Crônica de uma crise anunciada

(*) Carlos Brickmann

Bolsonaro, bastou subir nas pesquisas, voltou a falar. Péssima ideia: para ofender o jornalista que quis saber por que o casal Queiroz depositou R$ 89 mil na conta de Michelle Bolsonaro, disse que o coronavírus é mais perigoso para os bundões. Ofendeu parentes e amigos de 120 mil mortos pelo Covid.

Mas a crise anunciada é muito pior do que sua renúncia à boa educação. A crise tem duas vertentes: uma, a que o levou a falar, as dúvidas despertadas pelas ações de Queiroz, do advogado Wassef (que pagou mais de R$ 10 mil ao urologista de Queiroz) que o representava e a seu filho Flávio; e à fritura de Paulo Guedes, mais uma vez deixado de lado.

A crise Paulo Guedes (veja as próximas notas) talvez seja só fumaça: ele já mostrou mais de uma vez que está disposto a engolir muito sapo desde que fique no cargo – e, se sair, o máximo que terá de solidariedade serão frases do tipo “coitado, ele não tem culpa nenhuma! Ele não fez nada!” Mas a outra crise, pela reação que causou no presidente, tem potencial para machucá-lo.

Lembrando: quando foram descobertos os primeiros depósitos de Queiroz na conta de Michelle Bolsonaro, o presidente disse que eram a devolução de um empréstimo de R$ 40 mil que ele havia feito ao amigo. Não há registro de depósito de Bolsonaro na conta de Queiroz. Há as suspeitas de rachadinha sobre Flávio, há os inquéritos do STF sobre notícias falsas que passam pelo Gabinete do Ódio (no Planalto, pertinho do gabinete presidencial). Há mais.

Formação de família

Com Ana Cristina, Bolsonaro teve boa evolução patrimonial. O casal comprou 14 apartamentos, terrenos e casas, cinco dos quais em dinheiro vivo, o que é legal, mas incomum. Um lote, comprado por R$ 160 mil, foi vendido por ela cinco anos depois, por pouco menos de R$ 2 milhões (na época, já estava separada). O argumento de que o Governo petista roubou muito mais não tem valor: ilegalidade não tem piso a partir do qual passa a ser punível.

Claro, sempre é possível que tudo seja explicado, mas ameaçar encher de porradas a boca do repórter que fez a pergunta nada explica.

Na frigideira

O ministro Paulo Guedes deveria ter apresentado ontem o que chamou de Big Bang, seu projeto de retomada econômica pós-pandemia que envolveria o Renda Brasil – uma espécie de Bolsa Família melhorada e ampliada. Mas não apresentou: Bolsonaro não gostou do Renda Brasil, achou R$ 247,00 pouco (embora bem mais do que a média de R$ 191,00 do Bolsa Família) e pediu a reformulação do projeto, para torná-lo mais compreensível e simples.

Em compensação, houve a triunfal apresentação do programa Casa Verde e Amarela, pelo ministro do Desenvolvimento Regional, Rogério Marinho, que prevê a construção de 350 mil habitações populares até 2024, junto a um plano de regularização de terrenos, reforma de moradias em mau estado, financiamento para ampliação de residências, tudo com juros mais baixos do que os do Minha Casa, Minha Vida e com estímulos específicos para Norte e Nordeste. Os juros dos empréstimos ainda não foram definidos. O Imposto Ipiranga Paulo Guedes, ministro da Economia, que segundo Bolsonaro seria o dono do pedaço, não apareceu. Disse que tinha outras reuniões a fazer.

Menos um

Não seria surpresa para esta coluna se um badalado ministro deixar seu posto, inesperadamente, e ganhar um bom cargo em Brasília ou no Exterior.

Bayern, campeão e antinazista

O meia Leon Goretzka e o lateral Joshua Kimmich, titulares do Bayern de Munique e vencedores da Champions League, doaram US$ 80 mil ao Museu de Auschwitz-Birkenau, na Polônia. Os campos de concentração de Auschwitz e Birkenau, explicam, fazem parte da história da Alemanha e da Polônia. “Todos temos o desafio de garantir que um dos capítulos mais sombrios da história humana não se repita. É importante para nós ajudar a garantir que a cultura da lembrança permaneça, mesmo na pandemia”. Ambos criaram a WeKick Corona, para ajudar a combater o coronavírus.

Bela atitude, compatível com a bela história do Bayern de Munique, que reagiu ao nazismo. Seu presidente, Kurt Landauer, e o técnico, Richard Kohn, eram judeus; caçados, exilaram-se na Suíça. O clube declarou que Landauer continuava presidente e que, embora seguindo as leis impostas pelo nazismo, discordava da ideologia.

Num amistoso do Bayern na Suíça, Landauer estava na arquibancada. O time inteiro foi até lá para aplaudi-lo e só parou quando agentes nazistas os ameaçaram. O atleta olímpico Wilhelm Simetsreiter fez questão de tirar uma foto ao lado de Jesse Owens, negro que ousou derrotar os favoritos alemães. Os nazistas decidiram apreender os troféus de prata do Bayern. O capitão do time, Conrad Heidkamp, os escondeu e salvou. Após a guerra, Landauer voltou à Alemanha, foi eleito presidente do Bayern e ficou até 1951. Ainda agora, torcedores do Bayern homenagearam Fritz Landauer, que teve a coragem de resistir à ditadura.

(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.

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