O barulho dos inocentes

(*) Carlos Brickmann

carlos_brickmann_10Um fato há que reconhecer: tanto o presidente da República quanto o líder da oposição, mesmo vivendo no meio de toda essa sujeira que tanto nos assusta, mantêm intacta sua pureza. Lula conviveu dezenas de anos com José Dirceu, Delúbio, Marcelo Odebrecht, todos já condenados por corrupção, e proclama que é inocente, aliás nem sabia de nada; Temer presidiu o PMDB de Eduardo Cunha por quinze anos, teve convívio próximo com os seis ministros que se afastaram por problemas judiciais, admite ter recebido um empresário do ramo de doações ilícitas (que, na delação premiada, citou seu nome como captador de recursos) mas garante que não tratou disso com ele. É inocente, diz. Não mexia com essas coisas.

É bonito saber que o ambiente depravado em que circularam com tanto êxito, sem saber que era depravado, não afetou sua inocência. Lula sustenta que o apartamento triplex e o sítio de Atibaia não são dele, que a propósito nem imaginava que os voos em jatinhos fossem algo mais que uma gentileza. Temer ofereceu um jantar ao empresário Marcelo Odebrecht em sua residência oficial de vice-presidente da República, o Palácio do Jaburu, após o qual a Odebrecht ficou R$ 10 milhões mais pobre. O delator Cláudio Melo Filho diz que o dinheiro foi para o caixa 2 (o que é confirmado por Marcelo Odebrecht). Temer explica que não, que todas as doações recebidas foram legais, nada de caixa 2.

Aliás, o que é Caixa 2?

Fique tranquilo

Estiveram no jantar do Jaburu o então vice-presidente Temer, o deputado Eliseu Padilha, Odebrecht, Cláudio Melo Filho. Como a conta foi paga pelo caro leitor, esta coluna informa que pode ficar tranquilo: Temer é pessoa cultivada, de fino trato, e com certeza comida e vinhos foram bons.

Balanço geral

1 – Temer foi acusado pela segunda vez, nas delações da Odebrecht, de pedir pixulecos de campanha em troca de favorecimentos à empreiteira.

2 – Lula, que já é réu em quatro processos, foi denunciado pela quinta vez pela Lava Jato, por corrupção passiva e lavagem de dinheiro.

3 – O quarto processo, da Operação Zelotes, foi recebido anteontem pela Justiça. Refere-se à acusação de tráfico de influência na compra dos 36 caças supersônicos suecos Grippen.

4 – Lula abriu processo por danos morais contra o promotor Deltan Dallagnol. Pede indenização de R$ 1 milhão.

5 – O promotor Deltan Dallagnol critica o Congresso, por modificar o projeto das medidas anticorrupção. “Congresso: nos deixem trabalhar”.

6 – Lembra da liminar do ministro Luiz Fux, mandando, sob críticas do ministro Gilmar Mendes, que o Senado devolvesse à Câmara as “medidas anticorrupção”? Pois o presidente do Senado, Renan Calheiros, se recusa a cumpri-la. Renan já tinha se recusado a cumprir uma liminar do ministro Marco Aurélio, que o afastava do cargo. Daquela vez ganhou a parada.

Sem fantasia

Já ouvimos autoridades dizer que não podem combater a barbárie que acompanha algumas manifestações de rua por não haver lei específica sobre o tema. Já estamos cansados de ouvir que a manifestação era pacífica, que a Polícia é que atacou os manifestantes e de repente, naquele grupo de pessoas ordeiras e pacíficas, surgiram rojões, morteiros, correntes, socos ingleses e outros objetos que em geral todo mundo traz nos bolsos. Já estamos carecas de aguentar a pregação de que os pacíficos manifestantes, contra sua pacífica vontade, sofreram infiltração de black blocs.

Chega. Chega. A brincadeira já cansou. Os vândalos são filmados, podem ser identificados, mas apenas um ou outro vai preso, e destes, muitos são liberados em seguida. Não há infiltração nenhuma: os vândalos lamentavelmente são parte do grupo, que os aceita e não age de maneira nenhuma contra eles. O que houve na avenida Paulista, há dias, é inaceitável: os vândalos destruindo o teatro do SESI, que apresenta espetáculos gratuitos, e invadindo o prédio da Fiesp, depois de arrebentar sua fachada, e ninguém é preso? O Governo, que detém legalmente o monopólio do uso da força, desistiu da segurança?

Se o Governo deixa de cumprir sua obrigação legal, não estará cometendo prevaricação? Estará ainda dentro da lei?

Uma história de verdade

Dentro de poucos dias ocorrerá o terceiro aniversário do assassínio do cinegrafista Santiago Andrade, da Rede Bandeirantes. Foi morto por um rojão na nuca quando trabalhava na cobertura de uma manifestação no Rio. Os dois acusados do assassínio foram presos em poucos dias. Até hoje não foram julgados (e estão soltos). Até há pouco a Justiça discutia se o caso deve ir a júri. O STJ decidiu que sim. Mas o caso precisou ir a Brasília para a decisão sobre a forma de julgamento. É bom-mocismo demais.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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