Dono de essência truculenta, apesar de a toda hora invocar o nome de Deus, o presidente Jair Bolsonaro é movido por desfaçatez que causa repulsa. Em vídeo publicado em 2015, quando ainda exercia mandato de deputado federal, Bolsonaro afirmou que violência se combate com violência, não com bandeiras dos direitos humanos, como as defendidas pela Anistia Internacional.
À época, questionado sobre o fato de que a polícia brasileira é a que mais mata em todo o planeta, Bolsonaro se irritou e disse ser pouco diante da criminalidade existente no País. “Eu acho que essa Polícia Militar do Brasil tinha que matar é mais. Quase metade dessas mortes são em combate, em missão. Então, a Anistia Internacional está na contramão do que realmente precisa a segurança pública do nosso país”, declarou.
“Esses canalhas tinham que ensinar na prática como o policial militar tem que agir. O policial vai ter que decidir entre reagir e ir pra cadeia e não reagir e ir para o cemitério. Esse pessoal da Anistia, se um dia eu tiver um mandato presidencial, vocês não vão mais interferir na nossa vida interna aqui do nosso país. O marginal só respeita o que ele teme”, emendou.
Desde que chegou ao Palácio do Planalto, Jair Bolsonaro impulsionou o discurso a favor do excludente de ilicitude, ou seja, passou a defender com maior ênfase a segurança jurídica para que polícia possa matar ainda mais.
Esse pensamento abjeto ficou evidente mais uma vez por ocasião da matança ocorrida na Vila Cruzeiro (zona norte do Rio de Janeiro), na última terça-feira (24), quando uma operação policial planejada (sic) com meses de antecedência e com o apoio do setor de inteligência (sic), deixou 23 mortos. A Polícia Militar do Rio de Janeiro afirmou após as execuções que todos os mortos eram traficantes ou tinham alguma ligação com o crime organizado.
Diferentemente do que afirmou a PM fluminense, nem todos os mortos tinham vínculo com o tráfico de drogas ou antecedentes criminais. Entre os dez mortos já identificados, ao menos três eram trabalhadores e não tinham qualquer ligação com os traficantes: um mototaxista, um ex-militar e um estudante. Além de uma mulher de 41 anos, vítima de bala perdida.
No mesmo dia das execuções, Bolsonaro usou as redes sociais para cumprimentar os policiais envolvidos na operação. “Parabéns aos guerreiros do Bope e da Polícia Militar do Rio de Janeiro, que neutralizaram pelo menos 20 marginais ligados ao narcotráfico em confronto, após serem atacados a tiros durante operação contra líderes de facção criminosa”, escreveu o presidente. É importante lembrar que o termo “neutralizar” é corriqueiramente utilizado por milicianos quando querem se referir a matar alguém.
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No momento em que o presidente da República defende o excludente de ilicitude e incentiva a polícia a matar mais, fica a mensagem de que tudo é permitido na terra sem lei em que está se transformando o Brasil sob a batuta de um golpista adorador de torturadores. Considerando que as polícias militares integram a base de apoio de Bolsonaro, não é difícil imaginar o que poderá acontecer no País após a divulgação dos resultados das eleições.
Em relação à mensagem criminosa que se depreende das declarações absurdas de Jair Bolsonaro, um dos efeitos concretos foi a ação criminosa de integrantes da Polícia Rodoviária Federal (PRF) que, em Sergipe, abordaram um homem que sofria de esquizofrenia e acabou morrendo por asfixia após ser colocado na parte traseira da viatura da corporação, tomada por gás lacrimogênio.
No momento da abordagem, os policiais foram avisados que o homem tinha problemas psíquicos e portava medicamentos de uso controlado, como comprovado. A perícia do Instituto Médico Legal de Sergipe constatou que a vítima foi estrangulada, fato que os policiais negam.
Nesta quinta-feira (26), questionado sobre o caso, Jair Bolsonaro disse não estar informado e citou outro episódio no Ceará. “Vou me inteirar com a PRF…Eu vi há pouco, há duas semanas, aqueles dois policiais executados por um marginal que estava andando lá no Ceará. Foram negociar com ele, o cara tomou a arma dele e matou os dois”, afirmou.
“Talvez isso, nesse caso, não tomei conhecimento, o que tinha na cabeça dele. Uma coisa é execução. A outra eu não sei o que aconteceu. A execução ninguém admite ninguém executar ninguém. Mas não sei o que aconteceu para te dar uma resposta adequada”, concluiu.
Há sinais evidentes de que a operação policial na Vila Cruzeiro foi uma execução coletiva. O Estado tem o dever de garantir a segurança pública e combater o crime, mas deve se limitar a prender, julgar e condenar, não sem antes assumir o compromisso de recuperar o apenado. No caso de Sergipe, o desrespeito aos direitos do cidadão é fruto das declarações repugnantes de Bolsonaro.
Pois bem, tomando por base que “ninguém admite ninguém executar ninguém”, como disse o presidente, é preciso saber o motivo que o levou a cumprimentar os policiais militares do Rio de Janeiro que promoveram uma deliberada matança na Vila Cruzeiro.