Pedagogia do crime

(*) Percival Puggina –

A primeira e principal lição foi sendo ministrada aos poucos. Era difícil, mas não impossível. Tratava-se de fazer com que a sociedade ingerisse enrolada, como rocambole, a ideia de que a criminalidade deriva das injustiças do modelo social e econômico. Aceita essa tese, era imperioso importar alguns de seus desdobramentos para o campo do Direito. Claro. Seria perverso tratar com rigor ditas vítimas da exclusão social. Aliás, a palavra “exclusão” e seu derivado “excluído”, substituindo “pobre” e “pobreza”, foram vitais para aceitação da tese e sua absorção pelo Direito Penal.

Espero ter ficado claro aos leitores que a situação exposta acima representa uma versão rasteira da velha luta de classes marxista. Uma luta de classes por outros meios, travada fora da lei, mas, paradoxalmente, sob sua especial proteção. Por isso, a impunidade é a aposta de menor risco desses beligerantes. Por isso, no Brasil, o crime compensa. Por isso, também, só os muito ingênuos acreditarão que um partido que pensa assim pretenda, seriamente, combater a criminalidade. Afine os ouvidos e perceberá o escandaloso silêncio, silêncio aliás de todos os poderes de Estado sobre esse tema que é o Número Um entre nós. Ou não?

Portanto, olhando-se o tecido social, chega-se à conclusão de que o grande excluído é o brasileiro honesto, quer seja pobre ou não. O outro, o que enveredou para as muitas ramificações do mundo do crime, leva vida de facilidades sabendo que tem a parceria implícita dos que hegemonizam a política nacional. Nada disso estaria acontecendo sem tal nexo.

Viveríamos uma realidade superior se o governo construísse presídios, ampliasse os contingentes policiais e equipasse adequadamente os agentes da lei, em vez de gastar a bolsos rotos com Copa disto e daquilo, trem bala, mordomias, comitivas a Roma e por aí vai. Viveríamos uma realidade superior se o Congresso produzisse um Código Penal e um Código de Processo Penal não benevolentes, não orientados para o descumprimento da pena, mas ordenados à sua rigorosa execução. Viveríamos uma realidade superior se os poderes de Estado incluíssem entre os princípios norteadores de suas ações a segurança da sociedade e os direitos humanos das vítimas da bandidagem. Viveríamos uma realidade superior se o Direito “achado nas ruas”, que inspira ideologicamente a atuação de tantos magistrados, fizesse essa coleta nas esquinas, mas ouvindo os cidadãos, os trabalhadores, os pais de família, em vez de sintonizar a voz dos becos onde a criminalidade entra em sintonia com a ideologia.

O leitor sabe do que estou tratando aqui. Ele reconhece que, como escrevi recentemente, já ocorreu a Tomada do Brasil pelos maus brasileiros. Perdemos a guerra. O crime já venceu. Estamos na fase de requisição dos despojos que devem ser entregues aos vencedores. Estamos pagando, em vidas, sangue e haveres, a dívida dos conquistados. Saiba, leitor, que a parcela da esquerda que nos governa há mais de duas décadas, mudando de nome e de pêlo, mas afinada, em tons pouco variáveis pelo mesmo diapasão ideológico, está convencida de que se trata disso mesmo. É a luta de classe por outros meios e com outros soldados. Queixemo-nos ao bispo, se o bispo não cantar na mesma toada.

É a pedagogia do crime. Ela já nos ensinou a não reagir. Ela já nos disse que a posse de armas é privilégio do bandido. Ela já advertiu os policiais sobre os riscos a que se expõem ao usar as suas. Ela já nos mostrou que não adianta reclamar: continuaremos sem policiais, sem presídios, sem uma legislação penal que sirva à sociedade e não ao bandido. Isso tudo já nos foi evidenciado. Trata-se, agora, de entender outras ordens do poder fora da lei. Devemos saber, por exemplo, que esse poder se enfurece quando encontra suas vítimas com tostões no bolso. O suposto direito nosso de carregarmos na carteira o dinheiro que bem entendermos confronta como o direito dos bandidos aos nossos haveres. Por isso, cada vez mais, agridem, maltratam e executam, friamente, quem deixa de cumprir seu dever de derrotado. Tornamo-nos súditos, sim, não do Estado brasileiro, mas daqueles que tomaram para si a Nação. Seja um bom discípulo da pedagogia que a esquerda nos proporcionou. Não desatenda as demandas dos bandidos. O leão da Receita é muito mais manso.

(*) Percival Puggina (68) é arquiteto, empresário, escritor, titular do site www.puggina.org, articulista de Zero Hora e de dezenas de jornais e sites no país, autor de Crônicas contra o totalitarismo; Cuba, a Tragédia da Utopia e Pombas e Gaviões.