Em visita oficial a Portugal, Lula entrega Prêmio Camões a Chico Buarque

 
Quatro anos após ser agraciado com o Prêmio Camões, o mais importante da língua portuguesa, o cantor, compositor e escritor Chico Buarque finalmente recebeu a honraria, entregue pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu homólogo português, Marcelo Rebelo de Sousa, em cerimônia em Lisboa nesta segunda-feira (24).

O prêmio para Chico foi anunciado em 2019, mas o artista não pôde recebê-lo pois o então presidente Jair Bolsonaro, que praticamente congelou as relações com Portugal durante seu mandato, se recusou a assinar a documentação necessária para a entrega da distinção, segundo afirmaram os atuais governos do Brasil e de Portugal.

“Essa entrega é simbólica porque representa a vitória da democracia. Chico Buarque é um artista de uma envergadura tremenda, pela história, por tudo que já produziu, tanto na música, quanto na literatura. Ser testemunha, participar enquanto ministra desse momento depois de sofrermos uma tentativa de golpe recente no Brasil e do desmonte da cultura nesses últimos quatro anos, é motivo de festa”, afirmou a ministra da Cultura, Margareth Menezes, às vésperas da cerimônia de premiação.

O primeiro-ministro português, António Costa, destacou a entrega do Prêmio Camões a Chico como parte da retomada de contatos entre Brasil e Portugal. “Viramos uma página e temos muita matéria para trabalhar em conjunto”, escreveu no Twitter.

O Ministério da Cultura de Portugal, por sua vez, destacou que, para o júri do Prêmio Camões, a atribuição da distinção a Chico reconheceu “o valor e o alcance de uma obra multifacetada, repartida entre poesia, drama e romance”, um trabalho que “atravessou fronteiras e se mantém como uma referência fundamental da cultura no mundo contemporâneo”.

A cerimônia de entrega da distinção, realizada no Palácio Nacional de Queluz, foi integrada à viagem oficial de Lula a Portugal. A passagem do presidente brasileiro pelo país se encerra nesta terça-feira, com uma cerimônia no Parlamento português à margem das comemorações do 49º aniversário da Revolução dos Cravos.

 
“Um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura”

Em discurso na cerimônia realizada na cidade de Sintra, Lula disse que entrega do prêmio serviu para “corrigir um dos maiores absurdos cometidos contra a cultura brasileira nos últimos tempos”. “Digo isso porque esse prêmio deveria ter sido entregue em 2019 e não foi. Todos nós sabemos por quê”, afirmou o presidente.

Lula declarou que o ataque a cultura em todas as suas formas foi um dos objetivos que a extrema direita tentou implementar no país, mas que “finalmente, a democracia venceu no Brasil”.

“Não podemos esquecer que o obscurantismo e a negação das artes também foram uma marca do totalitarismo e das ditaduras que censuraram o próprio Chico no Brasil e em Portugal. Esse prêmio é uma resposta do talento contra o censura, do engenho contra a força bruta” disse.

A concessão da horaria a Chico Buarque seria, na opinião do presidente, uma “resposta do talento contra a censura”.

Após receber o prêmio das mãos do presidente português Rebelo de Souza, Chico criticou o governo de Jair Bolsonaro e a falta de incentivo às artes durante o mandato do ex-presidente, e disse ter valido a pena esperar quatro anos para receber o prêmio.

Ele disse ter a impressão de que “um tempo bem mais longo havia transcorrido. No que se refere ao meu país, quatro anos de um governo funesto duraram uma eternidade, porque foram um tempo em que o tempo parecia andar para trás”, disse o artista.

Chico agradeceu ao presidente Rebelo de Souza por ter deixado em branco no diploma do prêmio o espaço para a assinatura do presidente do Brasil, que ficou a cargo de Lula, e não de seu antecessor.

“Recebo este prêmio menos como uma honraria pessoal e mais como um desagravo a tantos autores e artistas brasileiros humilhados, ofendidos nesses últimos anos de estupidez e obscurantismo”, concluiu Chico.

 
Ele disse também ter herdado de seu pai, o escritor e historiador Sergio Buarque de Holanda, o amor pela língua portuguesa.

Além de Chico Buarque e dos presidentes Lula e Marcelo Rebelo de Sousa, estiveram presentes na cerimônia cidade de Sintra a ministra da Cultura do Brasil, Margareth Menezes, e autoridades dos dois países.

“Formação cultural de diferentes gerações”

Um dos maiores nomes da MPB, Francisco Buarque de Holanda nasceu em 19 de junho de 1944, no Rio de Janeiro. Começou sua carreira musical na década de 1960 e se tornou um dos maiores compositores brasileiros. Entre os sucessos musicais de Chico, que tem cerca de 80 álbuns em sua discografia, estão A banda (1966), Apesar de você (1970), Cotidiano (1971), Construção (1971) e Amor barato (1981).

Em 1967, escreveu sua primeira peça de teatro, Roda Viva. No total, foram quatro incursões nesse gênero, sendo a última delas a Ópera do malandro, de 1978.

Em 1974, escreveu a novela Fazenda modelo, e em 1979, o livro infantil Chapeuzinho amarelo. Em 1991, publicou seu primeiro romance, Estorvo. O sucesso como escritor lhe rendeu três prêmios Jabuti, a premiação literária mais importante do Brasil, por Estorvo, melhor romance e livro do ano de ficção de 1992; Budapeste, livro do ano de ficção de 2004; e Leite derramado, melhor livro de ficção de 2010. Seu último livro, O irmão alemão, foi publicado em 2014.

Essa foi a primeira vez que um músico foi agraciado com o Prêmio Camões, que é um reconhecimento pela obra completa do artista. Ele foi eleito por unanimidade por um júri composto por representantes de Portugal, Brasil, Angola e Moçambique.

O júri justificou sua escolha pela “qualidade e transversalidade” da obra de Chico Buarque, “tanto através de gêneros e formas, quanto pela sua contribuição para a formação cultural de diferentes gerações em todos os países onde se fala a língua portuguesa”.

O peso literário das composições de Chico também foi destacado à época do anúncio do prêmio. “Evidente que esse prêmio é um reconhecimento pela poesia dele nas letras de música, que também são literárias, não só pelos livros. São poemas. Grandes poemas. A música Construção, por exemplo, é um poema até raro de se fazer”, afirmou o escritor Antonio Cícero, um dos brasileiros que compôs o júri, ao lado de Antonio Hohlfeldt, ao jornal Folha de S.Paulo. (Com agências de notícias)


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