(*) Carlos Brickmann –
Está no Novo Testamento, caros leitores: há uns dois mil anos já se sabe que, algum dia, os mudos falarão. Calendário maia, que tantos temem, é besteira. Mas talvez esteja chegando o dia em que ao menos parte da verdade será conhecida.
Carlinhos Cachoeira já deu um sinal de que, talvez, seus tempos sem voz estejam chegando ao fim. Numa frase rápida, daquelas que cabem entre abrir e fechar a janela do carro, disse que é “a garganta profunda do PT”. Garganta Profunda foi o filme que fez a fama da atriz pornô Linda Lovelace, capaz de notáveis malabarismos bucais – e certamente não é esse papel que Cachoeira pretende desempenhar. E Garganta Profunda foi também o codinome do principal informante dos jornalistas Bob Woodward e Carl Bernstein, do Washington Post, nas reportagens que detalharam o caso Watergate e derrubaram o presidente americano Richard Nixon, reeleito pouco antes com ampla maioria.
Outro mudo que ameaça falar é Paulo Rodrigues Vieira, ex-diretor da Agência Nacional de Águas, ligado a Rose Noronha, chefe de Gabinete da Presidência da República em São Paulo. Vieira trocou de advogado e deixou vazar que estuda propor ao Ministério Público uma delação premiada. Nela, contaria como tudo funcionava, indicaria gente graúda envolvida no esquema e, em troca, receberia benefícios legais da Justiça. O comentário é que Vieira não quer cair sozinho, apontado como chefe de quadrilha, e se sente abandonado pelos aliados.
Marcos Valério? Passou do ponto. Mas os outros dois até os surdos ouvirão.
Da voz solitária ao coro
É bom lembrar que Paulo Rodrigues Vieira tem mais dois irmãos, um dos quais mereceu também o patrocínio de Rose Noronha para um excelente emprego numa agência reguladora, e sua mãe, senhora sempre preocupada com o bem-estar da família. Da canção solo ao coral uníssono é uma transição rápida.
Oitocentos é pouco
Dilma Rousseff prometeu construir 800 aeroportos no país. É pouco: podia ter prometido oito mil, ou 80 mil. Depois é só esquecer – como o famoso Terceiro Aeroporto de São Paulo, cuja localização só não era anunciada para evitar especulação com os terrenos a desapropriar.
Talvez o Terceiro seja um dos 800.
É tudo longe
Da presidente Dilma Rousseff, falando no encerramento do Fórum Empresarial Brasil-Rússia, em Moscou: “O Governo brasileiro está incentivando os estudantes a vir aqui, para a Índia”. Passou batido: o presidente da CNI, Robson Andrade, estava dormindo; o vice-primeiro-ministro russo, Arkady Dvorkovich, estava ocupadíssimo com seu Blackberry; e o ministro mais próximo da presidente, Fernando Pimentel, do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, preferiu ampliar sua série de bocejos a dar risada.
Ele sabe o que é bom para sua carreira.
Cidade-luz
O governador Tarso Genro resolveu seu problema particular de energia: enquanto Porto Alegre ficava às escuras por 30 horas seguidas, na terça-feira, 11, Sua Excelência foi a Paris, a Cidade-Luz, para um encontro com a presidente Dilma.
Claro que bastaria ajustar a agenda para encontrá-la em Brasília, a custo bem mais baixo, mas vinho nacional é melhor na França do que no Brasil.
Lucidez petista
O prefeito eleito de São José dos Campos, Carlinhos Almeida, PT, acaba de tomar uma decisão digna de aplausos: assim que tomar posse, fará com que a Guarda Civil da cidade seja realmente civil, comandada por um civil, e não mais por um policial militar da reserva. O comandante deve ser um delegado.
Maluquice pessedista
Alguém conhece Ricardo Patah? Ele lidera uma daquelas centrais sindicais que recebem fundos públicos. A dele é a UGT e se associou ao prefeito paulistano Gilberto Kassab, para ser o braço sindical do PSD. Outro dia, dia comum de serviço, horário normal de trabalho, grupos da UGT que não estavam trabalhando em lugar nenhum se reuniram na Avenida Paulista, uma das principais da cidade, só para engarrafar o trânsito. Conseguiram: percorrer os dois quilômetros de avenida exigia uma hora de quem, ao contrário dos desocupados, queria trabalhar.
Motivo da manifestação? “Defesa dos trabalhadores do Panamá”. Pois é.
Loucura burocrática
Uma doença curada torna uma pessoa inepta para ocupar um cargo no funcionalismo público? Parece incrível, mas é assim: Charla Adriana Vieira dos Santos, 39, teve câncer de mama, operou-o há muitos anos, está sem qualquer sinal da doença. Mas, depois de classificada num concurso público, em São Paulo, e nomeada enfermeira na Secretaria de Administração Penitenciária, não pôde tomar posse. Depois de quase dois anos de luta na Justiça, acabou sendo nomeada.
A Justiça tem dado respaldo aos candidatos preteridos em praticamente todos os casos. O desembargador Rui Stocco, por exemplo, referindo-se ao veto a uma candidata que teve câncer de mama e que se classificou num concurso para professora, classificou a medida burocrática de “odiosa”.
Não custa lembrar que o governador Geraldo Alckmin, PSDB, é médico.
(*) Carlos Brickmann é jornalista e consultor de comunicação. Diretor da Brickmann & Associados, foi colunista, editor-chefe e editor responsável da Folha da Tarde; diretor de telejornalismo da Rede Bandeirantes; repórter especial, editor de Economia, editor de Internacional da Folha de S. Paulo; secretário de Redação e editor da Revista Visão; repórter especial, editor de Internacional, de Política e de Nacional do Jornal da Tarde.