Cada vez mais isolado no Ministério Público Federal (MPF), o procurador-geral da República, Augusto Aras, não se incomoda com o fato de passar vergonha para atender aos pleitos do presidente Jair Bolsonaro. Para tanto, atropela o bom Direito em nome de uma subserviência que provoca engulhos.
Aras defendeu que o indulto concedido por Bolsonaro ao deputado federal Daniel Silveira (PTB-RJ) é constitucional, mas tem efeito apenas sobre os aspectos penais da condenação e não atinge outras esferas, como a eleitoral.
De acordo com o PGR, o perdão livra Silveira da pena de oito anos e nove meses de prisão, mas não anula a suspensão dos direitos políticos do parlamentar quando a condenação transitar em julgado, ou seja, quando não houver mais possibilidade de recurso.
O parecer de Aras sobre o indulto presidencial consta em documento de 62 páginas enviado na noite de quarta-feira (25) ao Supremo Tribunal Federal (STF).
“A graça e o indulto não eximem seus beneficiários de eventual responsabilização nas searas cível, administrativa, eleitoral ou nas demais esferas do direito em que possa repercutir a prática do fato delituoso”, destaca um trecho do parecer.
O texto afirma que “o exercício do poder de graça não interfere na suspensão dos direitos políticos, após o trânsito em julgado, em decorrência da condenação, e, tampouco, no que venha a ser ou tenha sido decidido quanto à perda de mandato político”.
“Nenhuma interferência surte, ademais, no tocante a eventual inelegibilidade decorrente da condenação, que poderá ser objeto de apreciação pela Justiça Eleitoral”, conclui.
Segundo Aras, cabe à Justiça Eleitoral avaliar, no momento do pedido de registro de candidatura, se eventuais candidatos são elegíveis. Silveira cogita concorrer ao Senado pelo Rio de Janeiro nas eleições de outubro.
Indulto é ato político
Augusto Aras afirma ainda que indultos presidenciais são atos “eminentemente políticos” e por isso não devem ser restringidos pelo Judiciário, desde que atendam aos critérios estabelecidos na Constituição.
Nesse sentido, o procurador-geral opina que o ato de Bolsonaro não ultrapassou os limites constitucionais – nem mesmo pelo fato de o perdão ter sido concedido antes de o processo transitar em julgado. Na opinião de Aras, não há regra expressa sobre o tema na Constituição.
“Não havendo disposição constitucional impeditiva da concessão de indulto ou graça individual anteriormente ao trânsito em julgado da decisão condenatória, compreende-se deter o chefe de Estado ampla margem de avaliação política para, por meio dos referidos institutos, definir o momento em que o perdão será conferido, ainda que inexista título condenatório definitivo.”
Em seu parecer, Aras defende, portanto, que o Supremo rejeite as ações que questionam o perdão da pena concedido a Silveira.
Em abril, o deputado foi condenado pelo plenário do STF a oito anos e nove meses de prisão e à cassação de seu mandato por atacar o sistema democrático e fazer ameaças a ministros do tribunal. No dia seguinte, porém, o aliado de Bolsonaro foi beneficiado por um perdão – o primeiro individual em 77 anos no País.
Partidos da oposição recorreram ao Supremo, alegando abuso de poder e desvio de finalidade, e a ministra relatora do caso, Rosa Weber, pediu um parecer da Procuradoria-Geral. Ações buscam suspender o perdão, afirmando que o decreto afronta preceitos básicos da Constituição e que o presidente não pode usar o instrumento para satisfazer vontades pessoais.
Desrespeito à Constituição
Augusto Aras rasga a Carta Magna para abrir caminho aos caprichos totalitaristas de Jair Bolsonaro, que concedeu o benefício da graça ao parlamentar fluminense para fermentar o embate com o STF e agitar sua horda de apoiadores.
De chofre é preciso ressaltar que o indulto de Natal, por exemplo, é concedido aos condenados com sentença transitada em julgado. No cenário em que o trânsito em julgado não ocorreu, a sentença condenatória ainda não está formalizada de fato e de direito. Em outras palavras, Bolsonaro perdoou uma pena que depende de confirmação. Por esse fato a graça é inconstitucional.
A inconstitucionalidade do decreto presidencial fica patente quando analisado o inciso LVII do artigo 5º da Constituição, que estabelece: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória” (princípio da presunção de inocência). Pois bem, se a culpa depende do exaurimento das possibilidades de recurso, não se pode perdoar quem ainda não é considerado culpado.
Aras mostra-se contraditório ao alegar que a suspensão dos direitos políticos de Daniel Silveira se dará quando a condenação transitar em julgado. Em outras palavras, o PGR recorre a uma interpretação deturpada da lei para beneficiar Bolsonaro.
O procurador-geral vai além em seu delírio jurídico ao afirmar que não há regra expressa na Constituição que proíba a concessão de indulto ou graça antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória.
Aras deveria voltar ao banco da faculdade e reler a Constituição Federal, que no inciso II do artigo 5º trata do princípio da legalidade: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”.
Depreende-se do mencionado trecho da Carta Magna que o cidadão pode fazer tudo aquilo que a lei não o impede, enquanto o Estado pode fazer apenas aquilo que a lei permite. Sendo assim, é improcedente a justificativa de Aras para a concessão da graça antes do trânsito em julgado da sentença condenatória.