As armas e os ladrões assinalados

(*) Carlos Brickmann

Digamos que aquele senhor bolsonarista que invadiu a festa de 50 anos do petista não andasse armado. Talvez chutasse o petista; talvez tomasse uma surra dos convidados; ou, mais provável, talvez não se animasse a invadir a festa de outro, limitando as agressões aos gritos de “Aqui é Bolsonaro”. Mas aconteceu que ele tinha uma arma. A tragédia se seguiu. Um foi morto, outro seriamente ferido (e, se tudo correr bem, estará recuperado para enfrentar um julgamento e uma pena de prisão). Eduardo “Bananinha” Bolsonaro louva as armas, talvez porque o façam sentir-se um Bananão. Mas, para ele, arma é brincadeira de campanha, ou uma cobertura de glacê no bolo de aniversário.

“Oh, mas os homens de bem precisam estar armados para defender-se dos bandidos”. Pois é: o senhor bolsonarista que matou uma pessoa para puni-la por admirar um adversário político era um homem de bem, sim ou não? Se era, o argumento perde o sentido: a arma o fez deixar de ser um homem de bem. Se não era, como é que conseguiu licença e porte? Nesse caso, a culpa é de um governo preocupado em armar a população e não em alimentá-la.

Mas em outros casos a arma é eficiente para defender os homens de bem?

O capitão Bolsonaro, treinado no Exército, armado com uma pistola que, dizem os especialistas, é de ótima qualidade, montado numa boa moto, foi certa vez assaltado por outro motociclista. Levou-lhe o dinheiro, a moto e a arma. Quem precisa defender os homens de bem é a polícia, não o trezoitão.

A vida de todos

A questão não é a liberdade de possuir ou portar armas: há países onde as armas são liberadas em que o cidadão pode ficar tranquilo; há países em que as armas individuais são raras, e não é por isso que os homens de bem ficam desprotegidos. No Japão é difícil ter licença para comprar armas; na Suíça e em Israel os cidadãos que cumpriram serviço militar têm obrigatoriamente a posse de armas de guerra. Nos três países há poucos casos de roubos, furtos e homicídios. E, nos três países, há policiamento eficiente.

As pessoas estão seguras não porque estejam armadas, mas porque o país é seguro.

Questão de decoro

Mas, afinal de contas, que é que Bolsonaro tem a ver com o crime? Tudo: está sempre pronto a recomendar a guerra aos adversários. Já dizia, antes de ser candidato à Presidência, que Fernando Henrique Cardoso deveria ter sido fuzilado, que a ditadura militar (que ele não chamava de ditadura) falhou ao não matar pelo menos 30 mil pessoas. Há pouco tempo, no Acre, pegou um tripé de câmara, empunhando-o como se fosse arma, fingiu atirar, gritando “tataratatá”, e dizendo que era preciso “fuzilar a petralhada” e expulsar seus adversários para a Venezuela.

Não está sozinho na criação do clima ruim: o adversário já ameaçou “botar o exército de Stedile nas ruas”, referindo-se a invasores de terras agrupados no MST. Como presidente, asilou no Brasil um assassino a serviço do grupo Proletários Armados pelo Comunismo.

Drenagem de dinheiro

OK: Lula, com a anulação dos processos a que respondia, é inocente. Mas Paulo Roberto Costa, que foi diretor da Petrobras, e Alberto Youssef, doleiro, depuseram na Polícia Federal e disseram que houve R$ 10 bilhões desviados da empresa para beneficiar políticos e partidos favoráveis ao governo. Um gerente devolveu US$ 100 milhões. Bom, aí vem Bolsonaro, prometendo um governo sem corrupção. Como Lula, Bolsonaro não tem condenação e, na forma da lei, é inocente.

Mas na história das vacinas foi imposto um sigilo de cem anos. Há um sigilo de cem anos nos gastos de cartão corporativo. Há sigilo de cem anos em processo na Receita a respeito de seu filho Flávio – o mesmo que chama o adversário de seu pai de “o ex-presidiário”. A propósito, boa parte dos partidos que apoiaram Lula e Dilma e que, nos depoimentos a respeito de Mensalão e Petrolão, foram apontados como beneficiários, estão hoje com Bolsonaro desde criancinhas. E foram recebidos de mãos abertas.

Urna não é papel

O Ministério da Defesa que nos perdoe, mas é difícil encontrar proposta de teste de urnas menos eficiente do que a sugerida em audiência pública no Senado. Segundo o ministro da Defesa, general Paulo Sérgio Nogueira, seria “um teste de integridade” das urnas eletrônicas. Segundo Marcelo Nogueira de Souza, coronel-chefe da equipe das Forças Armadas no Grupo de Fiscalização do Processo Eleitoral, explicou aos parlamentares, algumas urnas seriam mantidas na seção eleitoral de forma paralela, sem ser usadas na votação oficial.

Essas urnas receberiam votos em papel, que seriam depois comparados aos eletrônicos. Claro, claro: este colunista poderia votar em branco na urna eletrônica e em Simone Tebet na urna para papel. E pronto: os números não bateriam. Claro, claro: muito mais gente se divertiria assim, do mesmo modo que votou no Macaco Tião e no rinoceronte Cacareco, que nem candidatos eram. A ideia só é boa se o objetivo for provocar uma crise “provando” que os números não batem.

Alguém teria essa ideia malévola?

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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