Cada um no seu quadrado: Entre quatro traços marcados no chão, Alexandre Pedrezani grita a palavra de Deus
(*) Ana Carolina Castro e Karina Trevizan
Fotos: Everton Amaro
O quadrado marcado a giz no chão tem Alexandre no centro. As pessoas vão chegando e se posicionando. Quando surge uma falha ou o grupo começa a se dispersar, ele pede: “Irmão, chega mais perto, sobe no risquinho”. O pregador afirma que a função da marcação no chão é unicamente manter a ordem.
Aproximamo-nos já no fim do culto. O aglomerado de ouvintes dispersara-se e Alexandre, sentado em uma mala cheia de DVDs, conversa com seu parceiro, Antônio. Ele pergunta se pode conversar conosco sentado, pois as pernas já doem de tanto ficar em pé, caminhando pelo quadrado de giz.
O trabalho na Praça da Sé é denominado por ele como um “trabalho independente”, que ele desenvolve junto com um grupo de amigos. Mas pregar em plena Praça da Sé não é trabalho para qualquer um. Segundo ele, os percalços são maiores do que se imagina, chegando às vezes a agressões. “Esse trabalho é um chamado de Deus, você tem que ser escolhido e estar preparado para isso. Pregar na praça não é como as pessoas pensam. Sofremos muito com xingamentos e agressões, tem gente que até joga pedra e pedaços de pau, principalmente mendigos e bêbados”, explica Alexandre.
Alexandre relata uma vez em que isso aconteceu: “Há dois anos, alguns mendigos ficaram revoltados com o que eu pregava e me cercaram na roda. Naquele dia eu levei várias pauladas nas costas e acabei esquecendo que eu era crente. Peguei o pedestal do microfone e bati neles. Furei o olho de um e o outro saiu sangrando. Foi uma coisa horrível. O pior é que o patrulhamento estava vendo e não fez nada. Foi o momento mais marcante aqui na praça.”
Questionado sobre o motivo que leva tantas pessoas a se desagradarem com suas pregações Alexandre afirma: “Pregar o Evangelho é pregar uma vida espiritual, e não carnal. Isso atinge as pessoas. Muitos não gostam de ouvir a verdade, e o Evangelho é a verdade. Nosso único objetivo é libertar a pessoa do mal e proporcionar um encontro real com Deus.”
Ele e seus companheiros não são os únicos a pregar na Praça da Sé. Muitos grupos, de diferentes igrejas, tem seu quadrado na praça. Alexandre afirma que não há concorrência entre os pregadores e que a relação entre eles é bastante amistosa. “A praça é grande e o Evangelho é público. Cada igreja pensa de uma forma, mas Deus é o mesmo”, conclui.
A voz rouca evidencia sua rotina desgastante; ele chega na Praça da Sé às 10hs e só vai embora às 16hs. Mas não para por aí. Vai para casa, toma banho e segue com a esposa e dois filhos para a igreja. De segunda a sexta, a rotina é a mesma há 9 anos. Às 8h30 Alexandre sai de sua casa em Cidade Tiradentes, periferia de São Paulo, e vai para a Praça da Sé. Nos finais de semana, geralmente viaja para pregar em outras cidades. “A igreja banca as viagens porque somos missionários e o nosso papel é viajar. A igreja comunica o destino, deposita o dinheiro na minha conta para pagar a passagem, o hotel ou a casa onde vamos ficar e fornece todo o dinheiro que for preciso”, explica ele.
Antes de trabalhar para a igreja, o pregador era gerente em uma empresa de alimentação no Parque Dom Pedro II. A ligação pessoal com a Praça da Sé teve início nesse período. No horário do almoço, passava na praça e ficava ouvindo a pregação de outros irmãos. Um dia, decidiu mudar de vida e tronou-se evangélico.
Hoje casado e com cinco filhos, Alexandre conta com o apoio da esposa, que o acompanha em todas as viagens. Os filhos ficam com a sogra. Apesar do salário pago pela igreja, grande parte da renda da família deve-se à venda dos DVDs na praça. O DVD, vendido a R$10, é a gravação de um culto em Minas Gerais em que Alexandre foi o pregador.
Apesar da difícil missão e da vida simples que afirma levar, Alexandre se define como uma pessoa extremamente feliz. “Quando eu era do mundo do crime, minha casa era frequentada por gente do pior tipo. Hoje eu tenho paz, durmo tranquilo. De que adiantaria ter muito dinheiro e não ter sossego na minha alma?”, pergunta Alexandre.
A entrevista acaba. Ele aperta nossas mãos e se despede com um “Deus te abençoe”. Sai carregando a mala pesada onde guarda seus DVDs. A camisa está suada, já bem amarrotada. Alexandre atravessa sorrindo a Praça da Sé dirigindo-se ao metrô, carregando a mala em uma mão e uma Bíblia em outra.
Essa reportagem faz parte da série “Praça em carne e osso – Histórias da Sé, seus rostos e personagens”. Clique e veja a introdução da série.
Clique e veja a segunda reportagem da série, sobre o músico-engraxate Antonio Martins