Chefe do grupo mercenário Wagner diz que motim dos últimos dias não visava derrubar Putin

 
O chefe do grupo mercenário russo Wagner, Yevgeny Prigozhin, disse nesta segunda-feira (26), dois dias depois de liderar uma rebelião e posteriormente abortá-la, que a organização paramilitar privada nunca teve a intenção de derrubar o governo russo, e sim expor as falhas da liderança militar do país e salvar sua própria existência.

Em seus primeiros comentários públicos desde que foi visto pela última vez no sábado (24) à noite, sorrindo e cumprimentando espectadores enquanto se retirava de uma cidade ocupada por seus homens, Prigozhin afirmou que o motim buscava forçar a responsabilização dos comandantes russos que fracassaram em sua campanha militar na Ucrânia.

“Fizemos como uma demonstração de protesto, não para derrubar o governo do país”, disse o chefe dos mercenários em um áudio de 11 minutos no aplicativo de mensagens Telegram. “Nossa marcha mostrou muitas coisas que já discutimos antes: os sérios problemas de segurança no país”, completou, referindo-se à facilidade com que suas forças avançaram em direção a Moscou.

A extraordinária sequência de eventos do último sábado foi vista internacionalmente como a crise de segurança mais séria da Rússia em décadas. Naquele dia, Prigozhin ordenou que suas forças marchassem em direção à capital russa e convocou uma rebelião armada para derrubar a liderança militar da Rússia.

Os combatentes mercenários ocuparam instalações militares importantes na cidade de Rostov-on-Don, no sul da Rússia, que serve de centro logístico para o Exército russo e sua invasão da Ucrânia. Blogueiros militares russos relataram que o grupo derrubou seis helicópteros russos e um avião de comando e controle durante seu avanço.

Em resposta, os militares russos reforçaram as defesas da capital russa, com o presidente Vladimir Putin prometendo duras consequências para a “traição” de Prigozhin. Mas, horas depois, o porta-voz do Kremlin, Dmitri Peskov, anunciou que Prigozhin havia concordado com um acordo para partir para a vizinha Belarus, que apoiou a invasão da Ucrânia pela Rússia. As acusações contra o chefe miliciano de promover uma rebelião armada seriam retiradas, de acordo com o Kremlin, e as forças do Grupo Wagner deixaram Rostov-on-Don.

Nesta segunda-feira, Prigozhin afirmou que a organização paramilitar interrompeu sua campanha no sábado para evitar derramamento de sangue. “Paramos no momento em que a primeira unidade de assalto posicionou sua artilharia [perto de Moscou], fizemos um reconhecimento e percebemos que muito sangue seria derramado.”

 
Sem detalhes sobre acordo

No áudio, o chefe do Grupo Wagner não mencionou seu paradeiro ou qualquer plano futuro, e não revelou mais detalhes sobre o misterioso acordo que pôs fim ao motim. No sábado, ele havia dito apenas que estava partindo para Belarus após um acordo intermediado pelo presidente belarusso, Alexander Lukashenko.

“Lukashenko estendeu a mão e se ofereceu para encontrar soluções para a continuação do trabalho da empresa militar privada Wagner em uma jurisdição legal”, disse Prigozhin.

As três principais agências de notícias da Rússia informaram nesta segunda-feira que um processo criminal contra Prigozhin não havia sido encerrado, contrariando a imunidade prometida no acordo.

Putin, por sua vez, não se pronunciou sobre o motim desde sábado, quando disse que a rebelião colocou a própria existência da Rússia sob ameaça e prometeu punir quem estivesse por trás dela.

Nesta segunda, o Kremlin divulgou um vídeo do presidente parabenizando os participantes de um fórum industrial, sem incluir qualquer indicação de quando foi filmado.

Mikhail Mishustin, que lidera o gabinete de Putin como seu primeiro-ministro, reconheceu que a Rússia enfrentou “um desafio à sua estabilidade” e pediu lealdade pública. “Precisamos agir juntos, como uma equipe, e manter a unidade de todas as forças, unindo-se em torno do presidente”, disse Mishustin em uma reunião do governo transmitida pela televisão.

Autoridades russas divulgaram um vídeo que mostra o ministro da Defesa, Serguei Shoigu, viajando de avião, também sem conter evidências de quando foi filmado. Uma das principais exigências de Prigozhin era que Shoigu fosse demitido, juntamente com o general de mais alto posto da Rússia, que até a noite de segunda-feira ainda não havia aparecido em público desde o motim.

 
Transparecendo calma

Autoridades russas têm tentado projetar calma e insistem que houve um retorno ao normal. O Comitê Antiterrorismo da Rússia afirmou que a situação no país é estável.

O prefeito de Moscou, Serguei Sobyanin – que havia dito aos moradores para ficarem em casa no sábado, quando os combatentes amotinados chegaram a algumas centenas de quilômetros da capital –, anunciou a suspensão de um regime de segurança antiterrorismo.

Enquanto isso, governos estrangeiros, tanto aliados quanto hostis à Rússia, ficaram buscando resposta para o que havia ocorrido nos bastidores e o que poderia vir a seguir. A China, aliada da Rússia, afirmou que apoiava Moscou na manutenção da estabilidade nacional.

Já a Ucrânia e seus aliados ocidentais disseram que o motim revelou fissuras na Rússia de Putin. “O sistema político está mostrando fragilidades, e o poder militar está rachando”, afirmou o chefe da diplomacia da União Europeia (UE), Josep Borrell.

O secretário de Estado dos Estados Unidos, Antony Blinken, por sua vez, disse que o motim “desafiou diretamente a autoridade de Putin”. “Portanto, isso levanta questões profundas e revela fissuras reais” no mais alto nível do Estado russo, declarou.

 
Grupo mercenário

O Grupo Wagner é notório por sua crueldade e táticas brutais no campo de batalha. Ele também demonstrou sua violência fora da frente de combate em vídeos de supostas execuções de mercenários desertores.

Um vídeo publicado no aplicativo de mensagens Telegram mostra um ex-presidiário e combatente do Grupo Wagner, que se identificou como Dmitri Yakushchenko, aparentemente sendo espancado até a morte com uma marreta.

Mas, dois dias depois, Prigozhin apareceu diante de blogueiros militares e da mídia estatal russa com o suposto “combatente executado”, referindo-se a ele como “um bom sujeito, que trouxe uma grande quantidade de informações importantes do cativeiro ucraniano”.

Em 2022, o Grupo Wagner adotou a marreta como símbolo, depois de supostamente usá-la para executar um desertor de suas fileiras.

“A ostentação da crueldade é parte do que Prigozhin oferece. Seja o que for – uma peça encenada ‘trollagem’ ou performance imersiva –, isso tudo não deixa de fazer parte de uma campanha publicitária que promove o culto à violência”, escreveu Andrei Kolesnikov, do observatório de política externa Carnegie Endowment for International Peace, no jornal independente Novaya Gazeta.


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