O Natal acontece todo dia, a cada instante; que o 25 de dezembro seja de muita paz e reflexão

(*) Ucho Haddad

Há dias, atento ao som do quase inseparável rádio de pilha, ouvi notícia sobre determinado jornal suíço que teria sugerido a não comemoração do Natal em 2022. A justificativa do tabloide é que o planeta ainda enfrenta os efeitos colaterais da pandemia e a miséria avançou mundo afora sem qualquer dose de cerimônia.

Além da incoerência, apenas a hipocrisia me irrita profundamente, me tira do sério. Abomino hipócritas, tenho asco de figuras insensíveis que tentam posar com a fantasia do politicamente correto, que existem como se fossem as tais, a última tábua de salvação do universo.

Nada pode ser mais estúpido do que pular a comemoração do Natal em 2022 pelas razões citadas. Talvez o editor do tal jornal desconheça que a miséria no planeta vem de longe, assim como inexiste por enquanto uma solução definitiva para tamanha tragédia humana.

Há pelo menos 40 anos torço contra a seleção brasileira de futebol pelo mesmo motivo: hipocrisia de sobra. Muitos sabem disso. Não tenho vocação para ser patriota quadrienal ou quando a equipe entra em campo para ludibriar a opinião pública, a torcida.

Não comemoro o Natal no dia 25 de dezembro pela mesma razão. Entendo ser essa comemoração, fincada a esmo no calendário ocidental, um fértil terreno para os hipócritas de plantão, que durante 364 dias agem na contramão do bom-senso e da humanidade, mas no dia 25 de dezembro surgem em cena travestidos de bons samaritanos. Vociferam palavras afetuosas e de encomenda, no restante do ano praguejam a todo momento.

Não há na Bíblia qualquer citação convincente sobre 25 de dezembro ser a data de nascimento de Jesus. Estudiosos defendem que o nascimento de Cristo ocorreu entre março e maio, em Nazaré, não em Belém. Peço desculpas aos fundamentalistas cristãos, mas sou pragmático, sem perder a fé no Senhor.

No século IV, o 25 de dezembro entrou para o calendário ocidental como a data do nascimento de Jesus porque o Cristianismo precisava se contrapor a festas pagãs que aconteciam em Roma no décimo segundo mês do ano: a Saturnália, em homenagem a Saturno, e outra em comemoração ao Sol Invencível.

Historiadores, estudiosos e pesquisadores à parte, alguém há de perguntar por qual motivo não comemoro o Natal no dia convencionado. O meu desejo, que sempre expresso, é que o Natal aconteça dentro de cada um o tempo todo, o ano inteiro, não apenas em um só dia. Quando alguém deixa de me cumprimentar pelo aniversário e na sequência aparece a reboque de alguma desculpa qualquer, sempre digo para que não se apoquente, pois comemoro o aniversário a cada dia. Afinal, renasço a cada amanhecer. Sendo assim, faço aniversário todo dia. Rá-tim-bum hoje, amanhã, depois, até quando Deus quiser.

Para ser verdadeiro, o dia do meu aniversário é como outro qualquer, com suas alegrias, surpresas, problemas, decepções, mesmices e demais adereços. O desprendimento em relação ao aniversário é tamanho, que em dado ano esqueci da data, lembrada por alguém que telefonou para me cumprimentar. Agradeci e disse que a data passaria impune não fosse o telefonema.

Sou extremamente reflexivo, recluso por opção, pois o exercício de pensar e criar me faz vivo. A insensibilidade e a intolerância do ser humano com o próximo têm me levado a ficar cada vez mais recluso, antissocial, talvez “bicho do mato”, porque não suporto hipócritas que tentam pegar carona no bom-mocismo de ocasião. Vendem uma falsa humanidade, quando na verdade são desumanos até quando dormem, nos sonhos, nos pesadelos, nos delírios, na mitomania.

Nesta quinta-feira, 22 de dezembro, quando escrevo este artigo, comecei o dia ouvindo absurdos dos mais diversos. Do alto dos meus 64 anos, o que me faz alguém jovem por mais tempo, não tenho mais paciência, tempo e força mental para duelar com ignorantes, mostrando a cada um a pequenez das respectivas almas. Não suporto soberba, imbecilidade, insensatez, desumanidade, intolerância, indiferença, egoísmo, mentiras… Sinto repulsa por gente que só consegue olhar para o próprio umbigo acreditando que o buraco que a natureza colocou no limiar do ventre é uma piscina olímpica.

Nos primórdios da juventude fui rotulado como comunista porque penso no próximo, porque creio ser melhor conjugar o verbo na primeira pessoa do plural – nós ou nada feito. Muito antes do início do governo que se esfacela no apagar das luzes do ano, de novo fui chamado de comunista porque cada vez mais penso no próximo. Não sei ser diferente, não conseguiria ser diferente. Se preocupação com o meu semelhante, seja quem for, é sinal de comunismo, então sou comuna de carteirinha desde criança, mesmo não sendo. Até porque adoro muitas das inúmeras benesses proporcionadas pelo capitalismo.

Sou adepto da teoria de que quanto mais se divide, mais se multiplica. Não me refiro a multiplicar bens materiais, o vil metal, mas a solidariedade. Isso me faz bem, leva ao regozijo. Aprendi com meus pais que precisamos estar sempre prontos a estender a mão ao próximo, sem direito a contrapartidas. Talvez tenham sido comunistas e não me avisaram.

Tenho engulhos quando me deparo com pessoas que falam mal das outras e no final de semana vão à igreja, se ajoelham diante desse ou daquele santo e beiram a emoção, como se eu não conhecesse a verdade, talvez a palavra certa seja “farsa”. Fazem promessas em nome de algum desejo escuso, de uma necessidade questionável. Nauseia-me a pessoa que estende a mão ao próximo para, em seguida, se vangloriar do feito. A solidariedade é um ato a ser praticado à sombra do silêncio, longe do exibicionismo, sem propaganda insana e expectativas torpes.

Quem me estendeu a mão verdadeiramente nos momentos de dificuldade – foram muitos – sabe o quão grato sou e sempre serei. A minha gratidão é verdadeira, discreta, quase muda. Quem me conhece logo percebe nos meus atos, no meu comportamento. Quem traiu a minha confiança merece clemência, na esteira do meu silêncio. A quem pude ajudar ao longo da vida, lembro que não me lembro mais. Fiz de coração, calado, sem esperar retorno, sem anotar na caderneta. Se o que fiz foi insuficiente, peço desculpas. Dei o melhor de mim, esteja certo.

Volto ao Natal convencionado… A comilança na noite de Natal chega a ser repulsiva por causa do exagero, do desperdício, do exibicionismo gastronômico. Não consigo desfrutar de qualquer iguaria com a consciência tranquila, já que muitos não têm o que comer, que reviram o lixo para matar a fome impiedosa e covarde. Perco o prumo diante de falsas promessas, tapinhas nas costas, caras e bocas, declarações mentirosas, aquele bom convívio de camelô que sempre se faz presente nos regabofes natalinos. A fartura não pode aviltar a coerência, o bom-senso. Sobre troca de presentes reservo-me ao silêncio. Um lenço de bolso me faz muito feliz.

Que a sua noite de Natal seja de paz e muita reflexão. Nela reserve um pequeno espaço para o meu Natal, que, como citei, acontece a todo instante, principalmente nos outros 364 dias do ano. Feliz 2 mil e sempre! Que Deus abençoe e ilumine a trajetória de cada um. Tudo de bom. Despeço-me porque preciso me preocupar com o próximo, levar esperança àqueles que a perderam. Sou assim, fazer o quê?

(*) Ucho Haddad é jornalista político e investigativo, analista e comentarista político, fotógrafo por devoção.

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