(*) Gisele Leite
O cenário eleitoral e político brasileiro do momento tem trazido debate corriqueiro sobre religiosidade e peca, flagrantemente, ao abordar temas como intolerância religiosa. Pela estratégia vigente, as candidaturas devem abordar os eleitores evangélicos, especialmente, os neopentecostais, onde dá-se o predomínio bolsonarista.
Destaque-se que a primeira-dama figura como protagonista não apenas por suavizar a misoginia atávica de seu marido, mas por reforçar supostos compromissos com o séquito evangélico.
Os estudos sobre o conservadorismo, religiosidade e ascensão da extrema direita em nosso país e, no resto do mundo, tratam desse fenômeno preocupante e abrangente. E, não se pode transgredir os limites da separação entre igrejas e o Estado, sendo um dado marcante para as autênticas democracias laicas e, foram testados contra a expansão confessional na política.
A CNN Brasil obteve uma cartilha religiosa distribuída aos servidores da Polícia Rodoviária Federal (PRF), alcunhado de “Pão Diário Segurança Pública” e além de lições motivacionais, estimula a leitura de salmos bíblicos. Segundo informações trata-se de projeto que visa a saúde integral do servidor.
Registre-se que a tensão não iniciou com a presente eleição, porém, certamente irá majorar após esta. Desde 1988, não houve outro pleito onde as pautas e grupos religiosos estiveram tão abertamente no centro da disputa eleitoral. Aliás, não podemos auferir ao adjetivo ser cristão, como definidor do autêntico cidadão, ou de cidadão de bem, a quem o Estado deva ter maior consideração.
Roga-se pela compreensão do princípio do Estado laico e, que deve evitar as intromissões indevidas e as omissões imperdoáveis. A exigência da laicidade, ao Estado se impõe, que permaneça neutro, guardando a devida distância de crenças e seitas.
Não obstante, no STF, a mais alta Corte judicial brasileira, ostentar um símbolo de fé específica, um crucifixo em seu principal salão de julgamento, situando-se até em posição mais elevada do que o brasão da República. Mas, a laicidade é fundamental para enfrentar os muitos desafios impostos para quem pretende misturar e triturar fé, política, cidadania e Constituição. Uma mistura perigosa e capaz de servir como rastilho de pólvora.
A laicidade deve reconhecer as mais diversas crenças humanas, respeitando o valor de cada crença. Enfim, há razões pelas quais tal reconhecimento não deve ser apenas protocolar, mas atribuir respeito às várias práticas religiosas, rendendo-se tributo à liberdade religiosa que é reconhecida como direito fundamental, ao lado da livre expressão individual da fé e a organização social de cultos e rituais religiosos são formas de expressão de nossa humanidade.
Frise-se que a liberdade religiosa garante não apenas a crença e prática de rituais, mas, igualmente, o direito que se possa conduzir a vida e a ação de acordo com tais crenças. O que assegura o direito a ser exercido sem sofrer reprimendas injustificadas. Nem convencimentos desnecessários.
O reconhecimento da laicidade é fruto do diálogo que o Estado que aspira ser laico pode ter com as igrejas. Atuando o Poder público em parceria com entidades religiosas. Porém, não é suficiente ao Estado laico reconhecer e permitir a existência de crenças, cultos e organizações religiosas.
Pois, a proteção da dignidade humana prevê a possibilidade de viver segundo a religião escolhida, exige, ainda, ações positivas para a devida proteção de certas comunidades de fé. Assim, quem viver sob a ameaça de violência em razão de sua fé está, obviamente, sendo violado em sua liberdade religiosa e, o fato de o agente perpetrador estar motivado por outra religião em nada deve minorar essa violação.
A PRF é considerada como parte da base eleitoral do atual Presidente da República, que tem acenado à classe com frequência durante seu governo. Em maio do corrente ano, o presidente editou dois decretos autorizando a nomeação de 625 novos policiais rodoviários federais e a mesma quantidade de policiais federais.
Verifica-se que durante o governo Bolsonaro, a Polícia Rodoviária Federal ampliou seu escopo de trabalho e tem atuado mais em operações de polícias locais. A mudança foi impulsionada após portarias na gestão do presidente.
Cumpre assinalar que o Estado é laico e que a existência e distribuição de cartilha com teor religioso contraria frontalmente a Constituição federal vigente, posto que seja garantido o direito inviolável à liberdade de crença, sendo vedado ao poder público estabelecer cultos religiosos. Tanto que o Ministério Público Federal instaurou uma investigação sobre as cartilhas religiosas aos integrantes da PRF. Todo o cenário confirma o franco progresso do Estado teocrático no atual governo brasileiro. Revelando-se mais uma lástima fundamentalista.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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