Tragédia anunciada: o Maranhão corre o risco de em breve ter um “Bateau Mouche” para chamar de seu

 
(*) Waldir Maranhão

Do grego “tragoidía”, a palavra tragédia significa acontecimentos que causam horror. Nesse sentido, os eventos da natureza que acabam atingindo o ser humano com maior gravidade também se encaixam no significado de tragédia.

Conceitualmente diz-se que tragédias são inevitáveis, mas a sabedoria popular acabou por criar o termo “tragédia anunciada”, ou seja, algo que poderia ser evitado, mas cedeu lugar à irresponsabilidade e à displicência, na maioria das vezes por parte do Estado.

Essa introdução serve para fazer referência cenário de caos que toma conta do transporte por ferryboats no Maranhão.

Quem se candidata a cargo eletivo precisa saber que entre o discurso fácil de campanha e as agruras do cargo, prevalece sempre a segunda situação. Isso significa que o homem público, o governante, não pode ignorar as recorrentes necessidades da população.

No caso dos ferryboats que liga o terminal da Ponta da Espera, na capital São Luís, ao Porto do Cujupe, localizado na cidade de Alcântara, em frente à Ilha do Cajual, o caos salta aos olhos e a tragédia é anunciada.

O serviço de transporte marítimo era operado pela iniciativa privada, até que o Governo do Maranhão, por meio de decreto publicado em fevereiro de 2020, assumiu o comando da operação.

A decisão de intervir na operação de ferryboat veio após duas embarcações se chocarem no mar, ocasião em que foi constatada precariedade do serviço.

Com a intervenção do estado, a gestão do serviço de transporte aquaviário entre a Ponta da Espera e o Porto do Cujupe foi transferida à Agência Estadual de Mobilidade Urbana e Serviços Públicos (MOB).

O decreto do governo estadual permitiu ao maranhense imaginar que a partir de então o serviço de transporte por ferryboat melhoraria, o que não aconteceu. Ao contrário, piorou muito.

Quando em risco estão vidas humanas, o governante precisa redobrar a responsabilidade e agir com rapidez para evitar o pior.

Sucessivas falhas mecânicas nas embarcações ocorreram desde então, com ferryboats à deriva na Baía de São Marcos. E dada ocasião, a água do mar invadiu a cabine de comando, assustando os tripulantes.

Os episódios foram filmados, sendo possível perceber nas imagens o pânico que tomou conta não só dos passageiros, mas também da tripulação em razão das tormentas. Cada ocorrência é um inequívoco alerta de que uma tragédia poderá acontecer a qualquer momento.

Atualmente, apenas três ferryboats fazem a travessia entre a Ponta da Espera e o Porto do Cujupe, contra sete embarcações que operavam anteriormente. Com a crescente demanda pelo serviço, o congestionamento nas duas pontas do trajeto é enorme. Não são raras as ocasiões em que as travessias são canceladas.

Na quarta-feira, 8 de junho, o Ministério Público do Maranhão (MP-MA) instaurou mais dois inquéritos, na cidade de Guimarães e Mirinzal, na região da baixada maranhense. Os dois inquéritos se juntam a outro que tramita na Promotoria do Consumidor da capital (São Luís). Enquanto isso, os passageiros enfrentam os problemas do caótico transporte aquaviário.

“Está havendo uma superlotação porque o serviço não está sendo prestado a contento, e, na verdade, nunca esteve, nem no começo. E nunca, nunca esteve tão pior”, afirmou a promotora do consumidor.

A Serviporto, que fornecia embarcações e operava a travessia, mas está sob o comando do Governo do Maranhão desde 2020, teve a intervenção estatal prorrogada por mais 180 dias. O advogado da empresa afirma ser ilegal a medida.

A administração estadual, com o objetivo de tentar reverter o caos, trouxe do estado do Pará o ferryboat “José Humberto” para ser utilizado na travessia entre a Ponta da Espera e o Porto do Cujupe.

Segundo informações do Ministério Público do Maranhão, a embarcação “José Humberto”, que passa por reparos, foi reprovada pela Capitania dos Portos após análise inicial.

O ferryboat “José Humberto”, com 38 anos de uso, funcionava no Pará como balsa, mas foi pintado e adaptado para operar no transporte aquaviário de passageiros e automóveis na Baía de São Marcos.

O Ministério Público estadual enviou ofício à Procuradoria da República no Maranhão solicitando a cooperação do Ministério Público Federal (MPF) para acompanhar o trabalho da Capitania dos Portos, no processo de emissão dos documentos da embarcação “José Humberto”. O pedido foi aceito pela Procuradoria.

A promotora Lítia Cavalcante, responsável pela Promotoria do Consumidor do MP-MA, alerta para a precariedade do serviço de ferryboat e o perigo que representam essas soluções de última hora.

“Eles estão querendo contratar um ferry que passou o final de semana passando por serviço. Eu tenho informações concretas de que o ferry não foi aprovado pela Marinha e ela já tem o ofício para responder. Mas, também, os serviços foram feitos porque o ferry não é adequado para a baía, ele não tem motor de propulsão. Ele tem a metade da velocidade dos nossos ferry, ele é inadequado à Baía de São Marcos. Fora isso, é um ferry de rio, então, vão colocar a população em um ferry desses que, inclusive está apresentando problemas graves e tanto que a Marinha não aprovou para população ir e fazer esse trajeto. Enfim, a gente está fazendo o que tem que ser feito. Agora, gestor nós não somos, o que a gente pode fazer é ajuizar, entrar com as ações devidas, investigar, mas quem tem a gestão é o Estado do Maranhão”, declarou a promotora.

O filósofo grego Platão disse: “Podemos facilmente perdoar uma criança que tem medo do escuro; a real tragédia da vida é quando os homens têm medo da luz.”

Diante dessa gravíssima situação, cabe-me afirmar, caso nada seja feito com a devida responsabilidade, que em breve o Maranhão terá o seu “Bateau Mouche”, que ao naufragar na Baía da Guanabara com 142 passageiros, em 31 de dezembro de 1988, deixou 55 mortos.

(*) Waldir Maranhão – Médico veterinário e ex-reitor da Universidade Estadual do Maranhão (UEMA), onde lecionou durante anos, foi deputado federal, 1º vice-presidente e presidente da Câmara dos Deputados.

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