Gravações apontam que o governo teria oferecido cargos em troca da morte de Adriano da Nóbrega

 
Na última sexta-feira (1), o ex-ministro Tarcísio Gomes de Freitas (Infraestrutura), pré-candidato de Jair Bolsonaro ao governo de São Paulo, disse em entrevista que a polícia paulista tem um pacto com o crime organizado.

Por razões óbvias e em nome do bom jornalismo, o UCHO.INFO publicou matéria na edição de segunda-feira (4) afirmando que Freitas é mais um bolsonarista a viver à margem da realidade, pois sequer considera a relação do clã presidencial com o miliciano Adriano Magalhães da Nóbrega, assassinado em 9 de fevereiro de 2020, na Bahia.

Na matéria, afirmamos que o ex-ministro também ignora o fato de que as contas bancárias de Adriano da Nóbrega serviram para abastecer o esquema criminoso das “rachadinhas”, instalado no então gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj e sob a responsabilidade de Fabrício Queiroz, que admitiu o recolhimento de parte dos salários dos servidores.

Nesta quarta-feira (6), o jornal “Folha de S.Paulo” divulgou trechos de escuta telefônica realizada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro em 2020, com autorização da Justiça, em que uma irmã de Adriano afirma que o Palácio do Planalto ofereceu cargos comissionados em troca da morte do ex-capitão da Polícia Militar fluminense.

Na gravação, Daniela Magalhães da Nóbrega afirma a uma tia, dois dias após a morte do irmão, que ele soube de uma reunião envolvendo seu nome no Palácio do Planalto e do desejo de que se tornasse um “arquivo morto”.

“Ele já sabia da ordem que saiu para que ele fosse um arquivo morto. Ele já era um arquivo morto. Já tinham dado cargos comissionados no Planalto pela vida dele, já. Fizeram uma reunião com o nome do Adriano no Planalto. Entendeu, tia? Ele já sabia disso, já. Foi um complô mesmo”, disse ela na gravação.

Procurados, o Palácio do Planalto e a defesa de Daniela da Nóbrega não se posicionaram sobre o conteúdo das escutas telefônicas.

Um dos fundadores do grupo de matadores de aluguel conhecido como “Escritório do Crime”, Adriano foi morto no interior da Bahia após mais de um ano foragido sob acusação de comandar a maior milícia do Rio de Janeiro, além de participação no esquema das “rachadinhas”, como citado acima.

A gravação faz parte das escutas realizadas pela polícia no âmbito da Operação Gárgula, que tinham na mira o esquema de lavagem de dinheiro e a estrutura que garantiu a fuga de Adriano por tanto tempo. Não obstante, Adriano conseguiu emplacar a mãe e a então esposa como servidoras do gabinete de Flávio Bolsonaro.

 
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Por mais de um ano a polícia ouviu conversas de familiares, amigos e comparsas do ex-PM. Daniela não é acusada de envolvimento nos crimes imputados ao irmão.

A fala sobre o Palácio do Planalto foi feita em conversa com uma tia dois dias depois da morte de Adriano, em suposto confronto com policiais militares no interior da Bahia, mas tudo indica que tratou-se de uma execução para “queima de arquivo”, como suspeita a família, mas até o momento nada nesse sentido foi comprovado.

“Ele falou para mim que não ia se entregar porque iam matar ele lá dentro. Iam matar ele lá dentro. Ele já estava pensando em se entregar. Quando pegaram ele, tia, ele desistiu da vida”, disse Daniela.

Minutos depois, a mesma tia, cujo nome não foi identificado, comenta com Tatiana, outra irmã de Adriano: “Daniela sabe de muita coisa, hein?”

As suspeitas sobre as circunstâncias da morte de Adriano foram levantadas pelo próprio presidente Jair Bolsonaro, dias após a ocorrência na Bahia. Ele e Flávio defenderam a realização de perícia independente para analisar o caso.

Na ocasião, a manifestação do presidente da República mereceu elogio de Tatiana em outra conversa. “Ele foi nos jornais e colocou a cara. Ele falou: ‘Eu estou tomando as devidas providências para que seja feita uma nova perícia no corpo do Adriano’. Porque ele só se dirige a ele como Adriano, capitão Adriano.”

Tatiana, por sua vez, sugere na conversa que a ordem para matar o irmão foi do ex-governador Wilson Witzel. “Foi esse safado do Witzel, que disse que se pegasse era para matar. Foi ele.”

As escutas apontam que, na avaliação da família, Adriano era acusado de integrar uma milícia apenas para vincular o presidente aos grupos paramilitares. Conversa telefônica gravada, Tatiana é enfática ao negar a acusação feita ao irmão, a quem classifica como bicheiro.

“Pessoal cisma que ele era miliciano. Ele não era miliciano não. Era bicheiro. […] Querem pintar o cara numa coisa que ele não era por causa de coisa política. Porque querem ligar ele ao Bolsonaro. Querem ligar ele a todo custo ao Bolsonaro”, disse.

“Aí querem botar ele como uma pessoa muito ruim para poderem ligar ao Bolsonaro. Aí já disseram que foi o Bolsonaro quem assassinou. Quando a gente queria cremar diziam que e a família queria cremar rápido porque não era o Adriano. Uma confusão”, completou.

 
Jair Bolsonaro tem vínculos com Adriano da Nóbrega pelo menos desde 2005, quando discursou na Câmara dos Deputados para criticar a condenação do então tenente da PM em razão da morte de um “flanelinha” durante operação policial.

Dois anos depois, em 2007, a então mulher do ex-PM, Daniella Mendonça, foi empregada no gabinete de Flávio Bolsonaro na Alerj. Em 2016, foi a vez da mãe de Adriano assumir um cargo no mesmo lugar. As duas também são acusadas de envolvimento no esquema da “rachadinha”.

O vínculo entre a morte do ex-PM e a proximidade com o presidente também foi tema de conversa entre Luiz Carlos Felipe Martins, sargento da PM acusado de ser braço-direito de Adriano, e um homem não identificado.

“Ele falava para mim: ‘Orelha, nunca vi isso. Estamos se fudendo por ser amigo do presidente da República. Porra, todo mundo queria uma porra dessa. Sou amigo do presidente da República e to me fudendo’. Morreu por causa disso”, disse o sargento.

“Orelha”, como era conhecido o sargento PM, foi morto em uma emboscada no dia 20 de fevereiro de 2020, dois dias antes do cumprimento de mandados de prisão e busca da Operação Gárgula. O homicídio ainda não foi esclarecido.

Dois dias antes do assassinato, o site The Intercept Brasil revelou informações do relatório da Polícia Civil com os resumos dos diálogos em que Orelha e Tatiana mencionavam o presidente.

O site também afirmou, em outra reportagem, que promotores do Ministério Público do Rio de Janeiro avaliavam que o relatório da polícia sugeria um contato direto entre comparsas de Adriano e o presidente da República. Essa suspeita surgiu após a morte de Adriano na Bahia.

A indicação viria da referência a “Jair” em duas escutas, a classificação de “HNI (PRESIDENTE)” a uma das vozes masculinas não identificadas nos resumos das escutas, e ao termo “cara da casa de vidro”, que seria uma referência aos palácios do Planalto e da Alvorada.

As vozes das conversas que envolvem “Jair” e “HNI (PRESIDENTE)” não se assemelham à de Bolsonaro. No segundo caso, “presidente” é a forma com que um dos investigados se refere ao interlocutor, que responde com o tratamento “diretor”. Nas escutas não foi possível identificar a quem se referia a expressão “cara da casa de vidro”.

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