(*) Gilmar Corrêa –
A intervenção do ex-presidente (ou seria ainda presidente?) Lula da Silva na crise provocada pelas denúncias contra o ministro-chefe da Casa Civil, Antônio Palocci, serve como um estudo preliminar do que acontece na Botucúndia República, hoje representada pela presidente Dilma Rousseff.
A primeira observação é que a base parlamentar construída antes e depois do pleito de outubro é muito frágil. Sustentada e assentada sobre bases fisiológicas, estremece a cada brisa sobre o Planalto Central. No caso de Palocci, foi uma frente fria capaz de mexer com os peões e os bispos do tablado político. A mudança das peças provocou, como se sabe, a presença do especialista em jogar tudo pra baixo do tapete.
A outra observação é que Lula da Silva não retornou à Brasília para defender sua pupila, sob o argumento de que lhe faltaria experiência com os bastidores da política. Ou melhor, com o lamaçal em que se transrformou o poder central. O ex-presidente veio para se proteger e preservar um sistema montado nos últimos oito anos. O círculo desse poder construiu, como se sabe, operações que são sensíveis a uma investigação séria.
E neste grupo as divisões nascem à medida que são oportunizadas demandas promíscuas entre o público e o privado. Quando a ordem desta natureza é alterada, aparecem outros oportunistas para se aproveitar do momento, da carniça, como na disputa pela sobrevivência entre os animais que povoam a natureza de nossos ecossistemas.
Assim nascem os acordos espúrios para blindar Palocci ou esconder os negócios supostamente antirepublicanos. O governo assentado nestas condições, certamente, não tem vida longa. Pode até subsistir, mas estará contaminado pelo cheiro forte que caracteriza as estações de tratamento de esgoto.
A participação direta de Lula da Silva no episódio, desautorizando a própria presidente, que mais tarde rompe o silêncio obsequioso, remete também a outros episódios históricos.
Não vamos muito longe na História para lembrar o Massacre de Ezeiza. Para quem não sabe, foi um enfrentamento entre grupos armados peronistas em junho de 1973. Aconteceu com a volta definitiva à Argentina de Juan Domingo Peron após 18 anos de exílio. Me socorro ao Wikipedia para informar que o embate ocorreu entre os esquerdistas Montoneros e a direita sindical CGT.
Estimativas feitas por parte da imprensa estimam que o conflito produziu 13 mortos e 365 feridos, o que nunca pôde ser confirmado visto a ausência de investigação oficial sobre o episódio.
Alejandro Agustin Lanusse foi um Geisel dos hermanos. Conduziu a transição para o governo civil. Tinha força política, mas não o suficiente para deixar Perón voltar direto. Negociou. Foi eleito um preposto, Héctor José Cámpora, que começou a agir independente do chefe. Aí os ministros e membros do peronismo (os Petralhas de lá na época) passaram a despachar na casa do caudilho.
Com a retirada do apoio de Perón ao seu governo, Cámpora renunciou em julho – um mês depois do Massacre de Ezeiza. Antes, convocou novas eleições nas quais Perón foi reeleito com mais de 60% dos votos. Quando deixou o poder, Cámpora foi a pé para casa. Perón voltou nos braços do povão. Mas estava doente, durou pouco.
Suprimindo-se alguns detalhes, os dois casos são similares. Lula da Silva está aí para mostrar que está vivo, que é o chefe, inclusive e especialmente dos mensaleiros. Para lembrar também que foi ele quem fez a eleição de Dilma e que não aguenta ficar na sombra. Dá conselhos públicos.
Nesta sujeira há teoricamente duas saídas para Antônio Palocci. Fazer um acordo de bastidores para se preservar (de imediato). E aí está vendo seu interesse e dos grupos econômico-financeiros que não querem Lula da Silva, que podem continuar se beneficiando da “Viúva” sem a presença do ex-presidente.
A segunda possibilidade seria pedir o boné para preservar a atual presidente da República e o que resta de democracia. Neste quesito, vale citar o que me contou um advogado amigo. Note que a fome se juntou com a vontade de comer: oportunistas que em nome de Deus roubam os incautos ignorantes, mais os ruralistas, massa de manobra do grande agronegócio, que só vêem o lucro de agora sem se importar com as gerações futuras.
É esperar para conferir. Posso imaginar que o futuro não será de céu de brigadeiro. Está ruim com a senhora, imagine com os “trombadões” da base aliada chantageando uma presidente. Por quanto tempo isso será possível?