Entre a legalidade e a moralidade há uma considerável distância. Isso significa que nem tudo que é legal pode ser considerado moral. Na verdade, no país em que apenas na Constituição Federal “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza”, a imoralidade quase sempre prevalece.
Esse pensamento serve para ilustrar a questão do auxílio-moradia pagos a juízes, integrantes do Ministério Público e políticos. No momento em que bons exemplos são necessários para tirar o Brasil da vala do descrédito, juízes defendem a realização de greve para garantir a discussão do tema. A ameaça dos magistrados é grave e deve ser rechaçada pela sociedade, pois é inadmissível que um movimento como esse ganhe força apenas para manter um privilégio amoral e aético.
Alguns juízes garantem que o auxílio-moradia é uma forma indireta de salário, como afirmou o presidente do Tribunal de Justiça de São Paulo, Manoel de Queiroz Pereira Calças, para quem o valor do benefício (R$ 4,3 mil mensais) é baixo. Levando-se em conta que o benefício é considerado como complementação de salário, que sobre o montante incida os devidos impostos, pois não se pode aceitar que operadores da lei driblem a legislação.
A situação torna-se ainda mais grave quando constatado que um casal de juízes reside no mesmo imóvel mas o benefício é pago a ambos. Em determinados casos, magistrados são proprietários de vários imóveis e não escondem esse status material, pelo contrário. Ou seja, o escárnio é gigantesco. O que confirma a tese de que juízes acreditam ser semideuses, quando na verdade são servidores públicos pagos com o suado dinheiro do contribuinte.
Não importa o fato de o tal auxílio-moradia constar da Lei Orgânica da Magistratura, a qual não pode atropelar a Constituição e muito menos a moralidade pública. Se aquele que ingressa na magistratura não está contente com o salário, que mude de carreira. E se optar por permanecer no Judiciário, que coloque a mão no bolso para morar, seja em imóvel próprio ou alugado. Causa preocupação a possibilidade de todos servidores públicos pleitearem o mesmo benefício. Em um país à beira do despenhadeiro da crise, a queda no abismo é questão de tempo.
Situação idêntica acontece na seara do Ministério Público, onde o auxílio-moradia é pago sob o manto da legalidade, não importando se o benefício é provido de moralidade. Há servidores públicos (Judiciário ou MP) que, valendo-se da situação de trabalhar fora do domicílio de origem, optam por residir em cidades aprazíveis próximas ao local de trabalho. Ou seja, usam o dinheiro público para manter casas de veraneio, onde familiares se refestelam nos finais de semana.
Em determinado caso, um procurador da República decidiu morar em badalada ilha do litoral paulista, onde recebe a família para corriqueiros convescotes. O auxílio-moradia foi instituído para recompensar o servidor público que é transferido para outra localidade, que não a de seu domicílio. Isso significa que fazer do benefício uma complementação de salário é violar a lei.
Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), a ministra Cármen Lúcia pautou para o dia 22 de março o julgamento das ações que tratam do pagamento de auxílio-moradia a juízes. Entre as referidas ações está a que o ministro Luiz Fux julgou em 2014, em caráter liminar, estendendo o auxílio-moradia (R$ 4,3 mil) a todos os juízes do País. Fux deveria se declarar impedido de julgar a ação, pois sua filha, Marianna Fux, é desembargadora do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, portanto contemplada com o auxílio-moradia.
Casos semelhantes no Congresso
No Congresso Nacional o pagamento de auxílio-moradia também é algo escandaloso, mas a classe política trata de manter o assunto longe dos holofotes. Durante anos, o UCHO.INFO denunciou o uso indevido do auxílio-moradia, uma vez que parlamentares destinavam os valores recebidos para pagar parcelas de financiamento de imóveis. E nesse caso há um desvio na destinação do recurso público.
A farra era tamanha, que alguns políticos adquiriram vários imóveis em Brasília, muitos alugados para terceiros. O construtor, movido pela virulenta esperteza verde-loura, financiava diretamente os imóveis de acordo com o status do parlamentar: em quatro anos para deputados federais e em oito para senadores (tempo de cada mandato)
Durante esse período, o editor deste noticioso foi pressionado e ameaçado por políticos donos de construtoras, que alegavam ser nossas denúncias nocivas aos negócios deles. Muitos foram obrigados a abrir mão do auxílio-moradia.
Na diplomacia brasileira a situação não é diferente. Há casos em que diplomatas ou funcionários de embaixadas e consulados usaram o auxílio-moradia para a aquisição de imóveis, o que viola a lei. Isso aconteceu, por exemplo, em Miami, onde o então cônsul-geral Luiz Fernando Benedini usou o benefício para pagar as parcelas do financiamento de confortável casa na cidade da Florida, adquirida em nome de terceiros. A denúncia feita pelo editor deste portal resultou na exoneração do diplomata a bem do serviço público, Anos mais tarde, acabou reintegrado ao posto por obra e graça da Justiça brasileira.