(*) Gisele Leite
É célebre na Bíblia a passagem em que o povo judeu, no meio do deserto, já cansado de comer o insosso maná caído do céu, sente saudade da cebola comida no Egito, ainda no tempo da escravidão. Na tentativa de se manter numa relativa zona de conforto parecer ser mais forte que o desejo de liberdade.
A nossa “cebola egípcia” é o regime militar de 1964. Pois, diante de tantos descalabros de corrupção e tantas outras mazelas e bizarrices atuais, muitos parecem sentir sinceras saudades da ditadura.
De fato, naquelas épocas castrenses, jamais um general não seria desmentido por mico-leão-dourado, espécie privativa da Mata Atlântica, enquanto alegava filmando estar na Floresta Amazônica.
Pois, não precisávamos votar, nem decidir sobre os rumos legislativos e administrativos do país, acreditávamos piamente que as autoridades velavam fielmente pela idoneidade da vida pública. Pela segurança pública e, ainda, pela segurança jurídica.
Vivíamos imbuídos e fascinados por aquelas rígidas instituições tão bem disciplinadas por rígidos códigos de conduta, com um processo formativo previamente estabelecido e com normas evidentes, apresentando quadros fornidos de comportamento confiável. Até hoje, nas mais recentes pesquisas de opinião, são os bombeiros considerados os mais confiáveis servidores pela população.
No entanto, o auxílio emergencial fora pago a trinta e sete mil militares, que o receberam indevidamente, são dados fornecidos pelo Ministério da Cidadania em resposta a pedido do Tribunal de Contas da União. E o governo promete e anuncia que irá criar um sistema cadastral para detectar os que receberam indevidamente para que devolvam os recursos ao Poder Público. Porém, até o presente momento, ninguém devolveu.
O pobre coração humano ciclicamente padece das mesmas tentações. De sorte que qualquer confiança cega nos militares não deve ser endossada. Aliás, é bom que se frise, se o ex-capitão do Exército não houvesse optado pela carreira política, teria sido expulso pelo seu comportamento considerado inadequado. Escapou por um triz.
Um Presidente que não segue a liturgia, fala palavrões, ofende jornalistas, comete crime de periclitação à saúde pública, não respeita as posturas municipais do DF e, ainda por cima, negacionista a existência do coronavírus. Não obstante ter sido contaminado. Mas, esse vírus não fora justo como fora com Rodrigues Alves, que acabou falecendo da gripe espanhola da qual desdenhou.
Enfim, Machado de Assis é que tinha razão, in litteris: “Cada tempo tem a sua Ilíada; as várias Ilíadas formam a epopeia do espírito humano”.
(*) Gisele Leite – Mestre e Doutora em Direito, é professora universitária.
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