava falar com Dida com regularidade. Queria saber como estava o fotógrafo que conseguia captar detalhes impressionantes da cena política nacional, que traduzia a notícia em uma só imagem. Imagens que tinham alma, sentimento, que falavam em meio à mudez estática. Algo inexplicável. Assim como outros excepcionais fotógrafos que conheci em Brasília e fazem com excesso de competência – o mestre Orlando Brito, Sérgio Lima, André Dusek, Alan Marques…

Em 3 de maio de 2020, Dida e Orlando Brito registravam imagens em frente ao Palácio do Planalto e foram agredidos por bolsonaristas enfurecidos, que enxergam a imprensa como adversária política. Estava em São Paulo e imediatamente telefonei para ambos – Dida e Orlando. Queria saber como estavam. Só consegui falar com os dois ao final do dia. Apesar da barbárie e do susto, estavam bem.

No dia 8 de fevereiro passado, dia do aniversário do Orlando, apanhei o celular para cumprimentá-lo, como sempre fiz. Fui surpreendido por uma mensagem de áudio em que Orlando afirmava ter saído de uma cirurgia “complexa e complicada”.

Dois dias depois, 10 de fevereiro, Dida Sampaio me telefonou. Perguntei sobre a saúde do Orlando, conversamos sobre a vida e o risco que representa fazer jornalismo político no Brasil de hoje. Antes de terminar a conversa, Dida disse que tinha a nossa amizade como algo importante. Disse-lhe o mesmo. Nossa conversa foi tão leve, mesmo comentando sobre questões de saúde de cada um, que chegamos a falar sobre melancia.

Ao se despedir, Dida disse “quando se planta no azul, tudo dá certo”. A frase me intrigou, mas decidi não perguntar sobre o significado. Dida era homem de muita fé, assim como eu. Confesso que por algumas horas a tal frase me deixou inquieto.

No dia 15, enviei mensagem ao Dida perguntando sobre o quadro de saúde de Orlando Brito, que continua internado em Brasília em processo de recuperação. Orlando me ensinou muito sobre fotojornalismo e foi responsável pela compra da minha mais recente câmera fotográfica. Por isso o chamo de “mestre”, até porque ele é um mestre.

Dida não respondeu. Estava internado, deveria passar por cirurgia para “alargar uma artéria craniana”, segundo me informou uma de suas filhas. A partir desse dia, Sérgio Lima, baita fotógrafo, do quilate dos dois, fez a gentileza de me informar sobre o Dida e o Orlando.

Hoje, fui à ótica buscar os óculos com lentes mais fortes. Já não conseguia ler mensagens no celular. Voltando para casa, recebo uma mensagem do Sérgio. Foi o primeiro teste para os novos óculos.

“Dia triste em Brasília. O Dida faleceu”, escreveu Sérgio Lima. Chocado com a mensagem, logo pensei que as lentes dos óculos não estavam cumprindo o devido papel. Parado no caótico trânsito de São Paulo, permaneci incrédulo, como estou até agora. Imediatamente telefonei para a jornalista Marli Gonçalves, minha amiga de todas as horas, principalmente das mais difíceis, amiga do Dida.

Ao dizer “quando se planta no azul, tudo dá certo”, ele estava se despedindo de fato. Dida, queridíssimo amigo, muito obrigado por tudo. Obrigado por permitir desfrutar da sua amizade, do seu talento, da sua bondade. Vá em paz e que Deus, seu parceiro de sempre, o receba com as devidas glórias e honras. Levarei no coração a nossa última conversa, as curtidas que você deu nas minhas fotos (quanta honra). Nos encontraremos no “azul”! [Foto do destaque: Arquivo pessoal / Dida Sampaio]

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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