Chile rejeita segunda proposta de nova Constituição

 
Os chilenos rejeitaram no domingo (17), em referendo, a segunda proposta de uma nova Constituição e decidiram manter a atual, herdada da ditadura de Augusto Pinochet (1973-1990) e várias vezes alterada no período democrático posterior.

A opção de aprovar o novo texto, elaborado por um Conselho Constitucional no qual a direita e a extrema direita tinham maioria, obteve 44,24% dos votos. A opção de rejeitar o texto obteve 55,76% dos votos e levou a melhor sobretudo na capital, Santiago, e em Valparaíso, Atacama e Antofagasta, onde houve uma diferença de quase 20 pontos.

A votação ocorreu em cenário bem mais apático do que aquele visto quando o processo começou, há quatro anos. Mais de 3.200 locais de votação abriram para receber os 15,4 milhões de cidadãos aptos a votar.

De 17 capítulos e 216 artigos, o texto não obteve consenso político no Conselho Constitucional, órgão de 50 legisladores eleitos nas urnas, que elaborou a proposta durante seis meses e no qual ultraconservadores e a direita tradicional formavam a maioria, com 22 e 11 assentos, respectivamente.

Com o resultado, a atual Constituição segue em vigor e o debate sobre criar uma nova está encerrado durante o mandato do presidente Gabriel Boric, que termina em 2026. Ele já disse que não vai levar adiante um terceiro processo constituinte.

O partido conservador União Democrática Independente (UDI), que fez campanha a favor da nova proposta, foi o primeiro a reconhecer os resultados, e seu líder, Javier Macaya, declarou que os chilenos “não querem mudanças ou refundações constitucionais”.

“Vamos ver se depois de dois processos fracassados se consolida no Chile a necessidade de se chegar a acordos, porque o primeiro projeto era da esquerda, e o segundo, da direita”, disse Alberto Undurraga, presidente do partido de centro Democracia Cristã.

Novo texto reduzia Estado e limitava direitos

O segundo texto reduzia o peso do Estado, podia limitar alguns direitos, como o aborto terapêutico, e endurecia o tratamento a imigrantes, ameaçando aqueles que estão em situação irregular com expulsão “no menor tempo possível”.

As sondagens já antecipavam uma vitória da opção “contra”, embora com uma percentagem de dois dígitos de indecisos que poderá fazer pender a balança.

Tudo isso ocorreu diante do baixo interesse da população. “Não estou muito interessada na eleição. Vou votar porque é obrigatório, mas sei que não vai acabar em nada, vai acabar tudo igual”, disse Paula, enfermeira de 24 anos, à agência de notícias AFP.

A direita defendia que a nova proposta constitucional era melhor que a atual Carta Magna porque incorporaria atuais preocupações dos cidadãos, como a segurança e a migração.

Já a esquerda qualificava a proposta de dogmática, argumentando que perpetuava o modelo neoliberal que o regime instalou e acarretava retrocessos nos direitos

Segundo processo constitucional

Este foi o segundo processo constitucional que o Chile atravessou, depois daquele que terminou em setembro de 2022 com uma rejeição retumbante por parte do eleitorado de um projeto escrito por uma convenção de maioria esquerdista, que propunha uma transformação radical das instituições chilenas.

Apesar de as últimas sondagens indicarem a vitória da rejeição ao novo texto, especialistas diziam que o cenário era mais aberto do que parece, porque o voto é obrigatório – regra implementada em 2022 – e havia um grande conjunto de eleitores desconhecidos que estavam afastados das urnas há anos.

Outra incógnita era até que ponto a opção defendida pela esquerda, a de rejeitar a proposta, seria afetada por um caso de corrupção que envolve um dos partidos da coligação governista e que nos últimos dias ganhou força com a detenção de duas pessoas.

Boric viajou para a sua terra natal, Punta Arenas, mais de 3 mil quilômetros ao sul de Santiago, para votar de manhã cedo, e depois regressou à capital para acompanhar o escrutínio.

Processo começou em 2020 após protestos

Em novembro de 2020, 80% dos chilenos decidiram iniciar um processo para alterar a Constituição em vigor desde a ditadura em resposta aos protestos massivos e violentos que eclodiram em outubro de 2019.

Uma Assembleia Constituinte dominada pela esquerda elaborou um texto progressista, que incluiu transformações profundas, como a eliminação do Senado e o direito ao aborto, mas que acabou por afastar os eleitores, que o rejeitaram por 62%.

Iniciou-se outro processo, agora liderado pelo ultraconservador Partido Republicano, que elaborou um texto sob a sua ideologia e sem chegar a um consenso.

“Há um esgotamento dos cidadãos em relação ao processo constitucional, onde nem no primeiro processo como neste não se chegou a um consenso sobre o que queriam”, disse Carolina Lefort, advogada de 42 anos.

“É impressionante que isso esteja acontecendo no Chile, um país no contexto latino-americano reconhecido por uma boa classe política, aberto, tolerante ao diálogo e sempre em busca de acordos e consensos”, diz Michael Shifter, ex-presidente da Comissão Interamericana Centro de estudos de diálogo e professor da Universidade de Georgetown.

Segurança e economia preocupam

O aumento dos crimes violentos – que os chilenos associam à chegada de migrantes estrangeiros, na sua maioria venezuelanos – e uma economia que não arranca depois de um forte ajustamento destinado a conter a inflação, concentram agora a atenção da população.

Quatro anos depois de saírem às ruas para exigir maior justiça social, os chilenos querem agora mais polícia, ordem e segurança.

“É outro Chile. O país mudou drasticamente”, ressalta Shifter. “E de certa forma tornou-se um país mais latino-americano. Os chilenos sempre se consideraram uma exceção, um país mais europeu e não como os seus vizinhos, e agora parecem um pouco mais parecido com eles.”

Embora a Constituição tenha sido reformada diversas vezes na democracia, a substituição do texto do período Pinochet era uma aspiração antiga da esquerda chilena. Contudo, confrontados com uma proposta ainda mais conservadora, os partidos de esquerda chilenos apelaram ao voto “contra”, como um “mal menor” diante de um texto que aprofundaria o modelo neoliberal. (Com agências internacionais)


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