Norma do Conselho Federal de Medicina dificulta aborto legal

(Foto: Rovena Rosa – ABr)

 

O aborto é ilegal no Brasil, exceto se a gravidez for fruto de estupro, se houver risco de morte para a mãe ou se o feto for portador de anencefalia. A lei não estabelece um limite temporal para a interrupção da gestação, mas desde quarta-feira (3) ficou mais difícil realizar o procedimento a partir de 22 semanas de gravidez em caso de estupro.

O motivo é uma resolução do Conselho Federal de Medicina (CFM) que proíbe os médicos de realizarem nesses casos a assistolia, procedimento que causa a morte do feto antes de ele ser retirado do útero. A assistolia é uma recomendação da Organização Mundial de Saúde (OMS) nos casos de aborto legal acima de 20 semanas de gestação, e evita que o feto seja retirado do útero com sinais vitais.

Henderson Fürst, presidente da Comissão Especial de Bioética e Biodireito da Ordem dos Advogados do Brasil, afirmou ao jornal “Folha de S.Paulo” que a resolução do CFM restringirá o exercício do direito ao aborto legal, pois médicos terão receio de realizar o procedimento e ficarem sujeitos a punições administrativas e processos criminais.

O relator da resolução do CFM é Raphael Câmara Medeiros Parente, que foi secretário de atenção primária à saúde do Ministério da Saúde no governo Jair Bolsonaro. Ele afirmou à Folha que “nenhum médico vai ter coragem de fazer a antecipação de parto com 22, 23, 24 semanas”.

A resolução do CFM tem diversos trechos que buscam defender a restrição ao direito ao aborto legal. Afirma, por exemplo, que “a liberdade para encerrar uma vida humana potencialmente viável coloca-se também como tirania da vontade, gerando o extermínio forçado de uma outra vida”, e que a assistolia é um procedimento “destrutivo e maleficente a uma vida humana potencialmente viável em várias situações”.

Disputa política sobre aborto legal

A iniciativa do CFM é a peça mais recente de um longo contexto de batalhas sobre a restrição do direito à interrupção da gravidez nas hipóteses previstas em lei.

O governo Bolsonaro empreendeu algumas medidas para dificultar o acesso ao aborto legal, como obrigar profissionais da saúde a oferecer às mulheres vítimas de estupro exames de ultrassom para ver o feto ou embrião antes de interromper a gravidez, exigindo que fossem mantidas possíveis evidências materiais do crime de estupro, como fragmentos do embrião ou feto.

Uma nota técnica do Ministério da Saúde durante o governo Bolsonaro também recomendou que o aborto legal fosse feito somente até 21 semanas e seis dias de gestação, sob o argumento de que a partir desse momento havia “viabilidade do feto”.

A normativa adiou, por exemplo, a possibilidade de uma menina de Santa Catarina de 11 anos realizar o aborto legal, pois ela havia descoberto a gravidez às 22 semanas de gestação. Ela foi inicialmente impedida de realizar o procedimento, e conseguiu fazê-lo somente após intervenção do Ministério Público Federal.

Em fevereiro deste ano, sob o governo Luiz Inácio Lula da Silva, o Ministério da Saúde publicou nova nota técnica estabelecendo que não haveria limitação ao aborto legal, exceto as previstas pela “Constituição, pela lei, por decisões judiciais e orientações científicas internacionalmente reconhecidas”.


 
A nota técnica provocou reação de políticos conservadores. A senadora Damares Alves (Republicanos-DF) disse que estudava mover medidas jurídicas e legislativas contra o texto.

O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira, também tratou do tema em uma reunião em Brasília com o primeiro-secretário da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), Dom Ricardo Hoerpes, e disse ser necessário uma “discussão maior” sobre o assunto.

No mesmo dia da reunião entre Lira e o representante da CNBB, o Ministério da Saúde suspendeu a nota técnica, sob o argumento de que ela não havia sido avaliada por “todas as esferas necessárias” no governo, o que foi comemorado por Lira.

Por outro lado, parlamentares de esquerda também reagiram à resolução do CFM que dificulta a realização do aborto legal.

Na quarta-feira, a deputada federal Erika Hilton disse que a norma buscava “impedir o exercício do direito de mulheres e pessoas que gestam previsto em lei”, e apresentou à Câmara um projeto de decreto legislativo para sustar a resolução do CFM. (Com agências de notícias) [Foto em destaque: Marlene Bergamo – Folhapress]


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