A educação brasileira está na UTI, em estado grave

 
(*) Waldir Maranhão

Os últimos dias mostraram que a situação da educação no Brasil é caótica. O quadro é ainda mais tenebroso quando avançamos no terreno da educação pública.

Muitos devem se perguntar sobre o motivo que me leva a insistir no tema da educação. A resposta é simples: se queremos mudar a realidade do país, o que não acontecerá no curto prazo, a educação é o melhor caminho.

A deficiência do ensino público sempre permaneceu em segundo plano, até que a pandemia do coronavírus trouxe o tema para a vitrine do cotidiano. A crise econômica, as diferenças sociais e a falta de um programa eficaz de inclusão digital só fizeram aumentar o atoleiro em que se encontra a educação.

Sem qualquer planejamento, já que a crise sanitária global não permitiu ações antecipadas, o ensino remoto foi anunciado como alternativa para não interromper o aprendizado, como se essa solução fosse possível com uma simples decisão.

O governo federal, especificamente o Ministério da Educação, não adotou uma só medida para orientar a rede pública de ensino como agir em meio às dificuldades tecnológicas e a falta de recursos materiais e financeiros, sejam das escolas como da extensa maioria dos alunos.

A omissão do governo contribuiu para aumentar o fosso que separa os alunos das escolas públicas e os das escolas particulares. Mesmo assim, no ensino privado o impacto também foi sentido.

Era preciso criar um programa de orientação para compensar a perda de aprendizado por causa da pandemia, mas nada disso foi feito. O governo preferiu ignorar as necessidades do setor, apostando no negacionismo em relação às vacinas contra Covid-19.

De carona com pandemia, a crise econômica, que já não era pequena, aumentou de maneira exponencial e causou impactos na educação.

Dados do Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep) mostram que a taxa de abandono escolar no ensino médio na rede pública mais do que dobrou no ano passado. Em 2020, o índice de estudantes que abandonaram instituições de ensino foi de 2,3%, ao passo que em 2021 chegou a 5,6%.

No ensino fundamental, a taxa de abandono escolar na rede pública subiu de 1%, em 2020, para 1,2%, em 2021. A rede privada não apresentou elevação.

Com a crise econômica impulsionada pela pandemia, estudantes se viram obrigados a abandonar a escola e sair em busca de trabalho como forma de ajudar no sustento da família.

A situação mais grave foi detectada pelo Inep na região Norte do país, onde o abandono escolar no ensino médio chegou a 10,1%, contra 5% da média nacional. No ensino fundamental, o índice de abandono escolar na região Norte foi de 2,5%.

Para se ter ideia da gravidade que toma conta do setor – aqui incluo as redes pública e privada –, estudantes do ensino médio foram submetidos a uma pesquisa para avaliar a educação no país. Os alunos de ambas as redes de ensino acertaram apenas 27% das questões de matemática básica.

Com relação à língua portuguesa, os alunos acertaram 57% das questões relacionadas ao tema. Já nas questões que diferenciam fato e opinião, o nível de acerto foi de somente 50%.

As pesquisas de avaliação feitas pelos estados revelam que antes da pandemia do coronavírus os alunos das redes pública e privada ingressavam no ensino médio com dois anos de defasagem, ou seja, chegavam ao 1º ano do Ensino Médio sem dominar as habilidades do 8º ano do ensino fundamental.

A não adoção de medidas emergenciais por parte do governo para mitigar os efeitos da pandemia na educação são sentidos também nas universidades.

Os dois anos de crise sanitária produziram vazios de conhecimentos básicos, os quais agora são preenchidos por universidades com programas especiais e tutorias, objetivando principalmente o desenvolvimento de habilidades como leitura e síntese, além de aulas extras de reforço em diversas matérias. Tais ações abrangem também alunos que ingressaram na universidade durante a pandemia.

“Não podemos fingir que nada aconteceu”, diz o pró-reitor adjunto de Graduação da Universidade de São Paulo (USP), Marcos Neira.

“Há habilidades e conhecimentos que não podem ser desenvolvidos em uma sala virtual”, afirmou o pró-reitor ao jornal “O Estado de S. Paulo”.

A combinação da crise econômica, que se arrasta há anos, com os efeitos da pandemia, a falta de investimentos na educação, a elitização do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) e o alto custo para manter-se estudando produziu um cenário preocupante, principalmente quando ousamos falar de futuro.

Mestre em Educação e pedagogo pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Daniel Castro produziu um gráfico que mostra um impressionante recuo no número de inscrições do Sistema de Seleção Unificada (Sisu), programa de acesso às universidades federais.

“A queda vertiginosa de brasileiros buscando um curso de graduação em universidade pública – em especial Federal – é um retrato extremamente perverso. Uma queda de 60% entre 2015 e 2021. O que está em jogo não é apenas o sonho do diploma universitário, mas um futuro de Brasil”, escreveu Daniel Castro no Twitter.

Sonhar com dias melhores é necessário e nada custa, mas para o sonho não se transformar em pesadelo perene é importante que os brasileiros cobrem das autoridades investimentos em educação de qualidade.

Enquanto isso, a Câmara dos Deputados aprovou o projeto de educação domiciliar (homeschooling, em inglês), que agora está em análise no Senado. Se aprovado, o projeto de lei será sancionado pelo presidente da República, pois trata-se de uma das bandeiras do bolsonarismo, que defende que crianças devem ser afastadas das escolas para evitar a doutrinação ideológica e a perversão moral.

A decisão da Câmara, que deve ser referendada pelo Senado, é um enorme retrocesso e elitiza ainda mais a educação, pois os maiores prejudicados serão, mais uma vez, os alunos da rede pública de ensino.

Para que os leitores consigam avaliar o casuísmo do projeto em questão, 78,5% dos brasileiros (62,5% totalmente, 16% em parte) discordam de os genitores terem o direito de tirar os filhos da escola para educá-los em casa.

Além de ser o recinto adequado para a aprendizagem, a escola forma cidadãos e promove o convívio social com base no respeito e na tolerância.

Disse o educador Paulo Freire: “Educação não transforma o mundo. Educação muda as pessoas. Pessoas transformam o mundo.”

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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