Eloquente, com discurso concatenado e bem treinado pela equipe de campanha, o presidenciável Ciro Gomes (PDT) na bancada do Jornal Nacional mais parecia político de um país nórdico do que alguém que almeja ocupar o Palácio do Planalto a partir de 2023, onde terá de gerenciar uma avalanche de problemas. O pedetista convenceu alguns eleitores com sua fala mansa, em especial os que desconhecem como funciona de fato a política brasileira.
Durante a entrevista ao JN, Ciro apresentou propostas e soluções que soam bem aos ouvidos dos desavisados, mas são quase impossíveis de serem implementadas em apenas quatro anos de mandato, já que o pedetista afirmou que, se eleito, não concorrerá à reeleição.
O Brasil vive uma crise grave e múltipla, sendo a miséria e a fome os pontos mais preocupantes e que exigem soluções imediatas. Como disse o sociólogo Herbert José de Sousa, o Betinho, “quem tem fome, tem pressa”. Os famintos não podem esperar propostas saírem do papel para eventualmente alcançarem o terreno da realidade.
Ciro propôs criar 5 milhões de empregos nos dois primeiros anos de governo e instituir um patamar de renda mínima de R$ 1 mil. Criar tantos milhões de postos de trabalho em tão pouco tempo e à sombra do manicômio tributário que existe no Brasil é ser otimista demais. Reforma tributária já foi tentada várias vezes, mas o projeto sempre acaba à beira do caminho porque a gastança oficial não permite tal mudança.
Sobre a renda mínima de R$ 1 mil, o pedetista disse que os recursos para custear o programa virão da tributação de grandes fortunas (acima de R$ 20 bilhões). Esse tema já foi aventado inúmeras vezes, mas o lobby do capital no Congresso Nacional dificulta a aprovação de matéria dessa natureza. O processo é simples: os endinheirados prometem abastecer campanhas eleitorais, mas em troca querem a certeza de que o status quo será mantido.
O candidato do PDT afirmou que a parcela de inadimplentes que pagar aos credores duas vezes o valor da dívida terá a pendência quitada. Entre propor e executar há uma distância considerável. Primeiro é preciso combinar com os credores, em sua maioria instituições financeiras, que se acostumaram a abater do Imposto de Renda os valores relativos aos chamados “não recebíveis”.
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Além disso, uma decisão da 17ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça de São Paulo permite que os inadimplentes sejam cobrados após os cinco anos previstos em lei. A cobrança poderá ser feita de forma administrativa e amigável, sem ação judicial, e o credor fica autorizado a inserir o nome do devedor nos cadastros de proteção ao crédito. A proposta é tão boa que fez Karl Marx virar na tumba, mas implantá-la é outra história.
Sobre a dependência do Palácio do Planalto em relação ao Centrão, o que há de pior na política nacional, Ciro Gomes afirmou que governar com o informal bloco parlamentar que se dedica ao proxenetismo político é “certeza de uma crise eterna”. Sendo assim, antes de tentar chegar à Presidência, Ciro Gomes deveria ensinar o brasileiro a votar, pois do contrário os “mesmos de sempre” do malfadado e criminoso Centrão estarão de volta ao Congresso a partir de fevereiro do próximo ano.
Ciro Gomes propôs governar com base em plebiscitos, como se isso fosse simples e o brasileiro estivesse preparado para consultas públicas recorrentes. No Reino Unido, onde o nível de escolaridade e compreensão da maioria dos cidadãos supera o dos brasileiros, o Brexit, plebiscito que tirou o país da União Europeia, provocou uma situação econômica difícil para os britânicos. Imagine o Brasil realizando um plebiscito a cada pendenga política que surgir em cena.
O pedetista afirmou que o eleitor precisa enxergá-lo não apenas como candidato, mas como um movimento abolicionista. “A gente tem que entender que eu represento uma espécie de movimento abolicionista num sistema escravista. Você não vai esperar que um escravista ajude o abolicionista”, afirmou.
Em meio a uma campanha eleitoral, essa fala visguenta inebria os desavisados, mas não é essa a realidade dos fatos, a começar por Ciro Gomes, que está a léguas de distância de ser um abolicionista. Primeiro porque o pedetista vem de uma família conhecida na política nordestina, mais precisamente do Ceará. Ciro foi governador do Ceará, o irmão Cid também governou o estado – com direito a escândalos – e atualmente exerce mandato de senador. Outro irmão, Ivo Gomes, é prefeito de Sobral, importante cidade cearense.
Pai do candidato pedetista, José Euclides Ferreira Gomes Júnior era filiado à Aliança Renovadora Nacional (Arena), partido criado para dar sustentação política à ditadura militar, e foi prefeito de Sobral de 1977 a 1983. O pai de Ciro presidiu o diretório da União Democrática Nacional (UDN), na cidade paulista de Adamantina. Fundada em 1945, a UDN foi um partido de orientação conservadora e de oposição a Getúlio Vargas e à ditadura do Estado Novo. Em outras palavras, o pai de Ciro foi contra a ditadura varguista, mas apoiou a ditadura militar.
Quando buscou a reeleição, em 2020, Ivo Gomes, irmão de Ciro, recebeu doações no valor de R$ 31 mil de empresas que tinham contratos com a Prefeitura de Sobral no valor de R$ 5 milhões. Em suma, condenar o Centrão e afirmar que se não pode “esperar que um escravista ajude o abolicionista” contrasta com o histórico político da família Ferreira Gomes.
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