Campanha para policial que matou Nahel arrecada € 1,4 milhão, família da vítima conseguiu 325 mil euros

 
Definitivamente a humanidade, se é que assim pode ser chamada, está com o fio trocado ou enfrentando um perene curto-circuito. Uma campanha de arrecadação de fundos para angariar dinheiro para a família do policial que matou na França, com tiro à queima-roupa, o adolescente Nahel M. superou 1,4 milhão de euros (R$ 7,37 milhões) nesta terça-feira (4), ultrapassando iniciativa similar para a família da vítima e atraindo a raiva de uma faixa da sociedade francesa.

O esforço de arrecadação de fundos foi lançado na plataforma americana GoFundMe pela personalidade da mídia de ultradireita francesa Jean Messiha, que apoiou a candidatura presidencial do extremista Éric Zemmour em 2022 e recebeu mais de 72 mil doações privadas.

Políticos de esquerda e de centro classificaram a arrecadação de fundos como vergonhosa, enquanto a extrema direita defende a força policial, que diz ser alvo diário de violência nos subúrbios de baixa renda das cidades francesas.

O deputado Éric Bothorel, filiado ao partido de centro do presidente Emmanuel Macron, descreveu a campanha como “indecente e escandalosa”. Olivier Faure, chefe do Partido Socialista, apelou à plataforma GoFundMe para encerrar a angariação de fundos.

Este é um debate que reflete as fraturas profundas que percorrem a sociedade francesa. “Este policial é vítima de uma caça às bruxas nacional, que é uma vergonha”, tuitou Messiha logo após lançar a campanha. “O esforço de arrecadação de fundos é o símbolo de uma França que diz não a esta traição.”

O policial foi indiciado por homicídio e está em prisão preventiva.

O líder do Partido Socialista, Olivier Faure, instou o GoFundMe a dar fim à campanha. “Vocês estão perpetuando uma brecha já escancarada ao apoiar um policial sob investigação por homicídio. Acabem com isso”, escreveu ele nas redes sociais.

 
Campanha para família de Nahel arrecada 352 mil euros

Enquanto isso, as promessas de arrecadação de fundos para a família de Nahel chegaram a 352 mil euros (R$ 1,8 milhão).

O ministro da Justiça, Eric Dupond-Moretti, disse à rádio France Inter que todos deveriam poder doar para um crowdfunder, mas acrescentou: “Eu não acho que (Messiha) vai na direção de apaziguamento.”

O assassinato ocorrido há duas semanas de Nahel, jovem de 17 anos descendente de argelinos e marroquinos, desencadeou uma violenta onda de protestos em todo o país e chocou a França.

As últimas duas noites, entretanto, transcorreram em relativa tranquilidade. A polícia fez 72 prisões durante a última madrugada, segundo o Ministério do Interior francês.

Lei para reparar danos dos protestos

O presidente da França, Emmanuel Macron, anunciou nesta terça-feira uma lei urgente para reparar os danos causados pelos tumultos.

O último relatório do Ministério do Interior detalha que quase 3.500 pessoas foram presas desde então, cerca de 12.200 carros foram incendiados e cerca de 1.100 edifícios foram danificados, incluindo delegacias de polícia e escolas.

 
Na região de Paris, epicentro dos tumultos, o governo regional contabilizou uma centena de prédios públicos danificados e deve aprovar na quarta-feira um fundo de ajuda de 20 milhões de euros.

De acordo com a autoridade regional de transportes IDFM, o impacto financeiro dos distúrbios no transporte público em Paris e seus subúrbios vai a pelo menos 20 milhões de euros.

Desrespeito e discriminação

Durante décadas, talvez séculos, a França, assim como outras nações colonialistas, ocupou países pobres mundo afora, submetendo a população local a situação degradante. Exauridos os recursos passíveis de exploração e verbalizando discurso em defesa da democracia, os colonialistas abandonaram os antigos territórios ocupados à própria sorte.

Na França, especificamente, os nascidos nas antigas colônias têm o direito de migrar para o país europeu, mas são tratados à sombra da discriminação, da xenofobia e da intolerância. Depois de décadas de exploração – em alguns casos pode-se falar em séculos –, tratar tais pessoas dessa maneira equivale a diariamente dar corda em uma bomba-relógio.

Os nascidos nas antigas colônias ou os descendentes nascidos na França não conseguem trabalho. Na melhor das hipóteses conseguem subempregos, muitas vezes com salários menores e condições aviltantes. Diante de um cenário como esse, não se pode esperar que essa parcela da população seja pacífica.

Para se ter ideia do nível de discriminação, milhares de trabalhadores com origem nas antigas colônias francesas são obrigados a omitir o sobrenome em solicitações de emprego, como forma de evitar eliminação antes da primeira entrevista.

Alegar que a polícia francesa é recebida com violência por essa parcela da população é jogar cortina de fumaça sobre uma realidade criminosa que afronta os direitos humanos. Quem conhece a França em suas minúcias sabe que o lema “liberdade, igualdade e fraternidade” é mera balela. (Com agências internacionais)


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