Chegamos à edição número 5.000; o momento de parar desponta no horizonte

(*) Ucho Haddad

Edição de número 5.000. Jamais imaginei que essa marca pudesse ser alcançada. Isso porque lá atrás, em junho de 2001, quando nasceu o UCHO.INFO, me propus a fazer um trabalho jornalístico que em prazo não tão longo ajudasse a mudar a realidade do Brasil. O tempo passou, as edições foram se multiplicando, mas o Brasil não mudou. Aliás, mudou para pior. O que é um desalento.

Quando troquei uma vida tranquila e minimamente confortável no exterior por um desafio que impus a mim mesmo e sequer consegui avaliar o seu tamanho, acreditei que era possível fazer algo em prol do País e dos brasileiros. Foi um sonho, mas o tempo todo dei o meu melhor como profissional do jornalismo. Erramos algumas vezes, é verdade, mas jamais avançamos no terreno da leviandade, do jornalismo de encomenda, da notícia plantada. Sempre procuramos levar a cada um a melhor informação e a análise mais balizada. Em várias ocasiões antecipamos fatos, desvendamos maracutaias, denunciamos escândalos de corrupção.

Chegar à quinta milésima edição do UCHO.INFO deveria ter ocorrido antes, mas a pandemia atrapalhou. O novo coronavírus me apanhou na curva. Foram cinco meses acamado e enfrentando sequelas inimagináveis, algumas das quais me acompanham até hoje. Foi difícil ultrapassar essa barreira, mas não desisti. Deus, que a mim proporcionou o dom de escrever, mais uma vez foi generoso e me colocou de pé novamente. Se isso aconteceu é porque a luta deveria seguir adiante. E tenho lutado bravamente contra tudo, contra muitos, contra os poderosos, os ingratos, os hipócritas.

Em 2018, durante a campanha presidencial, alertamos inúmeras vezes para o perigo que representava a eleição do atual presidente da República. Pagamos um preço excessivamente caro por isso, por antecipar o caos que o País descobre à porta de nova eleição, com seguidas ameaças à democracia e ao Estado de Direito.

Não foi esse cenário que vislumbrei, mas é o que temos. Não foi por falta de aviso, não foi por irresponsabilidade jornalística, não foi por incompetência profissional. Como já citei, fizemos o melhor. Sei que poderíamos ter feito mais, ter ido além, porém as circunstâncias muitas vezes atrapalharam.

Há dias, quando percebi que estávamos a poucos passos da edição número 5.000, a sensação de ter a consciência tranquila foi um prêmio. Praticamos ao longo de tantas edições jornalismo sério, comprometido com a verdade dos fatos e sempre respeitando o direito do leitor à informação.

O planeta mudou ao longo de tantas edições, o ser humano mudou, os hábitos mudaram. A procura por informação de qualidade não é mais a mesma. Hoje o leitor se satisfaz com a notícia rasa, de pouca credibilidade, digere informações falsas como se fossem supremas verdades. Apenas a título de curiosidade, a cada 24 horas o volume de informações quadruplica em todo o mundo. São informações pífias, sem a capacidade de agregar algo à vida do leitor. As informações perdem a essência e a razão de ser alguns instantes após a publicação.

Não sei fazer jornalismo por atacado, de baciada, sem compromisso com a ética, com a verdade, sem analisar os fatos além do horizonte. Faço jornalismo à moda antiga, fazemos jornalismo “comme il faut”. Não sabemos fazer jornalismo de outra maneira – ou é assim, ou não tem acordo.

O brasileiro desaprendeu a consumir jornalismo de qualidade, independente, ético, feito com devoção. Aqui não tem meias palavras, não tem notícia pautada por essa ou aquela ideologia, não se tergiversa diante dos fatos, não se curva para os donos do poder, não se recua por causa de ameaças e intimidações, não se vende a alma e a consciência ao diabo, seja ele de esquerda ou de direita, de centro ou da beirada. Aqui se faz jornalismo para valer, jornalismo de gente grande. Isso tem um preço nada barato a ser pago, em todos os sentidos. E estamos a pagar esses anos todos.

Desde a primeira edição me recusei a usar a primeira pessoa do singular, mesmo que estivesse só naquele momento. Sempre usei a primeira pessoa do plural porque enxergava o projeto como sendo de todos. Apesar disso, o UCHO.INFO tem uma persona. Como tal colecionei adversários, conquistei inimigos, perdi amigos, acumulei dívidas, enfrentei ações judiciais, amontoei decepções, investi o que tinha e o que não tinha, fui alvo da maledicência dos invejosos, colaboradores deixaram de escrever porque sempre defendi a tese de que “o pau que bate em Chico, bate em Francisco”. Valeu a pena! Hoje, neste artigo, misturo a primeira pessoa do singular com a primeira do plural. Peço licença pela mixórdia gramatical.

Por meio de um desses tantos aplicativos que empastelam os celulares, recebi, dias atrás, uma mensagem exaltando a palestra de determinado jornalista em um evento privado. Respondi afirmando que o profissional em questão é bom repórter, com boa agenda e sabedor de como apurar a notícia nos bastidores, mas especialista em “passar pano”. A troca de mensagens parou por aí. Cada um leva o ofício da maneira como quiser, mas não me rendo à hipocrisia alheia, que, por sinal, abunda por todos os lados. E cada um acredita no que melhor lhe convier.

Na sequência, recebi o telefonema de um amigo que me procura com adorável constância. Disse ele que me tem como bússola política e jornalística, pois precisa rebater com precisão as falsas profecias dos mandriões que cruzam o seu caminho. Tirante o fato de o interlocutor ser diletíssimo amigo, o elogio é lisonjeiro e reforça a sensação do dever cumprido. Ele aproveitou o colóquio telefônico para minimizar o trabalho de outros profissionais de imprensa, incluindo nesse rol o “passador de pano”.

Há algumas semanas, conversando com o amigo e mestre Carlos Brickmann – jornalista com todas as letras, todas maiúsculas – revelei o meu desejo de aposentar a pena em breve. Ele rebateu dizendo que jamais conseguiremos ficar sem escrever. Brickmann talvez tenha razão, mas o desejo de parar voltou à mente. Fiz o que foi possível até aqui, dei o meu máximo como persona do UCHO.INFO, mas não sei fazer o jornalismo que hoje se consome, um jornalismo do tipo “fast food” ou “prét-à-porter”.

Continuarei em campo e com a pena em punho até as eleições de outubro, pois o Brasil não pode cair na armadilha golpista de um delinquente intelectual que adora ditadores e incensa torturadores. Terminadas as eleições decidirei o que fazer, mas é grande o desejo de aposentar a pena e começar a viver, modestamente, é claro, já que jornalismo sério e independente na verdadeira acepção da palavra não dá dinheiro, pelo contrário, suga até o último vintém.

Muito obrigado a todos por tudo, muito obrigado a cada um que permitiu que chegássemos à edição número 5.000. Por isso a primeira pessoa do plural foi sempre presente no nosso trabalho.

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, escritor, poeta, palestrante e fotógrafo por devoção.

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